Os muros de Berlim

São muitos. Para alguns, primeiro caiu em Budapeste no ano de 1956. Outros o viram derruir na invasão de Praga, em 68. E há quem o aponte na cisão entre trotskistas e stalinistas, lá nos anos 20.

Raul Longo

Mas não estaria mal colocada a questão? Cisões, rompimentos, divisões, intolerâncias e imposições desta ou daquela conduta estão mais para muros que se erguem, constroem, levantam... Do que propriamente para pontes, caminhos.

Faz lembrar Franz Kafka no seu magistral A Muralha da China, ironizando o sacrifício de tantas gerações ao longo de 2 milênios e várias dinastias de um império que jamais foi atacado pelo lado onde se construiu o maior monumento do planeta: uma muralha.

Daqueles lados vieram as idéias que entusiasmaram Mao Tse Tung a invadir os muros da Cidade Proibida, centro do mais antigo império da história. Como sempre na história, as coisas mudaram e no Henfil na China antes da Coca-Cola, o cartunista conta como foi considerado ingênuo por temer o imperialismo ianque, pois aos chineses era impossível compreender como não se percebia o grande perigo da União Soviética.

A mesma União Soviética que inspirou Mao e erigiu o Muro de Berlim. A mesma U.R.S.S. que provocou o rompimento com os irmãos Castro, quando Raúl acusou Che de trotskista, levantando um muro entre os companheiros de Sierra Maestra.

Estava certo o Che, pois o desmonte do caminho iniciado enquanto Ministro da Indústria está sendo crucial para aquele povo criminosamente bloqueado pelos Estados Unidos. Por outro lado, também estava certo Fidel em negociar a qualquer preço a defesa de sua ilha, pois entre ficar e correr, melhor mesmo era entrar em entendimento com algum dos bichos que ameaçavam pegar e comer. O puma das pradarias já lhe arreganhara os dentes quando de sua visita ao país, tão logo deposto o tirano Batista, só restando mesmo o abraço do urso das estepes. Afinal, por mais desagradável, um amigo urso que mora longe sempre é menos assustador do que um intratável vizinho felino.

Pobre Cuba! Uma ilha cercada de muralhas por todos os lados!

Mas os receios do Henfil não eram por falta de percepção, como supunham os chineses. Sabíamos bem onde nos ardiam as torturas promovidas pelos governos impostos a golpes de militares financiados por Wall Street, a rua do grande muro capitalista que divide o mundo entre exploradores e explorados.

O Muro de Berlim não conteve a queda da União Soviética e o estado consolidado por Stálin sobre estimados quatro milhões de mortos, veio abaixo. A queda de Wall Street conterá a espoliação dos povos pelo capitalismo?

Quantos milhões morrem anualmente em África, Ásia e América Latina, por Wall Street? Um muro ainda mais extenso e vergonhoso do que o de Berlim foi construído na fronteira dos Estados Unidos e México para conter o desespero da fome e da falta de oportunidades na América Latina. Anualmente morrem mais latino-americanos, brasileiros inclusive, tentando atravessar aquele fronteira, do que o número de vítimas de toda a história do Muro de Berlim.

Em um ano os governos capitalistas aplicaram mais dinheiro nas instituições bancárias que escoram Wall Street, do que em dez destinaram auxílio às populações famintas do mundo. E contabiliza-se mais de uma centena de indígenas peruanos massacrados por Alan Garcia, o aliado à ALCA do liberal Walker Bush.

Na Colômbia, outro sócio narcotraficante alimenta 3 décadas de guerrilha para a latinização de Afro-Ameríndia. Alianças para o progresso do europeísmo nos campos, alimentando desvalorização de mão de obra e marginalização urbana.

O pulo do muro... O arriscar da sorte, e a morte. A cortina da morte.

Entre as instituições financeiras que lastreiam Wall Street, as maiores são de origem hebraica, dirigidas por sionistas que constroem muros para cercar seus parentes semitas: os palestinos. Emparedam palestinos em Gaza e na Cisjordânia, depois invadem o muro que eles próprios construíram. E roubam, humilham e matam.

Quando escondem a cara e choram no Muro das Lamentações, os judeus derrubam lágrimas de arrependimento?

Alguns me contam que sim. Que choram a vergonha dos crimes praticados por seus patrícios, pela covardia a um povo também patrício e outrora pacífico. Mas quanto paga Wall Street? Quanto ganha Wall Street?

O Muro de Berlim caiu em 1989. Vinte anos depois, a crise econômica do liberalismo anti-comunista abala as estruturas de Wall Street.

Apenas abalo? Os experts em capital e futuros apontam a salvação da economia mundial nos BRICs. O devedor, a fracassada, a miserável e a estagnada! Como assim?

Ahmadinejad, do Irã, ameaça varrer Israel do mapa com explosão atômica. Israel tem condições de exterminar todos os palestinos antes de ser atingida por uma segunda explosão atômica, se houver a primeira. Com ou sem explosão atômica a única possibilidade de sobrevivência dos palestinos e solução para suas questões está na solidariedade dos povos e na retirada de apoio internacional ao governo sionista.

A questão de Ahmadinejad ou de Moussavi, que apóiam um único regime teocrático, se difere nas maneiras de apoiar os xiitas na previsível disputa com os sunitas pelo Iraque a ser desocupado pelos Estados Unidos.

Derrubaram os muros milenares de Bagdá porque derrubaram as torres modernas de Nova Iorque. E caem as crianças de fome na África como caíram as crianças de napalm no Vietnã, como caem as crianças de crack no Bronx, como caíram as crianças atômicas de Hiroxima, como caem as crianças nas balas perdidas do Rio de Janeiro e caem as crianças na cidade do México ou nas periferias de São Paulo. Como caiu Jean Charles Menezes em Londres, um quase menino, uma quase criança confundida com um terrorista. Como caem crianças transformadas em terroristas antes de poderem ser crianças. Toda criança é terrorista, assim como todo terrorista foi criança. Inclusive o homem bomba que explode num mundo que se implode.

Crianças que morrem crucificadas nos muros de uma mesma estúpida intolerância, erigidos por uma mesma estúpida e ridícula prepotência.

Erguem-se os muros, definem-se e redefinem-se as tribos! Babujam-se os clãs e os ismos, os silogismos, decoram-se novos neologismos, cacos de terminologias fingindo novidades ideológicas do já sabido, manjado, malhado, sacado! Do tanto que se discute, mas não se entende; se entende, mas não se vivencia. E se desmascara quanto mais se imita, pois quanto mais se imita mais ridícula a realidade que do vazio de si atira ofensas a esmo, ao outro lado de insólitas trincheiras de egos mal construídos. Tíbios muros sem senso e sem crítica, nenhuma autocrítica. Muros que se incapacitam à compreensão, inviabilizando pontes e propostas de caminhos. Vitimam aos que se anunciam defensores, vitaminando os algozes.

Quem é o inimigo?

À esquerda e à direita, como em Tegucigalpa.

À Tegucigalpa, enfim, respondem com ponte, caminho. Não há muros à Tegucigalpa.

Mesmo no acaso de tentativas por entulhos da United Fruit, a Chiquita Brands dos Walker Bush, em recuperar poderes sobre Honduras, El Salvador, Guatemala ou Nicarágua; na resposta continental em uníssono, desde Kirchner e Lula, passando por Correa e Chávez, até Clinton e Obama, OEA e ONU, fende-se a Rua do Muro.

O bric/a/brac! O crash do crack no muro da rua.

Em todas as diversidades e tendências a mesma intolerância ao golpe em Tegucigalpa, autenticando o anacronismo e incoerência de todos os muros.

Darwinistas deduzem que o Homo Erectus se desenvolveu em período diluviano, quando o macaco se obrigou a andar em pé. Quem sabe, enfim, aprendamos quão estúpido é dar com a cara na parede.

Quem sabe, dessa vez, possamos olhar à frente... Além dos muros.

Raul Longo
www.sambaqui.com.br/pousodapoesia

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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