AÇÕES ANTRÓPICAS EM AMBIENTES NATURAIS

O atual panorama socio-ambiental do planeta mostra que o homem deixa muito a desejar em termos de organização do espaço e desenvolvimento humano, tão evidentes são os testemunhos da deterioração do seu comportamento e da degradação do ambiente.

Os últimos 500 anos de história do Brasil, da chegada dos colonizadores portugueses aos dias de hoje, têm sido uma seqüência de tristes histórias de destruição dos ecossistemas naturais, sendo a Mata Atlântica a principal testemunha de tanta violência e desrespeito à natureza.

A Mata Atlântica, um dos principais biomas brasileiros, é formada por densas florestas e ecossistemas associados, como mangues, restingas e campos de altitude, estabelecida há cerca de 70 milhões de anos, e que originalmente estendia-se ao longo da costa do oceano Atlântico, desde o paralelo 50 30’ sul até 300 00’ sul, com uma área de aproximadamente 100 milhões de hectares, correspondendo a pouco mais de 10 vezes a área territorial de Portugal.

Este rico bioma é composto por mais de 10 mil espécies vegetais, cerca de um milhão de espécies de insetos, 260 espécies de anfíbios, 260 de mamíferos, 620 de aves, 660 de répteis e milhares de espécies de fungos e microorganismos. Cerca de 100 milhões de brasileiros vivem na área de domínio da Mata Atlântica, e cidades como Rio de Janeiro e São Paulo são abastecidas por suas nascentes e cursos d’água. Infelizmente é o bioma mais ameaçado de extinção do mundo, junto com as quase extintas florestas da ilha de Madagascar, na costa da África.

As principais atividades econômicas realizadas no Brasil, desde o início do século XVI até hoje, têm se concentrado junto à faixa litorânea, ocasionando a destruição sistemática da Mata Atlântica. Em 1501, um anos após a chegada dos portugueses, foram enviadas para Portugal amostras de uma árvore conhecida como Ibirapitanga pelos indígenas, e que os portugueses passaram a chamar Pau-brasil, de onde se podia extrair um corante vermelho. A grande e crescente demanda européia por corantes e tintas transformou o Pau-brasil num produto cobiçado e altamente lucrativo.

A atividade florestal durante o século XVI foi a principal fonte de lucro da Coroa Portuguesa, com a extração de 12 mil toneladas de Pau-brasil por ano, e a destruição de 600 mil hectares da Mata Atlântica. Havia também o tráfico francês clandestino, que era tão bem estruturado quanto o dos portugueses, além do contrabando feito pelos navios espanhóis e ingleses. A exploração desta árvores só terminou no final do século XIX, após num ciclo de quase 400 anos de devastação contínua, resultando na depredação de grandes extensões de florestas do litoral brasileiro.

Em 1600, com a população indígena quase completamente exterminada, o relacionamento humano com a Mata Atlântica tinha se transformado, pois os indígenas, durante milhares de anos, haviam atribuído nomes às espécies da fauna e flora, para as quais encontraram uso, conheciam a ocorrência e as suas relações com outras espécies. Uma vez que os recursos e experiências de cada aldeia indígena diferiam dos de seus vizinhos, milhares de espécies da Mata Atlântica tinham sido catalogadas na memória destes habitantes humanos. Apenas a tradição oral preservava esta cultura, e com o extermínio dos indígenas, estas informações começaram a se deteriorar, e a floresta tornou-se estranha ao ser humano.

A agricultura colonialista iniciou-se em 1532, com o cultivo da cana-de-açúcar, que também causou diversos danos na Mata Atlântica, com a queima de grandes extensões de florestas, para dar lugar aos plantios de cana. Muitas árvores foram aproveitadas para edificar os engenhos e outras construções, como casas para a população que entrava em processo de crescimento.

O açúcar foi, durante os séculos XVI e XVII, a única atividade econômica de grande importância que vinculava o Brasil à Portugal, junto com o corte do Pau-brasil. Os campos de cultivo de cana eliminaram neste período, cerca de 100 mil hectares da Mata Atlântica, e outros 120 mil hectares desta floresta foram usados para o abastecimento de energia para os engenhos de açúcar.

No final do século XVII, com a perda de grande parte do mercado do açúcar para o Caribe, as autoridades coloniais começaram incentivar as expedições exploradoras para a localização de ouro, fato ocorrido em 1690, e a partir desta data, iniciou-se uma devastação ampla e permanente da Mata Atlântica, pois com o deslocamento das expedições em busca de ouro e pedras preciosas, foram se instalando em suas passagens vilas e povoados, que necessitaram de novos desmatamentos. Neste mesmo período iniciava-se o desenvolvimento da pecuária, e muitas florestas primitivas começavam a dar lugar às grandes áreas para as pastagens. As descobertas de ouro e diamante no Brasil do século XVIII foram as mais importantes ocorridas no Novo Mundo colonial, e para a exploração destas riquezas minerais foram destruídos durante este século 400 mil hectares da Mata Atlântica.

Com o declínio da produção do ouro e diamante na metade do século XVIII, os garimpeiros adotaram a lavoura e a pecuária para sobreviverem, estendendo seus domínios cada vez mais para o interior da floresta ainda intocada. O século XVIII representou o início de uma tendência irreversível e cumulativa na exploração da Mata Atlântica, com um sistema de pecuária extraordinariamente improdutivo. No entanto, a criação de gado atingiu grandes proporções durante este século. A mineração, a lavoura e a criação de gado eliminaram, durante o século XVIII, outros 3 milhões de hectares da Mata Atlântica.

No final do século XVIII iniciaram-se os plantios de café, com inúmeras lavouras se esparramando pelas serras, vales e interior do estado de São Paulo. Em 1850, o imperador Dom Pedro II editou uma Lei que proibia a exploração florestal em terras descobertas, mas a fiscalização nunca foi realizada, pois o desmatamento era considerado necessário ao progresso, principalmente no estabelecimento das extensas lavouras de café, que foram responsáveis pela derrubada de 1 milhão de hectares de florestas. O comércio do café induziu o crescimento demográfico, urbanização, industrialização e a implantação das ferrovias.

Com o Brasil produzindo cerca de 50% da produção mundial de café, o estado de São Paulo alcançou um surto extraordinário de desenvolvimento em todos os setores, o que possibilitou o surgimento das indústrias, que dependiam, primordialmente, do enorme estoque de recursos vegetais da Mata Atlântica como combustível. Nenhuma indústria teve maior impacto sobre as florestas que a siderúrgica, que era o sustentáculo das indústrias de base. Até a metade do século XX, as siderurgias foram responsáveis pela derrubada de 265 mil hectares de florestas. No entanto, as ferrovias queimavam mais lenha que a indústria siderúrgica. Até 1950, ano em que as locomotivas a vapor começaram a ser substituídas pelas locomotivas elétricas e a diesel, o consumo anual de lenha era equivalente a 62 mil hectares de floresta. Neste mesmo período, as indústrias metalúrgicas utilizavam anualmente 14 mil hectares da floresta como fonte de energia.

Infelizmente, todos os ciclos econômicos pelos quais o Brasil passou foram fundamentados no extrativismo predatório das florestas, sem a preocupação da sua reconstituição ou reposição para as futuras gerações. Além de todos os incalculáveis problemas ambientais causados, houve também sérios problemas sociais, sempre presentes em relações de produção capitalista, resultando na degradação socio-econômica e cultural da população brasileira.

A modernização da agricultura e da indústria, através de critérios puramente econômicos e tecnológicos, resultaram em rendimentos crescentes, porém às custas de imensos prejuízos não incluídos no cômputo econômico e debitados à posteriori, como os sem-terra, sem-teto, favelados e miseráveis, e também com irreversíveis danos ambientais, através da erosão do solo, assoreamento e poluição dos recursos hídricos com produtos tóxicos, destruição de ecossistemas e eliminação da biodiversidade.

O extrativismo para exportação não desapareceu no século XX, período em que o Brasil foi dirigido por governos ditatoriais e neoliberais, regados de corrupção e violência, que favoreceram o roubo das terras, dos minérios e das riquezas vegetais. O comércio de orquídeas e de animais silvestres continuou a crescer, juntamente com o de peles de animais. As serrarias também se constituíam num problema sério, pois a exploração madeireira predatória acabou por destruir o que restava das florestas, com a retirada das últimas grandes árvores remanescentes de séculos de exploração sistemática e criminosa.

Durante 500 anos, as florestas brasileiras proporcionaram lucros fáceis, como papagaios, corantes, escravos, ouro, pedras preciosas, orquídeas e madeira para o aproveitamento de seus senhores coloniais e, queimada e devastada, uma camada imensamente fértil de cinzas que possibilitavam uma agricultura passiva, imprudente e insustentável, enquanto a população crescia cada vez mais e o capital acumulava. A presença de uma floresta primária ao longo do litoral brasileiro possibilitava à Colônia padrões de povoamento singularmente dispersos, títulos de terra bizarramente precários, exploração da terra sempre renovada e decadente, trazendo em seu curso, conflitos sociais, prepotência de uma classe latifundiária, relações econômicas primitivas e pobreza. A estrutura agrária herdada da Colônia sobreviveu às mudanças e deixou marcas profundas na mentalidade da elite conservadora. Ainda hoje a distribuição da terra brasileira permanece a mesma, onde os 5% maiores proprietários se apropriam de 70% da área cadastrada, enquanto na outra ponta a metade dos estabelecimentos rurais, ou seja, quase 3 milhões de minifúndios ocupa apenas 2,2% da área.

Hoje restam apenas 7% da vegetação original da Mata Atlântica, que encontra-se muito perturbada, e a sua fragmentação e destruição tem levado à extinção um grande número de espécies, populações e comunidades da fauna e flora. Mesmo com a devastação acentuada, este bioma ainda abriga uma parcela significativa da diversidade biológica do nosso planeta, e por isso é considerada uma das áreas de mais alta prioridade para a conservação em todo o mundo.

Fabio Rossano Dario PISA, ITÁLIA

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