Até quando continuará a violência contra o povo árabe-palestino?

Com essa chamada publicamos, em novembro 1987, o manifesto constitutivo do Comitê 29 de Novembro de Solidariedade ao Povo Palestino, em Corumbá (MS), acreditando que já tínhamos assistido a tudo, em termos de aberrações humanas: Massacre de Sabra e Chatila (1982), Guerra Civil do Líbano (1975-1986), Guerra Irã-Iraque (1980-1989), Caso Irã-Contras (1987) etc.

Por Ahmad Schabib Hany

Passaram-se 27 anos, desde então. Acabou traumaticamente, nesse meio tempo, a opção pelo socialismo real - não a utopia socialista, que está mais firme que nunca! -, junto com o Muro de Berlim, a Guerra Fria e até a União Soviética. Para desvario dos pretensos "vencedores", o Consenso de Washington celebrou açodadamente o "fim da história", o "choque de civilizações" e o ressurgimento da voragem mercantil sem limites, com o neoliberalismo e o neocolonialismo, sob o eufemismo de globalização, em que pseudocomunistas e pseudossocialistas se borraram e tiraram a máscara para servilmente se prestarem ao papel de vergonhosa caixa de ressonância dos novos "donos do mundo" (autointitulados de "policiais do mundo") e mensageiros do "novo paradigma" - que de novo nada tem, pois é tão velho quanto caduco e anacrônico, tanto que, ainda entre o fim do século XIX e início do século XX - entre Marx, Engels e Lênin -, já era compreendida como "imperialismo, a fase superior do capitalismo".

HUMANIDADE ESTUPRADA

Em nome dessa ficção - digo, alucinação - requentada (verdadeiro pesadelo para a humanidade), os abutres Reagan, Bush (pai e filho), Thatcher e seus filhotes - ou títeres - cometeram atos de insanidade que representaram um estupro para toda a humanidade: a intolerância e o maniqueísmo criminalizaram todas as correntes divergentes do centro do "poder global" (Casa Branca, Pentágono e aliados). Para tanto, criaram o "eixo do mal" para, bem ao estilo inquisitorial, satanizar os expoentes antissionistas e anti-imperialistas que ousassem liderar qualquer "desobediência" aos tiranos de plantão, pretensos representantes da "civilização" e da "modernidade", aliás, bastante embolorada, fedendo, no dizer de Chávez, "enxofre".

Tais absurdos, com trágicos saldos para a humanidade, ocorreram em tempo recorde, se atinarmos para o tempo cronológico decorrido: duas "Tempestades do Deserto" (isto é, as duas guerras contra o Iraque, então sob o governo nacionalista, ainda que autocrático, de Saddam Hussein), em 1991 e 2003; a Guerra Civil da Argélia (1991-2002), quando a vontade das urnas foi ignorada pelo governo, com o apoio dos EUA, França e aliados, os novos "donos do mundo"; a Guerra Civil na Bósnia-Herzegovina (1992-1995); a Guerras da Chechênia (1994-1996 e 1999); o "atentado" (suspeitíssimo) contra as Torres Gêmeas (World Trade Center), Nova Iorque, em 2001; a farsa chamada de Guerra ao Terrorismo, que serviu de pretexto para rasgar tratados e convenções internacionais, violar a soberania de diversos países e invadir uma série de nações árabes, além do Afeganistão (2002-2006); o confinamento humilhante de Yasser Arafat, cuja morte tem evidências de envenenamento executado pelo macabro Mossad (2002); a invasão sionista ao Líbano para destruir a resistência patriótica do Hezbolah (2004), exemplarmente rechaçada pela esquerda libanesa, que se uniu contra o inimigo comum; a Guerra Civil Palestina (conflito entre Al-Fatah e Hamás), humilhante conflito fratricida, entre 2006 e 2007; a "Primavera (?) Árabe" - nem primavera, nem árabe (a série de revoltas golpistas de intervenção dos EUA e OTAN contra governos declaradamente antissionistas como o da Líbia de Muammar Gadafi e do Egito de Mohamed Mursi) -, entre 2011 e 2012; a Guerra Civil da Síria (acintosamente patrocinada pelos EUA, OTAN e Israel contra o governo nacionalista de Bashar Al Assad), único lugar do planeta em que uma "oposição", constituída de mercenários que sequer falam o árabe, esnoba armamento superior ao do exército regular do país; e agora, em 2014, pleno ano internacional de solidariedade ao povo palestino, os sucessivos massacres contra Gaza, perpetrado cínica e acintosamente pelos terroristas que comandam o Estado de Israel, sob o beneplácito de todos - repito: TODOS - os governos de países ocidentais ou pró-ocidentais, como ficou patente na votação do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em que os EUA votaram contra e países aliados se abstiveram, mas não quiseram condenar o governo nazissionista de Netanyahu, de cujo gabinete participa o "Nobel da (?) Paz" (dos túmulos) Shimon Peres, imaginem tamanha hipocrisia.

EUROPA MATA, PALESTINA PAGA

Se voltarmos nosso olhar para o tempo imemorável da ascensão do nazismo e do fascismo na Europa (pois é, foi na velha Europa - cenário da Inquisição, do Holocausto, das metrópoles coloniais, das pilhagens e saques, do comércio de pessoas escravizadas da África etc - onde os judeus foram perseguidos pelos nazistas e aliados), perceberemos que a humanidade está sendo igualmente estuprada, ultrajada, violada nos recônditos de sua dignidade, a despeito da proximidade imposta contraditoriamente pela tecnologia que "eles" mesmos desenvolveram. Por quê, então, o povo palestino - o povo árabe, por extensão - deve pagar com sua vida, cultura, moradias, campos, terras cultivadas ou mesmo com seu milenar território, em nome do ressarcimento aos judeus pelas aberrações cometidas na primeira metade do século XX?

Por outro lado, ao impingir os piores adjetivos ao(à)s árabes e palestino(à)s desde as primeiras campanhas pró-sionistas da segunda metade do século XIX, desde o Acordo Sykes-Picot ou desde a Declaração Balfour, de que são "atrasados", "primitivos", "fanáticos", "extremistas", "radicais", "intolerantes", "ignorantes", "terroristas", ou até mesmo "antissemitas" e "anacrônicos", para recorrer a um eufemismo típico do eurocentrismo? Desde que o nefasto império turco-otomano, de triste memória (tal qual o império britânico, francês, austro-húngaro, castelhano, lusitano ou romano), desde a tomada de Constantinopla, em 1535, a Arábia retroagiu no tempo - resguardadas as proporções, é possível dizer que, com a truculência dos turcos, os árabes viveram a sua Idade Média, ainda que anacronicamente. Detalhe: os turcos, selêucidas, são europeus, como o são os ingleses, franceses, espanhóis, portugueses, austríacos e holandeses.

LEGADO CULTURAL ÁRABE

Como por efeito de um passe de mágica, a amnésia coletiva tomou conta da "intelligentsia" ocidental e os doutos senhores da razão se esqueceram das contribuições para a humanidade protagonizada pelos árabes durante o obscurantismo medieval ocidental: não por acaso o Renascimento do Ocidente se deu pelo Mediterrâneo e pela Península Ibérica, ou não foi? Como o zero foi adotado pelos europeus? Como o Ocidente pôde resgatar a filosofia aristotélica? Enfim, a filosofia, química, arquitetura, navegação, matemática, gramática, medicina, anatomia, biologia, astronomia, economia, contabilidade, geografia, história, literatura, geometria, álgebra, trigonometria, construção, botânica, zoologia etc foram desenvolvidas sobremaneira pelos árabes, que generosamente ofereceram a todos os povos. E Avicenas, Avirrois, Al Khwarizmi, Banu Mussa, Muttanabi, Kayam e tantos outros sábios que contribuíram pessoalmente para a Renascença ocidental, não existiram, tal qual hoje democratas arrependidos como Bierrenbach têm a petulância de afirmar que "não existem palestinos"?

E as contribuições árabes aos "primos" judeus (por Abraão, segundo a tradição dos livros sagrados religiosos) durante a Inquisição, também foi esquecida? Não foram os árabes, então poderosos em diversos quadrantes do planeta, que generosamente deram sua proteção aos judeus para que não fossem parar na fogueira por terem sido acusados pela morte de Jesus Cristo (consta da Bíblia o registro de que Anás e Caifaz, sumos sacerdotes judeus, denunciaram Jesus como "falso Messias" às autoridades romanas, e aí entra para a história a atitude do governador romano Pôncio Pilatos, que deixou a decisão para o povo sobre o destino de Cristo)? Nessa época, os árabes eram semitas e os antissemitas eram, sobretudo, os europeus, ou não? Sem qualquer leviandade, vê-se que os judeus sempre estiveram ao lado dos poderosos de plantão para sobreviver, tanto assim que o povo alemão, no período da crise econômica que assolou a Alemanha e a tornou nazista (pois a ascensão de Hitler foi pelo voto democrático, lembram-se?), manipulado pela máquina de propaganda de Goebbels, acreditava piamente que a causa de sua desgraça eram os judeus, na figura de alguns agiotas e joalheiros bem-sucedidos enquanto as camadas populares passavam literalmente fome...

MATAR ÁRABES É ANTISSEMITISMO

A propósito, vamos lembrar, sobretudo aos apologetas do sionismo, que matar árabes em massa também se constitui em flagrante ato de antissemitismo explícito, pois os descendentes de Ismael, filho de Abraão com Haggar, são semitas como os hebreus (e aí, vamos convir, nem todo judeu tem ascendência hebraica, certo?). Explicando: um árabe pode ser judeu, cristão, muçulmano, ateu e inclusive pró-sionista. E, da mesma forma, pode um israelense ser judeu, cristão ou muçulmano? Não?! Mas por quê?! E pensar que os sionistas de Israel, que tomaram de assalto o governo de Telavive desde o pós-guerra de 1945, não conseguem operar o que a tradição judaica não sionista entende como tradição cultural, e só. Quanto mais inventam regras, eles se isolam, embora não pretendamos polemizar temas religiosos com os pioneiros no fundamentalismo que eles promoveram em outros tempos com pessoas que já se foram.

Dá para saber por que Israel e Estados Unidos têm se dedicado a estimular, criar, financiar e até treinar grupelhos sectários fundamentalistas muçulmanos e cristãos nos diferentes países árabes? Isso vem ocorrendo desde o tempo em que Gamal Abdel Nasser (estadista egípcio pan-arabista de tendência socialista, laico e até anticlerical - havia proibido a atuação da Irmandade Islâmica depois de um atentado contra ele no início de seu governo, ainda na década de 1950 -, um dos fundadores do Movimento dos Países Não Alinhados, ao lado de Broz Tito, da Iugoslávia, e Jawaharhal Nehru, da Índia) liderava o mundo árabe em seu projeto de República Árabe Unida. Obviamente, para os sionistas e seus aliados - para justificar a existência de um Estado sectário, em que para ser cidadão israelense é preciso ser da religião judaica, mesmo não tendo nascido lá -, nunca interessou que a maioria árabe seguisse um regime socialista ou laico (não religioso), de modo a que seu discurso que as causas reais das sucessivas intervenções militares têm motivação religiosa milenar - coisa que é uma deslavada mentira: o interesse é geopolítico e econômico, nada mais que isso.

A "CIVILIZAÇÃO" DOS RATOS

Enfim, para entender por que não há interesse entre os aliados dos sionistas de resolver sinceramente e em caráter definitivo a questão palestina, criada pelos membros da ONU em 1947: Os EUA - a um passo de perderem a hegemonia econômica para a China -, como de resto os europeus - sobretudo atualmente na profunda crise econômica em que se meteram -, vivem da guerra, e o Oriente Médio energética e geopoliticamente lhes representa pura cobiça - seja petróleo, seja território, sejam outros interesses inconfessáveis (como subjugar a cultura árabe e os árabes ao ponto de humilhá-los, como fizeram no Iraque, na Líbia, na Síria e agora em Gaza). Tal vez só Freud explicasse, mas bem podemos fazer um devaneio dialético para tentar encontrar alguma explicação na obsessiva idolatria ao rato (seja ele o aparentemente inocente Mickey Mouse, o Jerry do Tom, o Ligeirinho do Patolino, o Super Mouse da Terrytoons, o Stuart Little do Snowbel, o Faro Fino do Olho Vivo, ou o Remy do Ratatouille), mas sempre o rato - outrora símbolo da falta de asseio, da pilhagem e do saque e agente da contaminação dos alimentos -, e por que logo ele?

Ora, trata-se da civilização dos ratos: embora num primeiro momento os europeus tenham pago um alto preço por terem estabelecido uma convivência promíscua com esses roedores, por conta da "peste negra" (botulismo), que ceifou a vida de milhões de pessoas ao longo de muitos anos, durante a obscurantista Idade Média, mais tarde os europeus endinheirados, particularmente ingleses e holandeses, graças à pilhagem aos saqueadores ibéricos do povos originários de nossa aviltada América Latina (e aí não esqueçamos que os sionistas em gestação já estavam próximos em suas relações de interesses não muito recomendáveis), se embrenharam em atividades reconhecidamente piratas, como a pilhagem e o saque, justificados na época pela lógica "ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão", lembram-se? Era tempo da rainha Elisabeth (a primeira), tal qual hoje é tempo da rainha Elisabeth II, e a pilhagem continua à sua moda...

GANÂNCIA OCIDENTAL

Chega a ser um acinte o escárnio (ou, melhor, arrogância ou cinismo) das gananciosas potências ocidentais no tocante à sua política para o Oriente Médio. Agem com uma desenvoltura - pela certeza da impunidade - estonteante, como se os recursos tecnológicos acessíveis na atualidade fossem reféns (como já o foram) da (má) vontade das grandes organizações/empresas de comunicação de massa. As imagens mostram uma coisa, e elas (as potências, as empresas de mídia e as massas de manobra: "igrejas", "religiosos" e mercenários) justificam a violência, a desproporção de suas "campanhas" contra as populações árabes - palestino(a)s, sírio(a)s, líbio(a)s, iraquiano(a)s, egípcio(a)s, libanese(a)s etc -, sempre deslegitimando os direitos humanos mais comezinhos, como se ser árabe fosse uma ilicitude, uma heresia (para usar um termo do tempo da Inquisição).

"Pax Americana", "policiais do mundo", "globalização", tudo eufemismo, hipocrisia, farsa. Vivemos, mesmo, é o retorno do colonialismo, ou, como bem dizia Brizola, o "neocolonialismo", quando alguém lhe falava em "neoliberalismo". Ou melhor, no dizer do marxismo - mais atual que nunca (só não para comunistas arrependidos e socialistas pierre-cardin) -, estamos vivendo o ápice do imperialismo, sem disfarces. Até antes da articulação do grupo dos BRICS (grupo do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) - a para desespero dos pretensos "senhores da guerra", em cuja mochila carregam o cadáver da infância assassinada com requintes de crueldade -, não havia contraponto capaz de neutralizar ou atrapalhar sua obsessão de "tomar conta" do mundo, bondosos como são...

COM OS DIAS CONTADOS

No entanto, a ganância desmesurada está com os dias contados: a nova superpotência global, a República Popular da China, acaba de pactuar com a Rússia um novo mercado cativo e a adoção de outra moeda que não o nefasto dólar (que lembra o "dolo" com que agem, e o "dolor" - isto é, a dor - causada aos povos saqueados, humilhados, invadidos, explorados, divididos). Eis a verdadeira razão dos sucessivos cercos contra Putin desde a proclamação da autonomia da Crimeia até a precipitada acusação da derrubada do avião da Malásia por opositores ucranianos pró-Rússia antes de qualquer inquérito realizado, dentro da lógica de primeiro julgar e depois investigar, só para "cumprir tabela". Aliás, quem foi capaz de fazer o autoatentado das torres gêmeas do World Trade Center de Nova Iorque, em setembro de 2001, é capaz de tudo.

Contudo, a História é imponderável, como a Vida: ainda que os falsos "cowboys" à "Indiana Jones", de maxilar proeminente, músculos acentuados e neurônios atrofiados, tentarem - tentarem, pois não conseguirão - acabar com a cultura e a soberania (e até fisicamente) dos povos árabes, africanos, asiáticos e latinoamericanos (obviamente, daqueles que não rezam a sua "cartilha"), por meio de todos os artifícios possíveis e imagináveis, as suas nefastas ações se voltarão contra eles, inexoravelmente. No dizer de dois baluartes da música popular latinoamericana, Pablo Milanés e Chico Buarque, na emblemática "Canção pela unidade latinoamericana": "A História é um carro alegre, cheio de um povo contente, que atropela indiferente, todo aquele que a negue."

A PAZ MUNDIAL COMEÇA NA PALESTINA!

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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