APEOESP: a razão cínica de uma sentença?

A ministra Nancy Andrighi julgou procedente a representação movida por DEM e PSDB, aplicando multa de R$ 7 mil contra o sindicato e sua presidente. O sindicato, disse Andrighi, é uma entidade “sem fins lucrativos, sem discriminação de raça, credo religioso, gênero ou convicção política ou ideológica".

Gilson Caroni Filho

Ao considerar “manifestações de cunho eleitoral e depreciativo" os atos organizados pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), Nancy Andrighi, ministra do TSE, não reforçou apenas a suspeita de um Poder Judiciário partidarizado, atuando como sujeito ativo em favor dos interesses da candidatura de José Serra. Sua decisão contribuiu também para criar uma situação insustentável em um país que se pretende habilitado à modernidade, com solidez institucional e sistema político dotado de competitividade.


Ignorando que regimes democráticos não qualificam manifestações e greves, possivelmente a partir da percepção que toda ação sindical é ato político e corresponde a direito inquestionável dos trabalhadores, a ministra, fazendo uma análise enviesada da questão, julgou procedente a representação movida pelos partidos DEM e PSDB, aplicando multa de R$ 7 mil contra o sindicato e sua presidente. Um ganho para o reacionarismo que vende democracia como mercadoria para entrega futura.


Preocupada com a interferência negativa na imagem de homem público, Andrighi se esqueceu de examinar a realidade da educação paulista, o modelo de gestão que o tucanato pretende imprimir no Brasil, caso vença as eleições presidenciais. O descaso dos sucessivos governos do PSDB com os profissionais da educação dão uma pista de como os neoliberais planejam reduzir gastos públicos, "abrindo espaços para investimentos". Claro que não é competência do TSE emitir sentenças sobre dados de conjuntura, mas considerá-los na apreciação da motivação de atos e fatos daria à análise uma aura de honestidade política. Apenas isso.


Os manifestantes que gritaram palavras de ordem contra o governo José Serra fazem parte de uma categoria que, desde 1998, sobrevive sem qualquer reajuste salarial, sem nenhum plano de carreira. Apesar da alta arrecadação, São Paulo paga um dos menores salários do país, ficando atrás do Acre, Roraima, Tocantins, Alagoas e Espírito Santo, entre outros. O valor da hora-aula pago aos professores do ensino básico II é de R$7,58. Bem menos do que o jeton (benefício pago por presença em sessão) no valor de R$771,75 destinado aos integrantes do TSE. Muito menos que os R$ 26.723,13 recebidos por um ministro do STF, desde fevereiro de 2010. A sensibilidade jurídica da relatora deveria levar esses números em conta antes de ver orientação meramente eleitoreira nas palavras de uma dirigente sindical.


Em um estranho arrazoado, Nacy Andrighi ressaltou que a ação dos grevistas feriu o próprio estatuto do sindicato que define a entidade “como sem fins lucrativos, sem discriminação de raça, credo religioso, gênero ou convicção política ou ideológica". Talvez falte à ministra noções rudimentares de sociologia política para compreender a dinâmica da APEOESP.


Representando todo o magistério paulista, o sindicato liderado por Maria Izabel Azevedo Noronha luta pela elevação do nível econômico, social e político da categoria. E procura estender estes benefícios à educação através do empenho pela melhoria da qualidade de ensino e por uma política educacional feita com a participação dos professores e da comunidade, direcionada para os interesses da população. Argumentos que tutelam os direitos políticos de uma coletividade não podem suprimir dos cidadãos o direito da livre expressão. Disso deveria saber uma ministra do TSE.


Mais interessante seria saber como se posicionaria frente a editoriais e noticiários que buscam, a todo custo, desqualificar a candidatura da ministra Dilma Rousseff. Privilegiaria a liberdade de expressão dos barões midiáticos ou seria sensível a interferência negativa na imagem de uma personalidade pública? Qual seria o valor da multa? Até quando será impossível entender o país sem a devida dose de cinismo? Os nossos magistrados talvez devessem meditar a respeito do assunto.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4628

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