Um outro Fórum Social Mundial é possível

Entre os dias 27 de janeiro e 1º de fevereiro aconteceu em Belém do Pará mais uma edição do Fórum Social Mundial, evento anual que teve início em 2001, quando foi inaugurado em Porto Alegre, para se contrapor ao Fórum Econômico Mundial, que acontece também anualmente em Davos, na Suíça, sempre em janeiro.

Edilson Silva

Entre os dias 27 de janeiro e 1º de fevereiro aconteceu em Belém do Pará mais uma edição do Fórum Social Mundial, evento anual que teve início em 2001, quando foi inaugurado em Porto Alegre, para se contrapor ao Fórum Econômico Mundial, que acontece também anualmente em Davos, na Suíça, sempre em janeiro.


Enquanto em Davos reúne-se a nata capitalista para discutir como manter e ampliar os lucros das suas corporações, no Fórum Social Mundial reúnem-se organizações, movimentos e indivíduos de todos os cantos do planeta para debater alternativas à globalização neoliberal.


Em suas nove edições o FSM já viajou o mundo, acontecendo já na Grécia, na Venezuela e de forma descentralizada nos vários continentes. Nesta quase década, a conjuntura política e econômica no planeta se alterou consideravelmente.


O mundo viu os ataques terroristas daquele 11 de setembro de 2001 às torres gêmeas em Nova Iorque servir de senha para a escalada neofascista de George W. Bush, que desencadeou uma heróica resistência do povo iraquiano. Viu a América Latina consolidar importantes governos nacionalistas de esquerda e anti-globalização neoliberal. Viu a ONU, através do IPCC, divulgar seus relatórios comprovando a devastação do planeta e o aquecimento global como subproduto da anarquia capitalista. Viu ainda a derrota política e eleitoral acachapante de Bush, dando lugar ao primeiro negro presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, com uma campanha e um discurso negando a era Bush. Por fim, ainda coube nesta quase década a "queda do muro" do neoliberalismo, com o capitalismo vivendo uma crise econômica de porte semelhante ou superior àquela de 1929.


Nestes poucos anos, portanto, a história vem desenhando um veredicto que atesta que as preocupações e idéias debatidas no FSM estavam e estão corretas, eram e são pertinentes, e que os princípios de Davos são tão reais e verdadeiros como as ações que evaporaram nas bolsas de valores nos últimos meses. É como se o planeta gritasse: um outro mundo é possível, necessário e urgente.


Contudo, a edição amazônica do Fórum Social Mundial não acontece somente com o vento soprando suas velas. Este mesmo vento exige mais ou quase toda a atenção dos "tripulantes" para o leme, para a direção da embarcação, exigindo definições políticas mínimas. E é neste ponto, na conjugação e na soma dos diversos vetores que atuam no FSM, na sistematização de milhares de relatórios de grupos de discussão, oficinas, visões, buscando lhes canalizar para um norte concreto, que está uma das principais, senão a maior contradição do FSM.


Esta contradição fere profundamente a capacidade do FSM em se transformar em um espaço de maior força política, com suas declarações tendo mais relevância junto aos atores que gravitam em torno de posições de esquerda em todo o mundo. Um claro exemplo desta contradição é a relação que os setores silenciosamente hegemônicos do FSM têm com o governo brasileiro.


Não foi por acaso que o FSM nasceu no Brasil, mais especificamente em Porto Alegre, governada pelo PT por quatro gestões. O Brasil é como se fosse a casa do FSM por conta das expectativas que amplos setores ligados à esquerda mundial tinham em torno da construção de uma institucionalidade diferenciada no Brasil, com democracia participativa, com governos centrados nos direitos humanos e, portanto, anti-neoliberais.


As expectativas foram frustradas com a posse de Lula em 2003. Lula transformou-se no amiguinho de Bush, ocupou o Haiti, liberou os transgênicos, privatizou a Amazônia, está transpondo as águas do Rio São Francisco, estancou a luta pela reforma agrária mantendo a MP de FHC que impede novas ocupações, pratica uma política econômica no campo da ortodoxia neoliberal, taxou os aposentados, faz um governo afastado do campo ético, no entanto, este governo não recebe do FSM o mesmo tratamento que fora dispensado a FHC.


Pelo contrário, nada menos que 11 ministros de Lula estavam transitando e participando de eventos pelo Fórum de 2009, inclusive o próprio Lula. É como se esta hegemonia silenciosa tivesse sofrido do mesmo processo de cooptação vivido por movimentos e organizações como a CUT e a UNE, que se sentem e são parte do governo.


É preciso reconhecer que nesta edição parte dos movimentos sociais afastaram-se sensivelmente desta contradição, como a Via Campesina, que reuniu quatro presidentes em um evento e recusou-se a convidar Lula. Mas esta ainda é uma posição minoritária no território político do FSM.


Enquanto estas contradições não forem superadas em maior medida, o FSM não avançará para além de um excelente espaço para discussão e amadurecimento de idéias e socialização de experiências. A se manter com estas contradições, a pequena fama de disneylândia da esquerda ou piquenique mundial anti-globalização tende a se cristalizar. Mas, otimista que sou, continuo participando ativamente e acreditando que um outro Fórum Social Mundial também é possível.


Edílson Silva é presidente do PSOL/PE

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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