Ministro Steinmeier convoca o big business alemão

No discurso de abertura de um Fórum Econômico organizado pelo jornal conservadorSüddeutsche Zeitung, o ministro de Relações Exteriores da Alemanha Frank-Walter Steinmeier convocou empresários e lideranças do empresariado alemão a apoiar o avanço alemão na direção de converter-se em potência mundial.

6/12/2014, Johannes Stern, World Socialist Website - http://www.wsws.org/en/articles/2014/12/06/stei-d06.html

A reunião não aconteceu no Dusseldorf Parkhotel, mas no Hotel Adlon de Berlin. Na plateia não estavam Fritz Thyssen e Gustav Krupp von Bohlen und Halbach, mas o presidente executivo da Thyssen-Krupp, Heinrich Hiesinger e outros pesos pesados atuais do big business alemão. E, claro, o Ministro Frank-Walter Steinmeier, de Relações Exteriores [membro do 'alto tucanato' alemão, o PSDA, Partido da Social Democracia da Alemanha], não é Adolf Hitler.

Mesmo assim, a fala de Steinmeier fez lembrar o discurso de Hitler no Clube Industrial de Dusseldorf, dia 26/1/1932. Como Hitler, que estava a poucos passos de tornar-se o capo(Führer) dos alemães, Steinmeier apelou diretamente essa semana ao big business alemão, para que apoiasse o avanço da Alemanha rumo à posição de potência mundial. Explicitamente convocou o big business a apoiá-lo na direção de uma política exterior militarista, contrária ao que deseja o povo alemão.

O programa de Steinmeier faz lembrar muito a ânsia por poder ilimitado para a Alemanha que se acreditava que já fosse coisa do passado. "A Alemanha deve conduzir a Europa a conduzir o mundo". Deve "europeizar a Rússia". E deve "multilateralizar os EUA" - exigiu Steinmeier, citando um ensaio que permaneceu publicado durante meses no website do Ministério de Relações Exteriores da Alemanha. E acrescentou: "Nada de pensar pequeno!" 

É impossível não ver as implicações desse discurso. A volta da Alemanha a esse tipo de política exterior agressiva acompanha exatamente as mesmas linhas do que se viu na primeira metade do século 20. As elites alemãs voltam a ver como 'missão' delas dominar a Europa, para tornar-se potência mundial. E hoje, como antes, esse programa do imperialismo alemão implica confronto contra a Rússia e contra os EUA.

"Europeizar a Rússia" significa nada menos que subordinar a Rússia a uma Europa controlada pela Alemanha. "Multilateralizar os EUA" significa contestar os EUA como hegemon mundial. Em outras palavras, a política exterior da Alemanha vai-se desenvolver no futuro cada vez mais crescentemente em oposição às duas potências contra as quais o país já guerreou duas guerras mundiais.

Depois dos crimes do regime nazista, as elites alemãs voltam, pelo menos por hora, ainda tentando apresentar um terceiro programa para "assumir o poder mundial", como se algum poder vindo do exterior estivesse sendo imposto aos alemães. Todos os dias, protestou Steinmeier no Hotel Adlon, "a expectativa de maior envolvimento que a Alemanha vive, encontra a oposição de nossos parceiros no exterior". Na sequência, convocou "um grande grupo de especialistas em questões internacionais", para que formulasse "as expectativas da política externa alemã".

Das várias respostas que recebeu, Steinmeier destacou uma, intitulada "Destino da Alemanha: conduzir a Europa a conduzir o mundo". Nasceu na pena do professor indiano Kishore Mahbubani, da Universidade Nacional de Cingapura, país de partido único.

Das principais demandas de Mahbubani, Steinmeier disse, em tom rude: "E sabem quem disse isso? Não é francês, não é norte-americano. Quem disse isso para nós foi um professor indiano." 

O discurso de Steinmeier é notável não só porque volta a falar da Alemanha 'líder do mundo'. O discurso manifesta também, abertamente, um programa imperialista. No centro dele, estava a conclusão de que num mundo cada vez mais crescentemente dominado por conflitos nacionais, os interesses globais da Alemanha já não podem ser buscados por meios exclusivamente econômicos: a busca exige também política externa e força militar.

Na abertura de sua fala, Steinmeier disse que não acontecia por acaso que, "no final desse turbulento ano de 2014", ali estava ele, inaugurando um congresso de empresários, com "discurso assumidamente sobre política exterior". Em toda sua "biografia política" - disse Steinmeier -, "não me lembro de qualquer outro momento em que número tão alto de crises internacionais, em tantos pontos do mundo, de tantos e tão diferentes tipos, nos assaltassem simultaneamente, como hoje." 

O ministro de Relações Exteriores da Alemanha pintou quadro da situação global que faz lembrar fortemente o mundo de antes da 2ª Guerra Mundial. Mundo no qual prevalece "a luta por mais influência e mais dominação", "crise é o novo estado de normalidade", claras "rachaduras e divisões" nos aguardam e "há espanto ante as diferenças entre estados, povos e culturas". Mesmo "no contato com nossos parceiros mais próximos, especialmente os EUA", o "debate público é dominado por diferenças e oposições, sem qualquer referência a pontos comuns a todos." 

Economicamente, vê-se uma "volta a fronteiras nacionais fortificadas", desde a crise financeira e econômica de 2008. Esse desenvolvimento é desafio tanto para a política econômica como para a política externa, sobretudo para a Alemanha - disse o ministro. A "recessão da globalização" ameaçada pela "economia orientada para a exportação", enquanto "o auge das contradições" torna fracas e inservíveis "as ferramentas dos diplomatas." 

Disso tudo Steinmeier concluiu que é do interesse do big business alemão apoiar uma política externa mais agressiva, ainda que, no curto prazo, implique desvantagens econômicas.

O "primeiro passo para a recuperação" tem de vir da "consciência dos que já perceberam que nós, alemães, não temos como nos manter alheios à crise da ordem global! Onde consigamos fazê-lo, nós - políticos e líderes empresariais - temos de arrancar nós mesmos, os alemães, do pensamento insular e das nossas ilhas de conforto e apatia!" Os que reconheçam essa urgência imediata, que "deem também o passo seguinte: como o país mais fortemente conectado em rede, nós dependemos de uma ordem mundial pacífica e sob o império da lei. Temos também de trabalhar a favor disso! Não só na Europa, mas em todo o planeta (...)."

Steinmeier insistiu, ante os representantes do big business que o crescimento da Alemanha na direção de tornar-se potência global não pode ser bem-sucedido só através de meios comerciais pacíficos: "A globalização econômica, só ela, não assegura qualquer convergência política (...). Mais BMWs nas ruas de Moscou e mais fábricas da Volkswagen em áreas metropolitanas da China não levam necessariamente a maior espaço político de convergências." 

Os empresários, pois, devem, sim, se engajar nas sanções que o ocidente está impondo à Rússia. "Mediante a anexação da Crimeia [atenção: o ministro alemão mente. Não houve 'anexação', em nenhum sentido da palavra. A população da Crimeia votou, em plebiscito, e aprovou, por maioria gigante, a reintegração da Crimeia à Federação Russa (NTs)] e suas ações no leste da Ucrânia, a Rússia violentou a "lei internacional e pôs em perigo a ordem mundial sob o império da lei" e assim "violentou os pilares de nossa segurança e de nosso bem-estar". As potências ocidentais reagiram com sanções "que também têm alto preço econômico que nós mesmos temos de pagar". O "preço de deixar a Europa sob ameaça permanente é contudo muito superior" e as sanções, portanto, obram a favor dos interesses das empresas e dos empresários" - na avaliação de Steinmeier.

Ao mesmo tempo, o ministro alemão disse que o objetivo das sanções não deve ser "subjugar economicamente a Rússia". É perigoso demais. "Uma Rússia desestabilizada ou mesmo já em colapso é risco muito maior para os próprios empresários e outros. Mas [conversas contra as sanções] causam grave dano à segurança da Europa." 

Steinmeier acrescentou: "Os que dizem "vamos acabar com os russos" podem talvez até receber aplausos em algumas áreas, mas a verdade é que jamais acabaremos com eles. Ainda recordo, no início da crise da Ucrânia, quando o ministro de Relações do Canadá disse numa reunião: "Agora temos de decidir se a Rússia é amigo ou inimigo, parceiro ou opositor". E eu disse a ele: "No Canadá, vocês talvez possam pôr a questão nesses termos. Para a Europa, a Rússia sempre será vizinho gigante, e sempre terá influência, positiva ou negativa, no nosso desenvolvimento." 

Foi golpe direto no plexo solar dos EUA. Steinmeier disse "Canadá", mas criticou de fato Washington, que tem tomado as posições mais agressivas no conflito com a Rússia. Como seu vizinho imperialista subalterno, o Canadá apoia a política externa dos EUA, que está preparada para enfrentar, até, confronto militar direto com a Rússia, para derrubar o presidente Putin e entronizar um 'regime amigo' em Moscou.

A Alemanha quer pôr a Rússia na defensiva, mas não quer o colapso das relações econômicas bilaterais. Ao mesmo tempo, a Alemanha ainda não tem meios para confrontar diretamente os EUA. Mas já começa a perseguir seus interesses imperialistas de modo mais independente e mais 'assumido' em relação a outras potências. Steinmeier não deixou dúvidas de que, como no passado, o futuro também pode incluir uso de força militar e guerra.

Para combater o Estado Islâmico do Iraque e Levante [ing. ISIL], disse ele, "É claro que a solução militar é uma parte das providências, e não fugimos de nossas responsabilidades. No verão, decidimos apoiar a luta e enviamos armas para a guerrilha curda Peshmerga." Embora ainda seja vigente o princípio de "não enviar armas para áreas em conflito", fazer política externa é escolher em várias possibilidades não perfeitas", e "em tais casos, é preciso considerar se estamos defendendo princípios ou nos escondendo  por trás deles."

Todo o discurso de Steinmeier deixa claro que as elites governantes alemãs não querem "esconder-se por trás" de nenhum princípio ou restrição das muitas que lhes foram impostas depois da derrota na 2ª Guerra Mundial. Nesse momento, preparam o novo programa de política externa alemã, que será empurrado goela abaixo do povo alemão.

Na conclusão de sua fala, Steinmeier referiu-se a uma pesquisa feita pela Körber Foundation, que perguntou aos alemães: "a Alemanha deve engajar-se internacionalmente com mais força que antes?" Só 38% responderam "Sim". 60% responderam "Não, por favor, continuem contidos". 

O ministro de Relações Exteriores da Alemanha disse, sobre esses números, o seguinte: "Esse é o golfo que separa as expectativas externas e a prontidão interna, senhoras e senhores. Temos de lidar precisamente com esse golfo. Honestamente, se fosse engenheiro, nunca construiria, de boa consciência, ponte alguma sobre esse golfo. Como político, tenho de construir a tal ponte! E seria motivo de grande felicidade para mim - se eu não estiver errado e esse for também o interesse dos senhores - se os empresários alemães me ajudarem um pouco. Muito obrigado."

Steinmeier está claramente propondo uma aliança entre Estado e grande capital contra a população absolutamente hostil a esse caminho que leva à guerra. Como aliança, combinando os ricos e poderosos contra a maioria, é fortemente antidemocrática. Depois das experiências terríveis de duas guerras mundiais, a oposição à guerra é força de raízes muito profundas, sobretudo na Alemanha. Pois mesmo assim as elites governantes decidiram a favor de uma política de guerra. E passam a trabalhar para impô-la à população.

Ao final do discurso de Steinmeier, ouviram-se fortes aplausos no salão de festas do Hotel Adlon, Berlim. *****

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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