Golpe no Caribe

Por Luis Britto García

Durante o seu melhor sono na madrugada o opositor ouve zumbidos de aviões em picada. Uma, duas, três, dez bombas silvam em direcção ao Centro. Cinco desviam-se e caem sobre a Fedecámaras [1].

Com tecnologia superior, os media privados interferem na cadeia em que o Presidente eleito fala à Nação. Alguns divulgam a notícia a sua morte, outros a da renúncia "que ele aceitou".

Das suas covas saem encapuzados e a disparar dezenas de milhares de paramilitares que há décadas infestam o submundo crioulo.

Os media instam à cidadania a denunciar os partidários do governo, divulgam de forma sensacionalista a detenção maciça de funcionários eleitos, cobrem com apagão comunicacional as caravanas de camiões fechados que aceleram rumo aos estádios, onde se ouvem descargas de fuzilamentos.

Nas ruínas do Palácio reúnem-se os abaixo assinados de sempre.

Como numa gravação a rodar de modo invertido, aqueles que promoveram o 13 de Abril agora regressam de costas rumo à confusão que então não puderam concluir.

O presidente da Junta de Transição anula por decreto a Constituição aprovada por 75% do eleitorado, suspende perpetuamente as garantias constitucionais, demite por despacho todos os funcionários eleitos e dissolve Conselhos Comunais, sindicatos e organizações do Poder Popular.

Entre aclamações lêem-se decretos de privatização da PDVSA, da siderurgia, da electricidade, da telefónica, das auto-estradas, dos latifúndios expropriados, das águas, rios, lagos e lagoas, e do lançamento de um dumping de sobreprodução petrolífera para fazer com que os preços caiam ainda mais.

Em poucos minutos negocia-se com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial um empréstimo com juros modificáveis por estes em troca da entrega das reservas de hidrocarbonetos do país.

Entre ovações decreta-se a legalização do contrabando de gasolina e a eliminação do Controle de Câmbios. Em meio dia desaparece a metade das reservas de divisas e a outra metade é confiscada pelos que roubaram as reservas da Líbia.

Mediante despachos anulam-se as Missões, as entregas de habitações, as pensões aos idosos, as prestações sociais, o salário mínimo e o regime de estabilidade laboral. A libertação de preços desencadeia uma onda de aumentos de mil, dez mil e vinte mil por cento.

Por decreto reduzem-se as taxas máximas de tributação dos monopólios a 14% e aumenta-se o IVA para 34%. Nas ruínas da Chancelaria são firmados de uma só vez 33 novos Tratados contra a Dupla Tributação, que isentam as transnacionais de outros tantos países de pagar impostos no nosso. O país retira-se da ALBA, da CELAC, da UNASUL, do MERCOSUL e alia-se ao Eixo do Pacífico.

O gabinete da Defesa anuncia a instalação de uma dezena de bases dos Estados Unidos, outra de bases da OTAN e um número indefinido de bases paramilitares, cujos efectivos não estão submetidos às leis nem aos tribunais nacionais e exercerão a direcção e supremo comando das Forças Armadas.

O decreto mais aclamado elimina a gratuidade do ensino e encerra as 16 novas universidade e centenas de escolas e institutos de formação técnicas criados numa década e meia.

Declara-se a amnistia para corruptos e delinquentes financeiros.

Para o controle do submundo reinicia-se a política calderista [2] de operações que encerram bairros completos pelo delito de serem populares.

A fim de eliminar a polarização reimplantam-se as medidas adoptadas durante o Caracazo [3] de 27 de Fevereiro de 1989. Nas fossas de La Peste volta-se a enterrar com pás mecânicas.

Correm rumores desarticulados sobre a secessão do país em várias zonas aproximativamente dominadas por diversas facções do National Security Council, do Mossad, da Al Qaed, das AUC [4] , da NED [5] , do Daesh, do Cartel do Pacífico e do Cartel de Medellín.

Cerca do meio-dia a Junta de Transição parece haver perdido o controle sobre os bandos que disputam o poder: apesar do apagão comunicacional transpira que, tal como na Líbia, a presidenta foi executada pelos seus cúmplices quando tentava refugiar-se na Embaixada dos Estados Unidos.

Dos morros, dos bairros marginais, das aldeias, dos montes brotam sem cessar torrentes humanas dispostas a resistir aos ocupantes nos seus mesmo termos.

Enxames de drones teledirigidos contra os bairros populares por erros de direcção através de satélite convertem em terra arrasada o Country Club, Sartenejas, Lagunita.

A fumarada tóxica cobre o horizonte dos acontecimentos.

Com mãos tremelicantes o opositor desarrolha uma garrafa de champanhe para brindar a realização dos seus desejos.

Mas nessa altura a explosão acorda-o do seu sonho e o defronta com a realidade cruel: a situação é normal, o governo constitucional continua a mandar, há vários oficiais detidos e não vai haver comissão para a privatização da PDVSA.

Sonhar não custa nada.

02/Março/2015

[1] Fedecámaras: uma associação patronal, Federação Venezuelana de Câmaras de Comércio.

[2] política calderista: política de Rafael Caldeira que foi presidente da Venezuela de 1969 a 1974 e de 1994 a 1999.

[3] Caracazo : distúrbios que culminaram num massacre durante o governo de Carlos Andrés Pérez.

[4] AUC: grupos paramilitares colombianos.

[5] NED: organização financiada pelo governo dos EUA especializada em subversão de países e em organizar as chamadas "revoluções coloridas".

O original encontra-se em prensapcv.wordpress.com/2015/03/02/golpe-en-el-caribe/#more-8412

este artigo encontra-se em http://resistir.info/

http://www.patrialatina.com.br/editorias.php?idprog=e38c9a9b9ca7607ce912ab7fe7106f3d&cod=15185

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