Ameaça nuclear causa pânico no Jardim Botânico

Desde segunda-feira, veículos de imprensa por aqui alardeiam em manchetes e títulos garrafais que a “última ditadura stalinista do mundo” conseguiu desenvolver uma bomba nuclear de verdade, o que “ameaça a paz na região” e “traz de volta o fantasma da guerra atômica”. Está no Jornal Nacional, n'O Globo, e até no Extra – curiosamente, todos veículos de um mesmo conglomerado. Até o “Globinho”, suplemento infantil, traz esta semana uma matéria supostamente educativa sobre o “perigo”, o “temor” e o “pânico” causados pelo fato “no planeta inteiro”.

Entretanto, não é isso que estou vendo pelos outros jornais do mundo afora. De fato, o teste nuclear bem-sucedido da República Popular Democrática da Coréia foi destaque em boa parte da imprensa internacional, porém com outras proporções e seguramente com outro tom. Em geral, publicou-se que a estratégia de Kim Jong-il para garantir a defesa interna de seu regime se fortaleceu mas que, por outro lado, a esperança norte-coreana de endurecer as negociações para retomar os suprimentos de ajuda externa (principalmente comida) foi, de certa forma, frustrada.

O tiro saiu pela culatra porque Europa, Japão e até a vizinha/aliada China, em vez de se assustarem e cederem, responderam na mesma altura. Assim, o que Kim conseguiu foi, na prática, tornar pior para ele a boa vontade da comunidade internacional em enviar comida a preço subsidiado (quando não de graça). Ninguém está falando em invadir a Coréia há pelo menos 50 anos. O que a RPDC quer é alimentar o seu povo.

Mas... pânico? Medo de que caiam novas bombas sobre o Japão? Que um míssil intercontinental atinja o território estadunidense? Que a tão proclamada estabilidade no Leste Asiático seja desfeita por um tirano ensandecido munido de armas de destruição em massa? Que o pesadelo da hecatombe nuclear ressuscitou?! Que vamos todos morrer, aarrgghhh???!!

Não, isso não.

Ninguém tem dúvidas de que Kim Jong-il seja um estadista pouco confiável, um personagem complicado no cenário diplomático e, muitas vezes, caricaturado e ridicularizado. As lendas urbanas de que ele é um aficcionado pelo Patolino e que tem uma videoteca de mais de 15 mil filmes são repetidas várias vezes na imprensa deste lado do mundo – embora menos no Brasil. Mas não é por isso que haveria o risco de um conflito nuclear.

Apelo à paranóia
A bomba atômica da Coréia do Norte, se existe mesmo, é como aquela que o Enéas defendeu para o Brasil, em 1998: é para ser guardada, não para ser usada. É uma carta na manga. E nada garante que o país tenha tecnologia e combustível para produzir mais de uma; quem sabe eles não detonaram a única que tinham? A questão que o William Bonner parece não ter entendido é que a bomba é um fato diplomático, não bélico. A não ser que saia do férreo controle da Idéia Juche, essa bomba não vai estourar em lugar nenhum.

Até esta semana, o único espaço em que a Coréia do Norte representava uma real ameaça global é no (pen)último filme do James Bond. E, a partir de agora, também na Globo. A paranóia levantada pela mídia dos Marinho tem parecido muito mais o velho apelo ao patético para vender jornal e ganhar audiência – sintoma de quem não tem matéria-prima para fazer bom jornalismo.


Pedro Aguiar

Original deste texto: http://www.consciencia.net/2006/1018-coreia_norte.html

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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