O Brasil entre o fim da ordem liberal e a nova expansão eurasiana

O Brasil entre o fim da ordem liberal e a nova expansão eurasiana

As eleições de outubro e a volta do protagonismo brasileiro no cenário mundial à partir dos BRICS

A chegada da 2° Frota

"Nossa Estratégia de Defesa Nacional deixa claro que estamos de volta a uma era de competição entre grandes potências à medida que o ambiente de segurança continua se tornando mais desafiador e complexo", alerta o almirante John Richardson, Comandante de Operações Navais dos EUA em comunicado à imprensa em maio de 2018.

Nesse comunicado, Richardson referia-se ao restabelecimento da 2 ° Frota Naval Americana, responsável pelo patrulhamento do Atlântico Norte.

Recentemente, a frota baseada em Norfolk, no Estado da Virginia, entrou em operação com o objetivo declarado, segundo Richardson, de que: "exercerá autoridades operacionais e administrativas sobre navios, aeronaves e forças de desembarque atribuídos na costa leste e norte do Oceano Atlântico".

Na prática uma unidade de guerra de manobra oceânica em larga escala no Atlântico, e que provavelmente substituirá- por sua grandeza e escala- a 4° Frota Naval do Comando Sul, incumbida desde seu restabelecimento em 2008 do patrulhamento dos mares da América do Sul e Central.

A justificativa óbvia para a reativação da 2° Frota segue o script da Nova Estratégia de Segurança Nacional Americana, ou seja, a suposta ameaça russa e sua agenda revisionista em parceria com a nova suposta ameaça: a China.

O sinal de alerta à velha mas revigorada paranoia foi dado por autoridades da OTAN, que alegam que a Rússia aumentou substancialmente suas patrulhas navais no mar Báltico, Atlântico Norte e Ártico.

No entanto, curiosamente, entre 31 de julho e 01 de agosto de 2018, o alto comando da marinha brasileira recebeu na Escola de Guerra Naval do Rio de janeiro a ilustre visita do almirante Richardson, que teve a oportunidade de proferir palestra sobre a Nova Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos, e em seu discurso pôde reafirmar os laços estratégicos de vassalagem de décadas entre os dois países. Laços estes que de tão estreitos, e diante de qualquer mal entendido, poderiam, segundo o almirante, se resolver com um simples telefonema de Washington.

"Isso torna as operações combinadas rápidas, ágeis e responsivas muito mais fáceis, porque você pode pegar o telefone e ligar para seu amigo. Há um laço de confiança que existe há décadas", alegou o almirante.

Desde quando ficou claro que a resiliente popularidade do ex-presidente Lula da Silva só aumentava -mesmo depois de sua prisão arbitrária- e as candidaturas do campo da esquerda começaram a demonstrar grande potencial,ascendeu-se uma luz amarela no difuso alto comando do consórcio que instalou o atual regime.

O Brasil aparentemente poderia estar sob observação.

O cenário mundial pós Guerra Fria

Depois de todo o processo de guerra híbrida e posterior terapia do choque implementada neste grande laboratório geopolítico da ordem pós liberal conhecido como Brasil, as eleições que se aproximavam demonstrariam um crescimento substancial das candidaturas que representam a volta do Brasil a um caminho de ascensão a sua nova condição de ator global em busca de projeção de poder e liderança em um sistema mundial cada vez mais competitivo e hostil.

Desde o fim da guerra fria em 1991 e a destruição de uma das duas potências hegemônicas, a potência vitoriosa se viu num vácuo onde não mais existia um equilíbrio de poder que fosse capaz de conter qualquer tentação de arbítrio econômico ou militar por parte desta potência remanescente.

Pela primeira vez na história, o sistema mundial se via diante de uma Nova Ordem sem que os países protagonistas se reunissem para estabelecer as regras ou normas que a definissem assim como haviam feito em momentos similares da história, quais sejam: Westfália em 1648, Viena em 1815, Versailles em 1918, ou Yalta/Potsdam/São Francisco em 1945.

Desde então, portanto, os Estados Unidos passam a exercer seu poder de maneira cada vez mais unilateral e belicista.

Neste contexto, o bombardeio do Iraque em 1991, como um prenúncio vem a abrir os trabalhos, e aquela que até então se comportava como uma potência hegemônica que respeitava os acordos internacionais estabelecidos pós 1945, se assume gradativamente no papel de um ator global com projeto imperial explícito.

Isso fica claro quando percebemos que mesmo durante o período de Bill Clinton- que retoricamente pregava uma liderança americana benevolente- os Estados Unidos desencadearam 48 intervenções militares( o que ultrapassa em muito as 16 intervenções ocorridas durante toda a guerra fria), e nos anos subsequentes até 2002, seguiu estendendo sua presença militar pelo mundo. Hoje os Estados Unidos possuem 883 bases militares espalhadas por 183 países de todos os continentes.

Diante disso, não seria exagero sustentar que hoje os Estados Unidos, se já não são, caminham por escolha estratégica própria a se tornar um império mundial.

O cenário atual e a nova estratégia americana

A projeção internacional do Brasil ocorrida durante a primeira década do século XXI (juntamente com outros países emergentes) antecipou o que se espera ser o futuro do sistema mundial e sua disputa por espaço e poder entre grandes países continentais.

Essa projeção colocou o Brasil- pela primeira vez em sua história- no caleidoscópio central do sistema mundial, o que notadamente contribuiu para o fato de o país ter sido alvo de um processo sofisticadíssimo de desestabilização que incluiu atores externos e internos.

Isso se explica, pois o Brasil, como todo país que ascende dentro do sistema internacional, buscou usar seu poder e influência para questionar os pilares da ordem internacional já estabelecida pelos atores de sempre, e para isso ,procurou acertadamente construir alianças com outras potências em ascensão, tendo sido o acordo dos BRICS o mais longínquo e pretensioso espaço de expansão e projeção de poder alçado pelo Brasil sem precedente em toda sua história.

Portanto, e voltando ao início dos anos 90, dentro da nova lógica imperial americana pós guerra fria,pôs -se em prática a política externa de contenção ativa de qualquer ator regional que ousasse protagonismo em sua própria região ou mesmo aspirasse emergir como potência no cenário global (Pôde-se constatar claramente essa nova e agressiva linguagem no discurso do presidente George Bush pai ao Congresso americano em agosto de 1990).

E notadamente, o que veio a ocorrer no cenário político e econômico brasileiro à partir de 2013 guarda total relação com isso.

Quando recordamos hoje o que foi o colapso da União Soviética, já é quase um consenso entre os analistas geopolíticos, que ali foram testados, e com sucesso, as pioneiras práticas de desestabilização que convencionou-se chamar de guerra de quarta geração ou guerra híbrida.

Depois de destruída a economia, o esgarçamento do tecido social se aprofundou pela receita catastrófica implementada à partir da terapia do choque imposta sob a desculpa de que a única saída seria a completa abertura da economia com reformas de livre mercado que levaram a Rússia a perder o controle de seus recursos naturais ( retomados pela administração Putin anos depois), e derrubaram o PIB do país a um patamar abismal de 83%, enquanto os investimentos colapsaram em torno de 92% entre 1991 e 1997.

Nada que não guarde semelhanças ao que vem sendo tentado implementar no Brasil desde que assumiu o atual presidente Michel Temer após o golpe parlamentar de 2016.

A nova estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos, decretada em 18 de dezembro de 2017 pelo presidente Trump, portanto,como um escancaramento ou explicitação do projeto imperial que vem se aprofundando paulatinamente desde o fim da guerra fria, tem como eixo central o fato de que os interesses nacionais dos Estados Unidos se colocam à partir de agora acima de qualquer ética ou valor universal que possa estabelecer uma convivência internacional minimamente pacífica, abrindo mão portanto do papel exercido durante o século XX como garantidor ou tutelador da ordem mundial liberal por eles mesmos criada, e que vigia desde a vitória na 2° guerra mundial.

Sorrateiramente,portanto, a última grande potência da terra anuncia que sob os escombros do século XX dormirá o que restou de sua hegemonia global benevolente, e que agora, se assumirá, sem nenhum limite ético que a possa conter, em autêntico império militar de cunho expansionista, e qualquer país da periferia do sistema mundial que se atreva a tentar projetar-se para além de suas fronteiras, e principalmente, se aproxime dos principais inimigos e concorrentes dos Estados Unidos( literalmente apontados no texto da nova estratégia de defesa americana: Rússia e China), sofrerá retaliações e será alvo da política externa de contenção de atores regionais que hoje se vale cada vez mais intensamente dos mecanismos sutis de guerra híbrida para levar a cabo mudanças suaves de regime( como no caso do impeachment da presidente do Brasil Dilma Rousseff em 2016).

A nova corrida imperialista e o papel do Brasil no projeto eurasiático

Estamos às vésperas de decidir quem será o próximo presidente do Brasil, e o que se revelou na virada do primeiro para o segundo turno da corrida eleitoral foi o uso do WhatsApp como instrumento quase clandestino para o envio de milhões de notícias falsas que viriam a quase eleger o candidato de extrema - direita Jair Bolsonaro já no primeiro turno.

A guerra híbrida contra o Brasil chega portanto a sua fase mais suja quando vemos o mesmo instrumento que levou os eleitores britânicos a aderir à aventura do Brexit, sendo usado para insuflar a sociedade brasileira a aderir a uma aventura fascista lastreada no medo e na violência.

O que está em jogo neste momento, do ponto de vista geopolítico, é de que lado do tabuleiro desta ordem pós liberal que se inicia penderá o Brasil.

As investidas das potências tradicionais ao território africano, bem como a entrada de Rússia e China ( que construiu sua primeira base militar fora de suas fronteiras, localizada no Djibuti), sinaliza de maneira clara uma nova corrida imperialista que se descortina diante da crescente escassez dos recursos naturais e a busca por garantias a segurança energética e alimentar.

Diante deste cenário, a América Latina, e em particular o Brasil, se veêm em meio a algo similar ao ocorrido no período final do século XIX; início do século XX.

Detentor de uma das maiores descobertas petrolíferas dos últimos anos, o Brasil ( juntamente com Canadá e Venezuela), como uma das últimas fronteiras energéticas de um mundo de recursos absolutamente escassos, amanhece bem no olho do furacão do dramático momento em que o sistema mundial caminha a passos largos para um choque de demanda por estes recursos e diante de potências cada vez mais hostis e ansiosas por detê-los.

A posição estratégica do Brasil como grande exportador de alimentos e possuidor de recursos hídricos e de imensa biodiversidade florestal, desafiam o país a projetar-se soberanamente, e portanto, de acordo com seu próprio interesse nacional.

Com 40% da população mundial, os BRICS representam uma oportunidade de ouro para o Brasil não só como forma de projeção externa pura e simplesmente, mas como parceria estratégica ( em potencial combinado de poder) que permita blindar esta projeção dos ataques que certamente ainda virão da potência hegemônica, que vendo-se ameaçada em sua expansão permanente de seu império militar , certamente não tolerará qualquer movimento autônomo de um país localizado em sua periferia próxima.

Neste vácuo de poder que se apresenta diante da quebra de todas as regras básicas da ordem internacional estabelecidas no pós guerra por parte dos Estados Unidos, e que se aprofunda na administração Trump, apressam a tomada de decisão por parte do Brasil no que diz respeito aos ventos de mudança e oportunidade que a nova expansão eurasiana colocam a frente.

Passando pelo acordo energético de construção do gasoduto Nord Stream II, entre Alemanha e Rússia, que passa pelo mar Báltico e reaviva a "memorável aliança" em desafio ao histórico "cordão sanitário" desenhado pela lógica geopolítica britânica e incorporada à americana, ao mega projeto de transformação do porto de Veneza, e consequentemente da Itália, num verdadeiro key hub da crescente integração comercial entre União Européia e Ásia, cabe ao Brasil encontrar o seu lugar histórico neste processo tendo em vista a relação de confiança mútua estabelecida entre os parceiros dos BRICS, e o que isso pode representar positivamente na inserção internacional dos nossos interesses estratégicos.

Hoje o Brasil é claramente um parceiro estratégico do projeto eurasiático; tendo sido beneficiário direto de quase 54 bilhões de dólares só em investimentos chineses desde 2003, e visto pela própria China como potencial fornecedor preferencial de produtos agrícolas para os próximos anos. Cabe ao Brasil aproveitar essa posição estratégica para impulsionar seus próprios interesses estratégicos nacionais no sentido de expandir seu parque industrial e tecnológico.

Domingo, 28 de outubro de 2018, o Brasil tem um encontro marcado consigo mesmo.

Que a sabedoria popular perceba em tempo, e dê uma resposta contundente a a ameaça que a aventura Bolsonaro representa, e que o destino de uma grande nação que conseguiu com muito esforço subir muitos degraus na hierarquia do sistema mundial, não seja selado por nenhum tipo de intimidação ou frota naval que nos submeta à vontade dos antigos donos do poder global.

Fábio Reis Vianna

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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