Inquérito midiático

O site do Estadão exibe a foto com a sintomática legenda: Pai de Isabella tenta “driblar” a imprensa à saída da prisão. O termo entre aspas como que ironiza a situação, dada a impossibilidade de um homem que nem acusado formalmente é, escapar do assédio dos repórteres.

A mídia dá o costumeiro destaque a temas que suscitam o clamor popular, mas é de se perguntar se todo esse frisson em torno do bárbaro caso do assassinato da menina Isabella Nardoni não está sendo exagerado pelos próprios meios de comunicação. Os textos e falas transpiram uma ansiedade que não se nota nem nos protagonistas da tragédia; a própria mãe da vítima tem estado serena e se absteve de fazer comentários e julgamentos.

Os repórteres e âncoras repetem exaustivamente as falas de testemunhas, promotor, delegados e outros envolvidos neste caso que deveriam, em respeito ao princípio constitucional da presunção de inocência, evitar dar declarações apressadas sobre o andamento das investigações, do tipo “provas ligam casal às agressões”, como fez o promotor, em deplorável atuação.

A esmagadora pressão da mídia pode perfeitamente ter influído na decretação da prisão preventiva dos... o que são mesmo o pai e a madrasta de Isabella? Indiciados? Não.

Denunciados? Também não. São suspeitos, ou averiguados. Uma prisão injusta, apressada, ilegal; tanto assim que o Tribunal de Justiça concedeu liminar, em belo, longo e bem embasado despacho do desembargador Canguçu de Almeida.

Não foram só estes dois as vítimas do furor midiático dos editores das seções policiais; um pedreiro que chegou a integrar o rol dos suspeitos disse, às lágrimas, que estava sendo chamado de assassino por vizinhos depois que apareceu na televisão.

Não foram poucos os editoriais que criticaram, há algum tempo, a pirotecnia das ações da Polícia Federal, que na nova gestão tem se pautado pela discrição, raramente divulgando nomes e imagens dos presos em suas operações. Agora, em copiosas manchetes e reportagens repetitivas, a mídia faz muito pior. O Estadão chegou ao requinte de publicar (12/4, c-4) o endereço do avô paterno da vítima, onde ficarão hospedados os acusados.

Mas a televisão, o rádio e os portais dos jornais agem como se estivéssemos vivendo uma calamidade pública, praticamente em regime de plantão, a Folha Online com a chamada “urgente” para noticiar a soltura do casal Nardoni. A mesma Folha informa que os peritos têm trabalhado “com apreensão” em virtude da repercussão do caso, o que pode levá-los a cometer erros.

O público quer, evidentemente, ser informado, mas é de uma clareza solar que a imprensa, de certa forma, cria uma espécie de “demanda artificial” por uma enxurrada de notícias, especulações e depoimentos, quando as manchetes poderiam ser mais frugais.

Os indeléveis danos psicológicos causados por uma prisão eventualmente injusta, ainda que por “apenas” uma semana, não são mensuráveis e tampouco podem ser reparados com dinheiro.

Ao trauma de perder uma filha soma-se a crueldade do julgamento antecipado pelas palavras das autoridades e pela frenética cobertura da mídia. Mesmo os que não figuram entre os suspeitos, como a mãe e outros parentes da criança, sofrem com essa mórbida algaravia, mas a imprensa, indiferente, quiçá norteada pelo retorno financeiro proporcionado pela novelesca cobertura, se atira com inigualável apetite à cobertura de alguns fatos e numerosas suposições.

Pode ser que os atuais suspeitos venham a ser denunciados, julgados e condenados, mas essa tarefa cabe apenas ao Júri. À imprensa cumpre noticiar, sem censura, mas com parcimônia, ponderação, equilíbrio, senso de medida.

Luiz Leitão, adm. de empresas

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Roberto Wanderley Nogueira, juiz federal em Recife

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