A lógica mortal do capitalismo

Tariq Ali

O socialismo está na moda. “Agora todos somos socialistas”, declara o Newsweek. Tal e como o diz a direita, vivemos atualmente nos Estados Unidos Socialistas da Europa. Mas que têm a dizer sobre a crise econômica global aqueles que se definem como socialistas (e seus amigos progressistas)?


A crise que o capitalismo está enfrentando é uma vívida demonstração do insulso subjazente ao atrativo da globalización (aliás, o consenso de Washington) como um mantra para tudo, todas as épocas, todos os países e todos os continentes. O desemprego maciço uma vez mais castiga o capitalismo mundial avançado, do mesmo modo que o fez ao longo dos trinta e quatro ciclos econômicos desde 1854. O plano que oferecem Eherenreich e Fletcher nas condições atuais, sublinham as fraquezas da esquerda em todos os aspectos, com o que se coloca a velha pergunta: que fazer?


Antes de abordar a pergunta, uns pontos de desacordo. Apesar da burla a aqueles da esquerda que, no passado, viram cada descenso como uma oportunidade para proclamar que o fim do capitalismo estava próximo, os autores caem na mesma armadilha. Dessa vez, nos dizem, o “paciente não se levantará da cama”. Não estou de acordo. O capitalismo sempre fez frente às crises, que são parte da lógica mortal de uma economia baseada no sistema de mercado com o apoio do estado. Já falhou muitas vezes, mas se refez, inclusive durante os períodos em que teve que se enfrentar a desafios políticos de envergadura. Não se deve subestimar sua capacidade de se adaptar e sobreviver ainda que o faça, como sempre, às custas da maioria explorada.

Até que não ocorra a emergência de uma alternativa econômica e sociopolítica viável, vislumbrada por uma maioria como tal, não haverá crise final do capitalismo. Para salvar-se a si mesmas, as elites atuais considerarão aquelas propostas à crise que preservam o status quo. A escolha com que se defrontam domesticamente é entre estabelecer um serviço de crédito público e funcionamento bancário orientado a reativar o setor produtivo, ou sustentar um desacreditado, desregulado Wall Street/City de Londres, cujas operações estão baseadas em capital fictício. Os resgates em Nova Iorque e Londres estão desenhados para fazer o segundo. Globalmente, é mais difícil aceitar uma perda de controle atlanticista, mas se a pressão continua crescendo, o bloco do Extremo Oriente pode sugerir um novo repertório de instituições baseadas no controle multilateral e não no controle imperial, liderando o desmantelamento, mas também a renovação.


Que alternativas? Com a entrada depois de 1990 do capitalismo na Rússia, na China, no Vietnã, etc., as redes de comunicação mundiais cacarejaram que o capitalista Cenicenta havia derrotado às irmãs feias, comunismo e socialismo. A mutação foi experimentada pela maioria dos cidadãos menos privilegiados do mundo como um desmoronamento de todas as perspectivas anticapitalistas.


Um novo clima de mudança se desenvolveu lentamente: o Caracaço em 1989, Seattle uma década depois, seguidos pelo nascimento do Fórum Social Mundial para contrapor-se à ideologia de Davos, seguido por uma panóplia de movimentos sociais de massas na América do Sul. O dramático desmoronamento da economia argentina conduziu aos experimentos de autogestão operária, ocupação de fábricas e soviets (conselhos) de distrito em Buenos Aires para discutir um futuro diferente. Na Venezuela, na Bolívia, no Equador e no Paraguai, o desafio dos movimentos sociais à ordem neoliberal produziu governos que representavam uma nova forma de democracia social radical, que busca combinar as empresas do estado, socializadas, as cooperativas e as individuais e privadas de pequeno porte. Esses governos eleitos popularmente romperam o isolamento de Cuba e obtiveram sua ajuda na construção de infra-estruturas sanitárias e educativas que beneficiam a maioria. Se Cuba, por sua parte, aprendeu a importância do pluralismo político de seus novos aliados, os resultados poderiam ser benéficos.


O que sucede na América Latina é importante para os Estados Unidos. O quintal dos fundos foi removido. Grande parte da população hispânica do interior dos Estados Unidos mantém laços com seu passado. O efeito foi quase sempre negativo (por exemplo, entre os cubanos na Flórida, mas aí também o ambiente está mudando). Os movimentos sociais na América do Sul desafiaram a desregulamentação e a privatização mais efetivamente que o trabalho organizado o fez na América do Norte ou na Europa Ocidental. Se fosse adotado nos Estados Unidos, esse modelo poderia formar uma pressão popular para um serviço sanitário nacionalizado, investimento maciço em educação e redução do gasto militar, e contra os resgates para a indústria automobilística e as aerolinhas arruinadas. Deixemo-las cair, de maneira que a infraestrutura do transporte público possa ser construída sobre uma base ecológica sensata e um serviço ferroviário mais eficiente, que sirva às necessidades de todos. Sem ação de baixo não haverá mudança em cima.

Tariq Ali é membro do conselho editorial de SIN PERMISO. Seu último livro publicado é The Duel: Pakistan on the Flight Path of American Power [há tradução castelhana em Alianza Editorial, Madrid,2008: Pakistán en el punto de mira de Estados Unidos: el duelo].


Tradução para www. sinpermiso.info: Daniel Raventós
Tradução para o português: Sergio Granja

Fonte: www.sinpermiso.info

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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