Os cubanos e o aniversário de Fidel

Fausto Wolff

Dia 13 deste mês Fidel fez 82 anos. Recebeu milhões de mensagens do mundo inteiro desejando-lhe longa vida. Foram inúmeras as festas populares, de Havana ao mais distante sítio. No Brasil, a data teria passado em branco, não fossem os comunistas e socialistas - não os procure nem no PMDB, nem no PSB, nem no PDS e, infelizmente, nem no PDT, que, com a morte de Brizola, não pensou duas vezes em alojar-se nas asas mornas do poder.


O Brasil sempre manteve boas relações com todos os ditadores latino-americanos patrocinados pelo Pentágono: dos argentinos aos uruguaios e destes aos chilenos, salvadorenhos, nicaragüenses e os demais etecéteras manchados de sangue. No Brasil, a valente TV Globo, inventora de Collor, inventora do computador apaixonado que tentou tirar a vitória de Brizola para passá-la a Moreira Francamente Moreira, entre outros delitos, parece ter uma questão pessoal com a ilha do Caribe.


Crê não ser suficiente o boicote comercial e industrial dos Estados Unidos, que, desde sempre, vêm tentando varrer a Revolução cubana do mapa e, se possível, da História e do tempo. Por que este ódio, que chega a ponto de gerar as mais grosseiras mentiras na tentativa de fazer com que Fidel Castro seja odiado no Brasil, quando sabemos que nas reuniões de líderes mundiais ele é sempre o mais reverenciado?


Mereceu até o respeito do falecido João Paulo II, que disse: "Há milhões e milhões de crianças passando fome e sem escola em todo o mundo. Nenhuma é cubana". O respeito por Fidel não se deve ao fato de ele ter 82 anos. Sempre foi assim. Já o ódio que as Organizações Globo têm por ele só se explica se isso estiver marcado como decisão pétrea nos estatutos da empresa.
Quem herdá-la deverá manter acesa a luta contra Cuba, pelo menos até a morte de Fidel. Trata-se de um ódio antigo, feio, pirracento, quase infantil. Logo nos primeiros meses da Revolução, o jornal O Globo publicava histórias em quadrinhos que apresentavam guerrilheiros de Fidel invadindo palhoças de pobres camponeses, degolando os pais e estuprando as filhas, pondo fogo em tudo em nome da Revolução.


A insensatez chega a tal ponto que, segunda-feira passada, aniversário de Fidel, na sessão das oito do Jornal Nacional, os leitores de teleprompters divulgaram em altíssima velocidade, para não prejudicar os comerciais, que na ilha a data havia passado em brancas nuvens. A exceção teria sido uma pequena festa num grupo escolar do interior, onde crianças decidiram mandar um feliz aniversário e boa saúde ao chefe de Estado.


Qualquer pessoa razoavelmente informada sabe que o Brasil vem passando pelas piores crises de sua História. Nada funciona e o terror está presente na terra, no ar e no mar. Entretanto, o Senado e a Câmara, por vários dias, dedicaram-se a pedir a cabeça de Tarso Genro por este ter despachado dois pugilistas cubanos de volta ao país de origem.


Há centenas de testemunhas de que os moços famosos e bem falantes queriam farrear e - por que não? - teriam aceito a proposta milionária em dólares do empresário turco-alemão para lutar na Europa. Entretanto, assim que ficaram sóbrios e foram descobertos na Região dos Lagos, pediram para voltar a Cuba.


Todos protestaram contra o crime. Depois que o governo permitiu que dois garotos voltassem para casa, como poderíamos dizer que somos uma democracia? O Brasil inteiro sabe que os dois atletas sofrerão torturas inenarráveis, que serão transformados em criaturas sem vontade, metade homem metade animal, que passearão em jaula aberta pelas principais cidades do país para que a população possa cuspir neles.


É claro que há um paradoxo nessa história. Será possível que o mesmo povo cubano que ignorou o aniversário de Fidel pediu a prisão e a morte dos dois pugilistas?


Não creio que os jovens executivos da Globo tenham algo contra Fidel e Cuba. Creio, isto sim, num pacto registrado quando o pessoal do Time & Life deixou a empresa. Os brasileiros podiam fazer o que quisessem, menos amainar a campanha contra o comunismo.


Se eu não fosse o lobo velho que sou (um lobo guará ameaçado de extinção), já teria me convencido, mas é impossível que todos os habitantes de Cuba estejam mentindo quando são educados e gentis com o turista. Da última vez que estive em Cuba deixei o jornal cair no chão.


Imediatamente um menino de seis, sete anos, veio em minha direção e estendeu-me o diário. Disse-me com um sorriso: "Su periódico, compãnero". Não posso acreditar que se o menino não fizesse isso seria preso e torturado, que todo o país é composto de atores que desempenham seus papéis para não serem castigados.


Quanto aos dois senadores do Piauí - Heráclito Fortes, PFL, e Mão Santa, PMDB - que quase sofreram crises cardíacas ao saberem que o governo mandara dois jovens cubanos para a morte, só tenho a dizer o seguinte: vocês dois, que são engraçados, simpáticos e recebem um salário-mínimo por hora, antes de criticar Cuba, voltem seus olhos para as crianças que morrem de fome a cada hora, no Piauí e no Brasil.

Fonte: Ler original em

http://www.novae.inf.br/

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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