Raul Reyes assassinado

Informações chegadas a PRAVDA.Ru baseadas em fontes oficiais na Colômbia descrevem uma batalha em que 17 guerrilheiros das FARC foram mortos, entre os quais Raul Reyes, (nome de nascimento Luis Edgar Devia) porta-voz para relações externas do movimento progressista colombiana. Estas informações citam o Ministro de Defesa da Colômbia, Juan Manuel Santos , que disse que foram abatidos no lado equatoriano da fronteira.

Acrescentou o Ministro que os corpos foram retirados do local. O Ministro também declarou que houve um bombardeamento aéreo contra um campo de guerrilhas (Frente 48 das FARC) no território do Equador, a 1.800 metros da fronteira.

Rafael Correa, Presidente do Equador, confirmou que tinha sido avisado das intenções das forças militares colombianas.

Raul Reyes foi uma grande figura nas FARC, que liderou as negociações de paz com Presidente Andrés Pestrana entre 1998 e 2002. Sempre esteve à procura de uma solução política e negociada, como se pode confirmar pela entrevista que incluímos abaixo.

Raul Reyes foi das primeiras figuras internacionais a abraçar o projecto da PRAVDA.Ru em português, mesmo quando ainda eramos pouco conhecidos, no lançamento do projecto em 2002. Morreu sabendo que tinha razão, porque lutava para uma causa social e política, que procurava a paz e uma solução negociada ao conflito mas que não iria deitar fora os esforços feitos ao longo de décadas, de construir uma sociedade progressiva na Colômbia, por se render.

Raul Reyes e seus companheiros morreram como heróis. A luta continua, a causa continua, seus sonhos e projectos continuam e o seu desaparecimento será apenas físico e nunca em vão.

Timothy BANCROFT-HINCHEY

PRAVDA.Ru

Entrevista exclusiva com Raul Reyes (Abril de 2005)

01. Senhor Comandante, apresentamos-lhe a saudação do Portal Pravda em português.

R/ Em nome dos Comandantes e Combatentes de nossa organização revolucionária, agradeço a saudação que nos enviam. Da mesma maneira, saudamos a Direção do Portal Pravda em Português, seus colaboradores, leitoras e leitores. Com certeza os povos de língua portuguesa estão de parabéns. Recebam, pois, amigos desse Portal nossas felicitações por tão importante trabalho jornalístico.

02. A muitas pessoas no mundo, os grandes meios de comunicação têm-lhe formado uma opinião negativa sobre as FARC-EP por meio da difusão permanente de meias verdades, mentiras e calúnias. É importante que você explique esta situação e exponha algumas verdades.

R/ A campanha midiática, cuja origem está nos sucessivos governos dos Estados Unidos da América do Norte, não é somente contra nós, e sim contra todas e todos aqueles que promovam, por qualquer meio ou mediante qualquer forma de luta, a conscientização de nossos povos que precisam conhecer sua verdadeira História, a situação atual (o presente) e também o que estamos chamados a ser (o futuro).

A consciência e o compromisso político de transformar a realidade latino-americana são determinantes para o processo de libertação que está tomando novos ares em nossa Grande Pátria América. Por isso trabalhar pelo conhecimento de nossa realidade continental, pela integração e pela unidade latino-americana, por nossa identidade de povo formado por uma mestiçagem excepcional, possuidor de costumes, culturas, hábitos, credos, etc. que têm raízes comuns, é uma tarefa fundamental na luta pela Segunda e Definitiva Independência. E como se trata de lutar contra o Império que nos tem dominado de maneira brutal e violenta, é quase óbvio que haja não somente a difusão permanente de meias verdades, mentiras e calúnias, mas também uma política de extermínio contra todos aqueles que lutem por mudanças profundas na América Latina, incluindo, claro está, os revolucionários. Felizmente os povos não engolem isso inteiramente, estão aprendendo a discernir e a identificar de maneira precisa o seu inimigo principal e a levantar-se, primeiro, em luta para construir um destino que lhes possa garantir o maior grau de felicidade possível, como nos ensinou Bolívar e, segundo, em defesa de seus líderes, como no caso venezuelano. Já lhe disse várias verdades, companheiro jornalista.

03. Em termos militares qual é a situação atual, quando têm passado vários anos de aplicação do Plano Colômbia e agora o Plano Patriota, que, pelo que entendo, obedecem àquela cadeia de planos de guerra contra o povo colombiano, montados pelo governo dos Estados Unidos da América do Norte desde meados do século passado.

R/A política imperialista para a América Latina e o Caribe desde meados do século passado possui a característica de ingerência à mão armada, ou seja, a diplomacia da força, da imposição, da chantagem, da perseguição, do terrorismo de Estado e do magnicídio. Tudo isso concebido dentro de planos militares concretos. A razão é muito simples, o Império não tem amigos, tem interesses. Vejamos: “Os países em desenvolvimento com imensas dívidas externas devem pagá-las com terra, com riquezas. Que vendam suas selvas tropicais” (frase dita por George W. Bush, candidato à presidência dos Estados Unidos, durante um debate com Al Gore, Washington, 2000). Outra: “As nações desenvolvidas devem estender o domínio da lei àquilo que é comum a todo o mundo. As companhias ecológicas internacionais que buscam a limitação das soberanias nacionais sobre a região amazônica estão deixando a fase propagandística para dar início à fase operativa, que pode definitivamente ensejar intervenções militares diretas sobre a região” (John Major, primeiro-ministro da Inglaterra, Londres, 1992)”.

Os Estados Unidos conhecem as riquezas que existem neste Continente. Por isso continuam com sua ingerência à mão armada. A oligarquia colombiana ocupa o terceiro ligar no mundo em receber apojo militar dos Estados Unidos. Porém todos os seus planos têm encontrado resistência combativa e firme de nosso povo. Ademais, no meio ambiente político latino-americano o rechaço a essa política imperialista cresce e se consolida. Por isso os Planos Colômbia e Patriota possuem o mesmo destino: seu fracasso.

04. Os grandes meios apresentam cifras consideráveis de guerrilheiros mortos, outros tantos presos e outros mais que se entregam. Passam a sensação de que as perdas são grandes. Que há de correto nessas informações?

R/ Nos confrontos se apresentam baixas. É apenas lógico. Porém, se considerarem certas as cifras oficiais que os grandes meios de comunicação difundem com tanta insistência, praticamente estaremos derrotados. Sem prepotência alguma afirmamos: a realidade é outra. Nossas forças guerrilheiras estão cem por cento, mantêm sua moral em alta, a disposição combativa se enquadra dentro de uma disciplina revolucionária de respeito à população e aos vencidos em combate, pois não fazemos a guerra pela guerra, e sim porque as circunstâncias políticas nos têm levado a enfrentar armas com armas. Vejamos o que foi dito por um articulista do jornal El Tiempo, de Bogotá, que no dia 25 de fevereiro descobriu a água morna. Cito dois apartes de seu texto. Um: “Deixar de pregar que a vitória já se obteve ou está próxima. O adversário, todavia, é muito forte; não tem sido derrotado nem sido debilitado de forma crítica.” Dois: “Na Colômbia, sem uma estratégia pragmática e efetiva de negociação política com a guerrilha, não haverá paz nem segurança duradouras. Há que se reconhecer que um acordo político é a única solução para nosso conflito armado interno”.

Desde que formamos a guerrilha móvel para lutar pelo poder, em 1964, temos dito e repetimos aqui: Sentimo-nos a dialogar as partes enfrentadas para que com vontade e de decisão política possamos dar-lhe a Colômbia uma oportunidade, para iniciar entre todos aqueles que lutam por uma Pátria digna e soberana o feito histórico de abrir-lhe as comportas à Paz com Justiça Social.

05. Que orientação política as FARC-EP dão à população nas regiões onde estão presentes? Que formação política recebe uma jovem ou um jovem que ingressa nesse movimento guerrilheiro? Ademais, se empenham em fazer atividades sociais?

R/ Partimos do princípio de que as FARC são uma organização político-militar. Todas as atividades se realizam com base em planos aprovados em nossas Conferências. Esses planos são executados e posteriormente avaliados. Nossos planos de educação são para preparar os militantes farianos e também os de outras organizações clandestinas que possuímos. Ensina-se a ler e escrever, cursos políticos e militares progressivos e especialidades relacionadas com o manejo de alguns assuntos militares.

A cultura nas FARC é sui generis. Há (mulheres y homens) camponeses, operários, poetas, agrônomos, nutricionistas, contadores, escritores, artistas, pintores, compositores, músicos, advogados, engenheiros em diferentes ramos, teólogos, geólogos, sociólogos, médicos, jornalistas, engenheiros, estudantes de diferentes níveis, o que permite a interação para produzir um tipo de educação teórica e prática, também sui generis.

Explicamos à população as razões pelas quais lutamos com armas nas mãos. Vejamos: a) Há mais de 40 anos o regime político fechou a possibilidade de fazer política que oferece a Constituição à oposição, a quem quer um país melhor e para todos, um país fruto de transformações profundas. b) Todas as propostas e esforços feitos para criar um meio ambiente distinto para fazer política que não seja a confrontação armada, foram banidos pelos sucessivos governos por meio de uma violência brutal: atirando contra suas lideranças e simpatizantes.

Quem não se lembra do genocídio político de milhares de colombianas e colombianos da União Patriótica. c) Hoje somos um povo em armas e nossas bandeiras políticas se encontram em nossa Plataforma para um Governo de Reconciliação e Reconstrução Nacional, pois somos uma alternativa de poder e sabemos que se o povo tiver uma oportunidade construirá uma democracia participativa e solidária que lhe permita o exercício pleno de seus direitos. D) Falamos para o povo sobre a necessidade de se organizar para lutar. Por isso fundamos o Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia e o Partido Comunista Clandestino. Da mesma forma, respaldamos organizações que o próprio povo possui como as Juntas de Ação Comunal.

O estudo é uma norma permanente do Exército do Povo, é algo que se converte em necessidade, a preparação de nossas guerrilheiras e guerrilheiros não tem trégua. Somos estudiosos de nossa Historia, das idéias e da obra do Libertador Simón Bolívar; estudamos o Marxismo-Leninismo, as experiências revolucionárias de outros países, enfim, tudo aquilo que nos contribua para a formação de nossa consciência revolucionária é sempre bem-vindo.

06. Com freqüência vimos fotos de guerrilheiras nos meios de comunicação. Elas participam dos combates?

R/. Na Colômbia a mulher tem sempre se destacado. Desde a resistência indígena em rechaço à forma violenta e desalmada que os espanhóis utilizaram para fazer sua rapinagem, passando pela Primeira Independência e agora está de armas nas mãos na primeira linha de fogo na luta pela Segunda e Definitiva Independência. Sentimo-nos orgulhosos de saber que em nossas fileiras guerrilheiras 35% são mulheres. Elas desempenham outras tarefas como enfermagem, comunicações, atividades relacionadas com a cultura, etc.

07. De que fontes de recursos as FARC dispõem para manter seu Exército Guerrilheiro. Pode nos explicar?

R/ Através de nossos anos de luta temos criado as condições que nos garantem o cumprimento dos planos, até o ponto de já contarmos com uma lei revolucionária sobre a cobrança de impostos, conhecida como Lei 02. Hoje, na Colômbia, o governo faz o pobre pagar mais imposto do que os ricos. Conosco a coisa é o contrário, pois deve ser assim. Ademais, um suporte importante de nossa Organização é o apoio que encontramos nos camponeses, que já nos vêem como seu Exército, entre outras coisas, porque nele estão militando seus filhos e suas filhas. E essa convivência que se dá entre nós e eles é indestrutível. Os homens e mulheres de nosso Exército não têm salário, muito menos conta bancária, nem seguro de vida.

08. Existe alguma ligação entre o Exército colombiano, os paramilitares fascistas e o governo dos Estados Unidos?

R/ Veja o que disse Jorge Eliécer Gaitán: “A oligarquia está ajoelhada ante o Imperialismo e tem as armas apontadas para o povo” A Colômbia possui o exército mais numeroso e melhor preparado em guerra contra-insurgente da América Latina. O treinamento das forças do Estado, com práticas abomináveis, é procedente da CIA, do Pentágono e da Escola das Américas. Militares norte-americanos dirigem, assessoram, treinam os militares colombianos e cumprem missões no território colombiano, também. Temos em nosso poder, três prisioneiros de guerra que são oficiais da CIA, de nacionalidade norte-americana, capturados quando estando em missão militar na área de guerra, derrubamos seu avião. O projeto paramilitar também tem a mesma origem: a oligarquia colombiana e a ingerência à mão armada do Império dos Estados Unidos de América do Norte.

09. Em que consiste a proposta de Troca de prisioneiros de guerra feita pelas FARC? Por que o governo não avança na solução com a qual se beneficiará muitas famílias colombianas? Que falta para que as partes se encontrem e resolvam de uma vez por todas essa situação?

R/ Consiste em que os municípios Pradera e Florida, do Departamento do Valle del Cauca, devem ser despejados das forças militares, da polícia e de Segurança, para que aí se reúnam nossos porta-vozes com representantes do governo. O objetivo é criar as condições para a Troca de prisioneiros, que consiste em entregarmos os prisioneiros de guerra (incluindo os três oficiais da CIA) e os políticos que temos e o governo nos entregar todas as guerrilheiras e todos os guerrilheiros, incluindo Sonia e também Simon Trinidad e Ricardo (seqüestrados em Quito, Equador, e o outro em Caracas, pelo paramilitar Uribe, com a ajuda da CIA e outros). Simón já foi extraditado para os Estados Unidos. Exigimos a desmilitarização dos Municípios mencionados, porque isso permite que a reunião tenha um ambiente de segurança. Infelizmente, o governo não caminha rumo à paz e sim à guerra. E enquanto seguir por esse caminho, pois, será difícil chegar a uma solução. A Comunidade Internacional sabe de nossa disposição e boa vontade de realizar a Troca de prisioneiros.

10. Se a ONU abrir a porta de alguma de suas sedes às FARC, qual serão os principais temas a tratar em sua exposição?

R/ Há pouco, dirigimos uma carta à ONU solicitando que nos receba de maneira oficial para expormos ao mundo nossa visão sobre o conflito colombiano e como resolvê-lo. Ninguém ignora o conflito armado existente na Colômbia, nem o presidente paramilitar Uribe Vélez, porque negá-lo é tanto quanto afirmar que existe, pois enquanto diz que não há conflito armado e que somos terroristas, ao mesmo tempo, não pode impedir que o governo da França fale conosco, que somos uma das partes do conflito. Sabemos que em algum lugar e de alguma forma deverá se apresentar seu desfecho, pois o destino de nossa Pátria não pode ser o da guerra civil. Existem saídas que per se tornam desnecessário o uso de armas. Na ONU, queremos falar para o mundo que só conhece de Uribe Vélez sua obsessão enfermiça chamada guerra. E por isso a Comunidade Internacional o vê sem bom grado e com desdém. Ele está ficando isolado. E, para nós, a hora de sermos ouvidos não deve estar muito longe.

11. Quais são as bandeiras políticas das FARC-EP?

R/ Nossa principal bandeira tem sido e continua sendo a convicção profunda e sincera de que é possível alcançar as transformações fundamentais que Colômbia precisa, por vias distintas à guerra entre irmãos de uma mesma Pátria. E nisto seguimos insistindo. No entanto, sempre temos encontrado como resposta a guerra feita pelos sucessivos governos contra o povo. Porém, parece que a oligarquia começou a entender que a guerra não é a saída. Vejamos o que disse seu principal porta-voz, o jornal El Tiempo, dia 20 de fevereiro. Citamos dois apartes:

“Algo anda mal neste país onde há décadas se fala de justiça social, porém se promove um modelo que mantém uma desigualdade escandalosa. Entre 20 e 29 milhões de colombianos pobres (não há nem sequer acordo sobre quantos são) clama por transformações de fundo no sistema que parece desenhado contra eles.”

“Há que dizer com toda a clareza: este modelo, armado com semelhante arsenal de mecanismos contra os menos favorecidos, é atrasado. É indispensável transformá-lo. Não somente pelo imperativo moral de reduzir a pobreza, e sim porque, como afirmam muitos especialistas, crescer não basta, tem de redistribuir.”

Transformá-lo? Claro, criando as condições para fazê-lo mediante o entendimento, o diálogo respeitoso, com responsabilidade e sem matar a quem há anos lutamos por essas transformações e que em um dado momento tivermos que pegar em armas já que as outras vias nos foram fechadas. Além disso, porque é melhor estarmos vivos, assim seja na montanha cumprindo nosso dever histórico de lutar pela Nova Colômbia e não no túmulo.

12. Na América Latina cresce o espírito antiimperialista. Em que medida esse sentimento beneficia as FARC nesta realidade política?

R/ Desde Marquetalia começamos a ter a consciência de que nossa luta era contra o Imperialismo pela Pátria e, contra a oligarquia pelo povo. Isso não é novo para nós. E claro, nos anima o que ocorre atualmente na América Latina, onde os ianques já não podem montar ditaduras fascistas, nem seus golpes de Estado estão dando certo, como antes. Tudo porque os povos colocando em alta as bandeiras de nossos grandes próceres, começam a se levantar contra esse Império, convertido hoje em inimigo da Humanidade. Este despertar alimenta nossa capacidade de resistência!

13. Muito obrigado por nos conceder esta entrevista, senhor Comandante.

R/ Agradeço a vocês a oportunidade de nos dirigirmos a suas leitoras e leitores, a quem desde as montanhas da Colômbia fazemos chegar nosso abraço revolucionário, bolivariano e socialista.

Atenciosamente,

Raúl Reyes

Membro do Secretariado do Estado Maior Central

das FARC-Exército do Povo

Timothy Bancroft-Hinchey

PRAVDA.Ru

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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