Oriente Médio em 2010

Lejeune Mirhan *

Os que me acompanham neste espaço há quase oito anos sabem que na última coluna do ano tento fazer algumas análises das perspectivas da região que chamamos de Oriente Médio para o ano seguinte. Não são previsões – e nem poderia, pois não sou profeta. São análises, construções de cenários possíveis, tendências. Vamos a elas, nesta que é a coluna de número 376.

Neste Oriente Médio muita coisa acontecerá em 2010

Análise dos países

Faremos aqui uma análise de problemas do que se passou e perspectivas. Além dos sites que pesquiso, dos jornais que leio e dos artigos de domínio público que recebo diariamente em minha caixa postal, tomei como base a revista The Economist de grande competência no jornalismo internacional, que, em nosso país, é editada pela outra competente revista, sob o comando de Mino Carta, a Carta Capital (1).

Israel – As minhas observações são as seguintes:

Governo direitista, beirando ao fascismo, de Benjamin Netanyahu, que tem a esmagadora maioria parlamentar de 74 deputados no Knesset (de um total de 120), incluindo o histórico partido social democrata, o Trabalhista, que vive contradições. Praticamente não tem unidade interna; o PTI esta dividido no apoio ao governo. O maior partido do país, o Kadima, de centro, não quis integrar o governo;

Bibi, como é chamado o primeiro Ministro, faz jogo de cena em relação aos assentamentos judaicos em terras palestinas. Ao mesmo tempo em que acena com a suspensão por 10 meses da expansão das colônias, autoriza construção de centenas de apartamentos na parte árabe de Jerusalém. Judeus ortodoxos resistirão a qualquer congelamento. Chegam a argumentar, com apoio do alto Rabinato, que as leis da Torá valem mais do que as leis civis e o chamado estado de direito;

O governo Bibi deve capitular e aceitar trocar centenas de prisioneiros palestinos do Hamas pelo soldado Shalit que se encontra em poder de guerrilheiros da resistência palestina. Uma derrota para Israel e seu governo, pois um dos argumentos usados no bombardeio à Gaza que completou um ano no último 27/12 era de destruir o Hamas, fato nunca conseguido, nem muito menos enfraquecê-lo enquanto grupo de resistência. Essa possível troca de prisioneiros vem sendo mediada pelo Egito e pela Alemanha;

Piora, a olhos vistos, a imagem de Israel perante a comunidade internacional. Isso decorrente dos massacres de um ano, a resistência em sentar-se à mesa de negociações e ceder aos palestinos nos seus direitos legítimos;

Israel seguirá construindo o seu famigerado e odiado Muro da Vergonha, já condenado pelos tribunais internacionais e pela ONU e parte dele financiado inclusive pelos EUA. Tal muro separa famílias e aldeias palestinas, impede acesso à água e cria ainda mais barreiras para uma solução de paz aceitável para ambas as partes;

Não vejo, para 2010, nenhuma perspectiva de que, com esse governo de Israel, a paz volte a ser discutida. A proposta de dois estados, defendida pela ONU e pelas potências centrais e aceita pelos palestinos, não é aceita por Israel;

Israel continuará ocupando as fazendas do Shebaa no Sul do Líbano, as colinas de Golã, na Síria e não devolverá os territórios ocupados na região da Cisjordânia onde vivem quase meio milhão de colonos judeus sionistas ortodoxos.

Palestina – Tenho as seguintes observações em relação a 2010:

Como disse um dos analistas internacionais a que tive acesso, a situação que vive a Palestina e seu povo é como se estivessem “à beira da explosão”. O sentimento entre palestinos é de imensa frustração com relação á comunidade internacional;

Em recente reunião do Comitê Central da OLP, sob o comando de Mahmoud Abbas, atual presidente da Autoridade Palestina, afirmou que agora “os destinos da Palestinas encontram-se nas mãos da comunidade internacional e dos Estados Unidos”. Nada mais há o que se fazer do lado palestino;

Mahmoud Abbas, conhecido como Abu Mazen, que sucedeu Yasser Arafat desde a sua morte há cinco anos, pertence ao maior grupo político da Palestina, o Fatah, que vive o desgaste de poder, por estar à frente da luta palestina desde pelo menos 1964 quando foi fundado. É uma organização revolucionária de centro-esquerda, nacionalista e patriótica, ainda que não socialista. Abbas tem dito que não concorrerá ás eleições, que deveriam ser em janeiro, mas devem ocorrer em junho sob novas regras eleitorais (Israel não garante a segurança na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental e na Faixa de Gaza o Hamas ainda não decidiu se concorda com as novas regras eleitorais em discussão, que implantará o sistema eleitoral proporcional e não mais o distrital, onde eles vencem). Penso que ele faz um jogo de cena política e acabará aceitando recandidatar-se por falta de nomes alternativos;

Infelizmente, acho que a unidade das lideranças palestinas encontra-se comprometida. Não vejo, em curto prazo, uma unidade política entre Hamas, Jihad, Fatah e a chamada esquerda palestina. Esta por sua vez, dá sinais de que vai se unificar. Já atuam juntas a FDLP, a FPLP e o Partido Comunista, que hoje se chama Partido do Povo Palestino. Esperamos que se unifiquem mesmo;

Infelizmente, ainda em 2010 os palestinos não terão a sua autodeterminação assegurada, a sua soberania, o seu estado nacional, as suas liberdades e direitos de ir e vir. Sou pessimista com relação a esses direitos;

Fala-se cada vez mais em uma nova Intifada Palestina. Como todos sabem, esse é um movimento basicamente de jovens e adolescentes palestinos que atacam os soldados e tanques israelenses, com suas pedras, paus e fundas e completamente desarmados. Israel e seu exército veem-se na obrigação de responder com extrema violência, matando muitos esses jovens e ampliando ainda mais o desgaste da sua imagem na comunidade internacional. Abbas fala que não apoia uma nova Intifada.

Iraque – Aqui as indefinições são maiores. Vamos aos comentários:

Novas eleições devem ocorrer no final de janeiro. A segunda para o parlamento depois da ocupação militar que os EUA implementaram em 2003. Ocorrerão ainda sob ocupação, sem amplas liberdades políticas como conhecemos no Ocidente e no Brasil. Restrições aos partidos mais avançados e de oposição ao governo serviçal aos Estados Unidos ainda são grandes. O

Partido Baath, do ex-presidente Saddam Hussein continua banido da vida pública;

Não se sabe ainda o destino do atual primeiro Ministro, Nur El-Maliki, xiita. Vai tentar, claro, se reeleger, mas isso dependerá de articulações políticas e da coligação xiita que ele participará.

Poderá não ser reeleito;

Sunitas, em sua maioria, que dão combate à ocupação, devem participar em sua maioria, com seus vários partidos que deverão formar coligações de oposição ao atual governo pró-ocidental. Mas, não devem fazer maioria no parlamento. O PC Iraquiano apoia a resistência, tende a somar com a oposição;

A violência, ainda que em níveis bem menores do que na época da ocupação em 2003, deve continuar, ainda mais depois que as tropas americanas deixaram de patrulhar as cidades iraquianas;

A questão central mesmo será a retirada das tropas americanas do país, jogadas para final de 2011, contrariando as promessas de campanhas de Barak Obama. Fala-se em retirar pelo menos 50 mil soldados ainda este ano, a que duvido que isso ocorra. A ideologia da guerra é forte nos Estados Unidos, uma nação guerreira e calcada do espírito de guerra, belicista. Um em cada cinco americanos vive ou depende de guerras ou tem nelas um meio de vida.

Líbano – Nesta ordem de importância, comento agora as questões do Líbano.

Após meses de negociação, depois dos resultados das eleições legislativas de junho passado, com a vitória da coligação governista e pró-ocidental, o governo formado é de unidade nacional. Tentou-se de todas as formas excluir a oposição e particularmente o Hezbolláh, mas não se conseguiu. Said Hariri, líder da maioria, herdeiro de Rafik, ex-primeiro Ministro e seu pai, acabou cedendo.

Os governistas terão 15 ministérios, a oposição 10 e o presidente cristão, que é progressista, Suleiman, nomeará outros cinco. Um bom equilíbrio. Até o aliado governista de Said, Walid Jumblat, do Partido Socialista Progressista, que detém 11 deputados de 128, deixou a coalizão governista em agosto passado;

Diminuem as resistências mesmo entre governistas, das relações com a Síria, país vizinho e sempre aliado e amigo dos libaneses;

O Hezbolláh, mais uma vez, sai como vitorioso. Consegui manter suas milícias, que serão incorporadas oficialmente ás forças regulares e terão direito de portar armas para defender o Líbano dos constantes ataques por parte de Israel, em especial no Sul do país. As restrições ao sistema de comunicação e telecomunicações do grupo, caíram por terra. Até o ministério das Comunicações ficará com um aliado do Partido de Deus (Hezbolláh em árabe e de orientação xiita e com fortes vinculações com a Síria e Irã e grandes aliados e defensores dos palestinos e da sua causa);

O Líbano terá que fazer uma grande escolha, uma histórica escolha. E esse dia esta chegando. Tal qual a Turquia terá um dia terá que fazer também, para saber se fica com a Europa, que não a aceita ou se fica com a Ásia. Os libaneses e sua elite dirigente terá que optar se ficam com os Estados Unidos e Israel ou se se voltam para os árabes e seu povo. Cresce movimento patriótico e nacional entre libaneses, em favor do mundo árabe e de distanciamento do Ocidente;

Interesses poderosos, grandes contratos bilionários de empresas americanas, desde o fim da guerra civil em 1990, fazem com que parte dessa elite libanesa tenha resistência em voltar-se ao mundo árabe. Muitos interesses em jogo, questões que envolvem a geopolítica mundial e regional e interesses financeiros;

Temos que ficar atentos ao julgamento final pelo tribunal superior encarregado do caso do assassinato do ex-primeiro Ministro Rafik Hariri em 2005. É provável que o tribunal aponte seu dedo em riste para a Síria, para elevar a animosidade no país, interrompendo os contatos positivos que tem sido tomados, inclusive por Said Hariri.

Egito – É um dos grandes enigmas da região, como se fosse a esfinge que tem no seu deserto. Meus comentários:

O ditador Mubarak já esta com 81 anos. Rumores dizem que se encontra muito doente. É chamado de “presidente” pela imprensa ocidental, com raras exceções. Vem sendo “reeleito” com mais de 98% dos votos desde 1979, quando sucedeu Anuar El Sadat. É amigo e preferido dos Estados Unidos no cenário geopolítico do mundo árabe, tal qual a Arábia Saudita;

Seguirá reprimindo duramenteos grupos de oposição, em especial a Irmandade Muçulmana, antigo grupo político e assistencial, com base na religião, que vem adquirindo a cada dia mais prestígio e respeito. Aumentou sua fatia no eleitorado e no parlamento, mas não joga papel ainda na disputa pelo poder. Só se candidata no Egito quem o governo aceitar registrar como candidato;

Fala-se, ainda em pequenos círculos, que a discussão sobre a sucessão de Mubarak deve começar a ocorrer em 2010. Ela deve se dar em 2011, em eleições do mesmo estilo que foi até os dias atuais, verdadeiras fraudes e sem liberdade alguma. O “candidato” natural é seu filho Gamal Mubarak;

Lamentavelmente, esse país constroi mais um muro na região. É de aço e vem sendo feito pelo Corpo de Engenheiros dos Estados Unidos na fronteira com a Faixa de Gaza. É lamentável a subserviência aos Estados Unidos e mesmo à Israel. O Egito sistematicamente fecha a sua fronteira com Gaza, impedindo pelo lado Oeste da região, a entrada de comboios internacionais de ajuda humanitária aos palestinos. Isso fez com que estes cavassem túneis para passarem a fronteira – estima-se em mais de 1,5 mil túneis;

Fontes egípcias, que se mantiveram no anonimato, segundo o Al Ahram Weekley do Cairo, disseram que essa decisão do governo é uma clara tentativa de enfraquecer o Hamas e o seu aliado de além fronteira, a Fraternidade Muçulmana. Por isso, sufoca ainda mais os palestinos com relação á ajuda humanitária. Uma situação explosiva na fronteira, que tendo a piorar com os bombardeios da aviação israelense para, supostamente, destruir os túneis palestinos.

Síria – Pequenos comentários.

Segue sendo o país que mais apoia a causa palestina e o que defende a independência e soberania dos países árabes com relação ao Ocidente. Ponto de apoio e referências para patriotas árabes de todos os países;

O governo de Bachar Assad, que sucedeu seu pai na presidência do país, vem sendo habilidoso o suficiente para unir as forças políticas vivas do país, formando um governo de unidade nacional. Até o Partido Comunista participa do governo com dois ministérios;

Registro que todos os grupos de esquerda e de resistências palestina, possuem escritórios políticos de representação na sua capital, Damasco, uma das cidades mais antigas de vida continuada no mundo;

As pressões contra seu governo são imensas. O país é acusado de fomentar o “terrorismo” e encontra-se na lista de países que “apoiam” o terrorismo, elaborada pelo Departamento de Estado dos EUA.

Estado Unidos – Apesar de não fazer parte do OM, teço alguns comentários, pelo papel que desempenha na região.

Uma ampla e generalizada decepção com o governo de Barak Obama. Não retirou tropas do Iraque, cedeu ás pressões do complexo industrial-militar de seu país;

Ampliou tropas no pequenino Afeganistão, de onde acabará saindo derrotado, retirando suas tropas sem ter derrotado as milícias da resistência dos Talibãs. Apoiou a reeleição, por fraude, de seu amigo Ramid Karzai;

Seu indicado para o OM, o experiente ex-senador George Mitchell, que ajudou nas negociações de paz na Irlanda, praticamente ficou desmoralizado na região. Após um giro pelos países mais importantes e ainda que tivesse dado declarações dúbias e polêmicas, a passagem de Hilary Clinton pela região em março passado (alguns a chamam de Hilária...), com declarações desastrosas pró-Israel, as coisas ficaram ainda mais difíceis para a diplomacia estadunidense;

O balanço que se faz é de um completo fracasso na região. O poder da maior potência do planeta continua sendo usado exclusivamente para beneficiar os seus aliados históricos, os judeus e sionistas que governam Israel desde 1948;

Não consegue e não conseguirá parar os assentamentos, as colonizações nas terras palestinas. Adota uma retórica dúbia. Uma fraseologia de aparência, mas na prática, nada faz;

Não esta conseguindo e temos dúvidas se conseguirá, forçar uma volta á mesa de negociação da paz. Não tem força – talvez por não querer – para exigir que Netanyahu ceda aos palestinos nas questões da paz em troca de terras, como defende a ONU e os países centrais;

Não há hoje mediação, negociação, interlocução. O sentimento é de desmoralização do governo e de sua diplomacia. O discurso do Cairo em julho, num aceno aos muçulmanos não causou quase nenhum impacto na região. Na prática, as coisas ficaram como estavam. Sem nenhum avanço. Não vejo como isso se altere em 2010;

Prova da subserviência de Obama à Israel, foi a sua assinatura no orçamento de segurança nacional dos EUA, que destina à Israel em 2010 exatos U$2,77 bilhões de dólares e aos palestinos míseros 500 milhões. Para 2013, o valor de Israel subirá para U$3,1 bilhões!

Cabe aqui, por final, monitorarmos como caminhará a diplomacia do governo Lula para a região. Até o momento, foi extremamente positiva as suas ações. Dois encontros de cúpula dos países árabes e da América do Sul foram realizados (o de 2005 no Brasil tive a honra de participar). A posição do governo brasileiro é a favor da paz na região, a favor do Estado Palestino, da devolução das suas terras, da retiradas das tropas americanas do Iraque imediatamente. Lula deve fazer uma visita à Israel e à Palestina em março próximo e reafirmar as posições históricas do governo brasileiro a favor da paz.

Enfim, como meus leitores eleitoras podem ver, não estou entre os que estão otimistas com relação a 2010 para a região do Oriente Médio (ao contrário com meu país, o Brasil, cujo otimismo é imenso). Mas, tenho a confiança na capacidade de luta e de organização do povo palestino e árabe em geral, na sua capacidade de organização e de superação das dificuldades políticas e econômicas. A história e a vitória final será desse povo.

(1) Edição Especial O Mundo em 2010 de janeiro e fevereiro de 2010, nº 577 da Carta Capital de 162 páginas.

http://www.patrialatina.com.br/editorias.php?idprog=91e82999cf7e45da1070ebd673690716&cod=5282

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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