Olha lá o que você vai dizer

Olha lá o que você vai dizer

Agora que se comemoram os 100 da Revolução Russa, é bom lembrar que nos primeiros anos do regime comunista da União Soviética, ela se tornou a pátria da liberdade no mundo inteiro. As mais ousadas experiências artísticas, não só eram permitidas, como estimuladas. Os plenos direitos das mulheres, inclusive o acesso ao aborto, se tornaram leis.

O processo de estreitamento democrático veio depois, por razões históricas muito claras, principalmente a sucessão de tentativas, algumas armadas, de destruir o novo regime. Para se defender, ele  foi excluindo todo e qualquer tipo de ação, que na visão dos seus líderes, pudesse por em risco o novo sistema.

Daí, o que devia ser uma ditadura da classe trabalhadora por algum tempo, se transformou numa ditadura permanente de um partido e em seguida de um grupo dentro desse partido, até se chegar à ditadura pessoal de Stalin.

Com isso, qualquer pensamento divergente passou a ser visto como um desvio pequeno burguês na melhor das hipóteses ou de traição, nos casos mais graves.

Essa procura do pensamento único, até aceitável em certas situações de risco eminente, se tornou um empecilho para o desenvolvimento de um sistema de democracia socialista dentro da União Soviética, das chamadas Democracias Populares e por extensão, nos partidos comunistas do Ocidente.

No Partidão, quando alguém pretendia pensar fora da linha justa, se dizia que ele tinha desbundado.

Lembro tudo isso pelas respostas que li no facebook a um comentário meu sobre a aparência delicada da senadora Gleisi Hoffmann, que comparei à boneca Barbie.

- Comentário machista, ouvi imediatamente dessa nova guarda do pensamento politicamente correto.

Quem sabe essa critica seja justa e eu esteja sendo realmente machista?

Em minha defesa, disse que talvez seja influência do cinema americano, que para caracterizar os sentimentos das pessoas - bons ou maus - escolhia caras diferentes.

Não se trata daquela situação grosseira em que os filmes de guerra americanos mostravam índios, negros, japoneses e alemães, no passado, e hoje, os árabes, como agentes do mal, mas algo mais sutil e pessoal.

Quando aparecem num filme as caras de John Malkowich, de Ralph Fiennes ou de um Gary Oldmann, você sabe que boas coisas não estão a caminho. Ao contrário, James Stewart, Brad Pitt, Nicolas Cage e Tom Cruise, estão sempre do lado do bem.

Nas novelas da Globo, esse maniqueísmo é total. Os bons e os maus são apresentados, literalmente de cara, desde os primeiros capítulos.

Os petistas principalmente as mulheres do PT, parecem que hoje tem o monopólio de decidir o que é politicamente correto. O que pode se dizer e o que não se pode.Nada de chamar o Lula de Sapo Barbudo, como fez uma vez o Brizola. Isso só vale para os adversários. O Temer é o Conde Drácula, o Moreira Franco é o Gato Angorá e o Eliseu Padilha é o Quadrilha.

Charges mostrando o Temer com chifres e o rabo do Satanás são comuns nas redes sociais. Aquele famoso bigodinho do Hitler já apareceu no Bolsonaro u ge no Moro.

Eu gosto. Acho engraçado. Eles certamente não gostam. Mas quem manda serem tão reacionários.

Na época da Ditadura, durante algum tempo, uma forma de criticar os generais era ver como o Millor e o Henfil os mostravam no Pasquim.

Hoje todos nós nos divertimos chamando o Gilmar de Beiçola, mas Barbi para a Gleisi, não pode.

Qualquer alusão ao comportamento sexual de  uma pessoa,vira um anátema para quem o faz.

O Lula, possivelmente, não se preocupa nem um pouco com isso.

Em 2006, na sua campanha para o segundo mandato, esteve em Pelotas, onde gravou programas na companhia do ex-prefeito Fernando Marroni.

Na ocasião vazou uma cena, ainda hoje disponível no youtube que mostra o Lula ajeitando a gravata de Marroni, enquanto pergunta a ele

- Pelotas é um grande pólo exportador?

Quando Marroni concorda com um movimento de cabeça, Lula se vira para o lado, zombeteiro e diz

- Exportador de viados.

Claro que era uma brincadeira, mas uma brincadeira machista, mas era o Lula e aí é mais fácil esquecer.

Na minha síntese fica a ideia de que um pouco de tolerância e abertura para certas piadas (sei que na sua essência a piada encerra sempre uma maldade contra alguém) nos ajudará a suportar viver num país em que somos governados pelo Conde Drácula e num Estado comandado por "aquele gringo polenteiro".

Nada pessoal.

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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