Independência de Montenegro

No plebiscito realizado semana passada, a população da república de Montenegro decidiu, com pouco mais de 55% dos votos, a favor da independência de sua região em relação à Sérvia. Isto marca o fim definitivo da Iugoslávia: agora todas as repúblicas que a compunham estarão separadas e independendentes.

 A imprensa da América do Sul, em geral, deu pouca atenção a este fato. Mas, na verdade, é muito importante, porque é um dos exemplos mais gritantes da psicopatia coletiva que tomou conta dos povos da antiga Iugoslávia e de algumas partes da URSS: esta aspiração irracional, obscurantista e nociva de buscar ser independente, separado dos outros povos, como se o simples fato de estar integrado em um estado maior significasse a servidão.

Tito, na Iugoslávia, e Lenin, na União Soviética, haviam mostrado que povos com línguas, religiões e culturas completamente distintas podem viver harmoniosamente em um mesmo estado, mantendo uma considerável autonomia regional e suas características nacionais. E não só isso: que podem viver em paz entre si, mesmo que antes eles tenham tido longas tradições de disputas e guerras, como em algumas regiões da URSS (o Cáucaso, principalmente) e a Iugoslávia inteira.

Quando um povo é oprimido por outro, ou seja, seus direitos são violados e passa por um processo de aculturação, é justo e natural que ele lute contra a potência que o domina. Era o que faziam, por exemplo, os bascos na Espanha franquista. Mas quando nunca existiu esta situação, ou quando ela desaparece, tal luta simplesmente não tem sentido: assim, depois da democratização da Espanha, a luta armada dos bascos perdeu toda razão de ser, agora que o estado espanhol não impõe nenhuma restrição à língua basca, e lhe garantiu uma grande autonomia regional.

 A psicopatia nacionalista de alguns países da URSS e da Iugoslávia não pode ser explicada pela opressão ou pela aculturação: ambos estados garantiam direitos iguais a todos os povos, e se esforçaram para que cada um deles, por menores que fossem, pudesse manter sua cultura. Em toda a Europa, a maioria dos pequenos povos desapareceu: ninguém mais fala prussiano na Alemanha, pouquíssimos falam bretão ou provençal na França, assim como são raros os falantes de dialetos na Itália, e cada vez menos irlandeses e escoceses usam seus idiomas próprios. As únicas regiões da Europa onde povos pequenos, muitas vezes minúsculos, conseguiram manter plenamente sua identidade nacional e línguas, foram a URSS e a Iugoslávia, exatamente porque estes países incentivavam sua conservação. Na verdade, são dois os fatores que causaram o nacionalismo e separatismo nessas regiões nos últimos 15 anos: o primeiro é a sede de poder de oligarquias locais, que podem agir mais irrestritamente se não estiverem submetidos a um poder superior; o segundo é a influência dos Estados Unidos e da União Européia, que aplicam o antiqüíssimo aforismo das relações exteriores "divide et impera".

É mais fácil exercer influência política e econômica sobre vários países pequenos, que sobre um grande e poderoso. Por isso os EUA e a UE tiveram um papel ativo, até militar (através da OTAN), no desmembramento da Iugoslávia, apóiam regimes abertamente nazistas na Letônia e na Estônia, e dão asilo a reconhecidos terroristas tchetchenos (apesar do fim da URSS, a Rússia ainda é um país imenso e poderoso. Desmembrar a Federação Russa é sem dúvida um fim almejado pelos norte-americanos e muitos países europeus). A independência de Montenegro é apenas a mais recente e, no momento, a mais explicitamente absurda manifestação desta doença terrível, o nacionalismo exacerbado e o separatismo.

Algumas perguntas que parece que até agora ninguém fez publicamente: tem algum sentido que um povo, cuja língua, religião, costumes e origens históricas são as mesmas que as dos sérvios, seja independente? É racional que um território com 620 mil habitantes seja um estado soberano? O Uruguai é, para os padrões modernos, um país minúsculo; mas conta com mais de 3 milhões de habitantes. É viável um "estado" com pouco mais de 600 mil pessoas, ou seja, do tamanho de uma cidade de tamanho médio?

 A independência de Montenegro, por legítima que tenha sido do ponto de vista eleitoral, revela descaradamente até que ponto pode chegar o delírio separatista. O plebiscito que decidiu pela independência não significou a vitória da auto-determinação de um povo; foi um recuo imenso, de vários séculos, em direção ao obscurantismo, ao nacionalismo grosseiro e ao tribalismo. A população montenegrina não ganha nada; os únicos beneficiados são a OTAN e os EUA.

Carlo Moiana

Pravda.ru

Buenos Aires

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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