Portugal: Maus tratos a família estrangeira

Maus tratos a família estrangeira em dificuldades, depois de ser assaltada

Recebemos do advogado (ver em anexo) da família vítima de maus tratos o relato – para utilização judicial – do caso da separação à força de uma família estrangeira fragilizada por um assalto aos seus escassos bens pessoais.

É obviamente um acto de discriminação racial que parece estar em causa, pela descrição. É ainda um abuso inominável de consequências irreversíveis para as crianças, cuja profundidade dificilmente pode ser antecipada mas que será sempre grave.

A interpretação que fazemos do relato, bem como das obrigações do Estado português perante suspeitas de actuações deste género, é de que se trata se maus tratos infligidos por agentes do Estado e que devem ser sistematicamente investigados e punidos (se se confirmar o delito) em nome dos Direitos Humanos e em especial dos tratados internacionais de prevenção contra a tortura que Portugal subscreveu.

Além da família está também em causa o bom nome de Portugal. Não basta ter leis menos desfavoráveis aos não-nacionais – como é, e ainda bem, o caso do nosso país. É indispensável transformar a prática das instituições repressivas noutra coisa que não seja a orientação para o uso dos desvalidos para exercício de poderes repugnantes, ilegítimos, desumanos e ilegais.

Por isso pedimos ao Ministério da Administração Interna que proceda a averiguações sobre o sucedido. Ao Ministério Público pedimos que cumpra com as suas obrigações de investigação perante qualquer denúncia de casos de maus-tratos. Do Provedor de Justiça espera-se que represente o cidadão perante os desvarios dos mesquinhos e perversos poderes do Estado.

A Direcção


TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE LISBOA

3º Juízo, 2ª Secção

Proc. 2320/07.4 TMLSB

MUITO URGENTE

Ex. mo Senhor Dr. Juiz de Direito

  1. Ion Rat e Ramona Rat, aqui requerentes, são de Nacionalidade Rom, Cidadãos Romenos e casados entre si;
  1. Trabalharam em Espanha, em Saragoça e Albacete (onde têm familiares legalmente radicados), nas colheitas e vindimas, durante o verão e princípio do Outono deste ano de 2007;
  1. Antes de regressarem ao seu país decidiram – em má hora - passar uns dias neste território para conhecer nele alguns lugares e vieram de autocarro para Lisboa;
  1. À chegada a Lisboa o requerente marido sofreu o furto do seu passaporte e do dinheiro ganho nas colheitas;
  1. Indocumentado, o requerente marido apresentou queixa na esquadra quanto ao furto e com essa queixa apresentada, o Consulado da Roménia pôde tratar da emissão de novo passaporte, de acordo com as regras em vigor e em ordem a viabilizar o regresso à Pátria da família;
  1. Sempre se esclarecerá que as passagens de avião para a Roménia são hoje francamente mais baratas do que usavam ser, já que uma companhia aérea romena começou a encarregar-se disso pelo valor de Cem Euros o bilhete (em média) o que evidentemente faz uma diferença acentuada com os cerca de quatrocentos euros dos anteriores preços mais baratos que eram praticados pela Alitália;
  1. Os elementos da família que se deslocaram a este território eram quatro, compreendendo o requerente marido, a requerente mulher a sua filha de dois anos e uma sobrinha também menor de idade;
  1. Sem dinheiro que lhes permitisse continuar a pagar a pensão onde tinham dormido, parou a família num jardim cujo nome ignoram, onde a requerente mulher… chorou;
  1. Na pensão onde tinham ficado, ocuparam um alojamento irregular ou não licenciado, mas mesmo assim tiveram de sair;
  1. O choro chamou a atenção de um transeunte que era romeno e quis saber o que ocorrera;
  1. Informado, esse cidadão Romeno, Brachovan Dorin (aportuguesando a grafia), sugeriu emprestar-lhes um carro para servir de alojamento provisório, emitindo até uns papéis destinados a que a polícia local não aborrecesse (demais, pelo menos) e assim a família logrou não dormir ao relento;
  1. Tal como Brachovan Dorin suspeitara (e bem) a polícia apareceu… Bateu ao vidro do carro, durante a noite e examinou os papéis, detendo-se no local;
  1. Apurou-se entretanto que a Polícia ali tinha ido fazer uma rusga à pensão, mas tendo recebido uma denúncia anónima de que havia uns ciganos a dormir num carro com crianças, decidiram intervir (sem que se entenda exactamente porquê… Já que não consta que a polícia intervenha habitualmente em função da presença dos sem abrigo na via pública, nem sequer tendo intervenção conhecida na generalidade dos casos de exploração de crianças na mendicidade, como todos os dias vemos e nem sequer era ali o caso);
  1. Os requerentes não conseguiram compreender tais agentes, porque muito embora o requerente marido fale alemão, castelhano e romeno, os agentes da polícia não falariam senão o Português;
  1. Em todo o caso, pouco depois chegou uma carrinha que descrevem como um carro celular, na qual foi a família (os requerentes e duas crianças) forçada a embarcar sendo levada para lugar desconhecido, onde, numa sala, apareceram duas mulheres e um homem, bastante ríspidos, que também não entenderam e levou as crianças, para grande alarme das crianças e dos requerentes;
  1. Nas proximidades estava um jornalista, que se aproximou e falou com o requerente marido em Castelhano, pessoa de cuja afabilidade os requerentes guardam grata recordação;
  1. Esse jornalista mora na rua da pensão e durante uns dias viu os requerentes na rua, tendo ficado impressionado pela disciplina ostentada na situação de privação, porque, como esclareceu designadamente à Comissão de Protecção de Menores,
  1. Mesmo nessa situação, os requerentes brincavam com as crianças, tratavam delas, usando um balneário público que fica perto para assegurar a higiene respectiva, não deixavam lixo no chão e por isso
  1. Esse jornalista acabou por os abordar perguntando o que se passava e inteirado da história comprou-lhes os bilhetes para irem ao encontra da família que têm em Saragoça;
  1. Tendo a polícia tido intervenção no próprio dia em que eles iam partir;
  1. O jornalista foi no encalço dos detidos, para ajudar no que pudesse – e sem qualquer familiaridade com este tipo de intervenção deste tipo de instituições – e ficou surpreendido com o sobressalto e reserva dos membros da Comissão de Protecção de Menores,
  1. Ficou até com a sensação de que tudo o que fizesse servia para prejudicar os requerentes e assim…
  1. Puseram-se os membros da dita comissão a fazer inquéritos de natureza internacional pretendendo contactar familiares dos requerentes em Espanha (coisa absolutamente abusiva), sendo certo que ninguém sob a protecção dos Tribunais da Coroa de Espanha tem quaisquer deveres de resposta a quaisquer inquéritos deste organismo; em todo o caso,
  1. Nem de resto há demonstração de qualquer aptidão destes senhores no uso das nobres Língua Catalã (Língua de Zaragoza) ou Castelhana (Língua de Castilla La Mancha)
  1. Libertados os requerentes (aliás abusivamente capturados e retidos) mas sem as crianças, dirigiram-se estes ao seu consulado, onde foram recebidos pela própria Senhora Cônsul;
  1. E a Senhora Cônsul da Roménia ordenou aos respectivos serviços que procurassem determinar o lugar onde as crianças poderiam estar;
  1. As colaboradoras do Consulado guardam do contacto com os serviços oficiais –compreendendo os deste tribunal e a chamada Comissão de Protecção de Menores – uma repulsiva recordação, diga-se a propósito;
  1. Tal ocorreu aliás na presença do jornalista;
  1. Mas essas colaboradoras conseguiram localizar as crianças, sem conseguirem, em todo o caso, falar com a directora do asilo, nem sequer compreender se o asilo era público ou privado e sem lograrem também falar com a direcção, sem poderem igualmente fazer com que os requerentes pudessem ver as suas crianças;
  1. Complicando-se as coisas a este ponto, foram contactados os advogados que assistem a Santa Igreja Romena no território
  1. Sublinha-se que os requerentes estão retidos no território por dele não quererem sair sem as suas crianças;
  1. Os pais da sobrinha dos requerentes desencadearão no seu país as diligências que entenderem úteis, tendo já sido contactado advogado em Bucuresti a quem foram transmitidas as informações necessárias;
  1. Conseguiram os pais compreender através das intérpretes do Consulado que “as instituições” os autorizam a sair do território (!) mas que “as crianças ficam”;
  1. Cumpre sublinhar que o procedimento adoptado traduz já infracção clara às normas internacionais directamente aplicáveis, consubstanciando denegação de direitos que não podem ser violados parecendo-nos, sem quebra de modéstia e desde já que as liberdades individuais e direitos fundamentais não podem ser postos em crise quanto à vida de ninguém com esta amplitude
  1. Aos requerentes não foi sequer propiciada a presença, não só de defensor, mas também de intérprete autorizado (i.e. credenciado) e de cuja proficiência não haja dúvidas (sempre se recusando a prática comum portuguesa que consiste em descobrir no primeiro café ou na primeira esquina um cidadãos moldavo para traduzir para Língua Romena – coisa vulgar nos tribunais criminais);
  1. Mas também a Constituição Portuguesa não se mostra minimamente respeitada, já que nos termos do seu art. 36º/6 CRP os pais não podem ser separados dos filhos a menos que comprovadamente não tenham cumprido os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial;
  1. Nenhum requerente foi notificado de qualquer decisão judicial;
  1. É claro que se espera aqui a sequência comum deste tipo de casos;
  1. Primeiro, os funcionários intervêm assim, sumariamente, (e cruelmente) no pressuposto que “o desgraçado” está só e sem defesa;
  1. Multiplicam atropelos;
  1. Depois, quando aparece a defesa, surge o sobressalto e a necessidade da defesa própria (sendo certo que as instituições não se fizeram para cuidar da defesa dos funcionários que ali operam diante das consequências dos abusos dos seus poderes formais ou informais)… E então os funcionários começam, em regra, por se sentirem ofendidos, apresentando as correspondentes participações, normalmente criminais, (desde logo contra o advogado) que seguirão a sua marcha cega durante seis anos (eventualmente sete), marcha paralela ao procedimento judicial onde são chamados a explicar-se e onde o advogado e aqueles que ao abuso da sua prática se opõem ficariam inibidos de dizer fosse o que fosse, sob pena de uma rajada de participações abusivas, aliás,
  1. Mesmo o processo decorrente de uma Acção de Indemnização contra o Estado estaria ao alcance de uma eventual queixa por “denúncia caluniosa” (!) o que desde logo daria para dez anos de processo… (um bom exemplo está no recente depoimento de Garcia Pereira em http://www.garciapereira.org e aliás atinente a este Tribunal de Família)
  1. Tudo recomendando, por consequência, que ao invés de se usarem os (pretensos) meios processuais portugueses se usem os meios de outro Estado, onde em processo se possa discutir, alegando com a liberdade de palavra adequada a não transformar os procedimentos em ficção – i.e. em formalidades sob constrangimento ilícito do advogado e da parte –
  1. Mas, mesmo assim, não podemos deixar de sublinhar que há separação das crianças da sua família sem qualquer processo,
  1. E, nem cautelarmente, os requerentes foram ouvidos
  1. Tendo sido notificados – sem intérprete e sem tradução do despacho - para uma diligência a realizar no dia 5 de Novembro (!)
  1. O fará evidentemente (desde logo) com que o dinheiro dos bilhetes de transporte se perca;
  1. A efectiva desprotecção diante do arbítrio não teve qualquer freio, nem o da abertura de processo neste tribunal (de cujo número fornecido ao Consulado nem sequer se sabia se corresponderia ou não a qualquer realidade processual)
  1. E o tempo que se escoa, com a exasperante lentidão adoptada, tem numa criança de dois anos um impacto brutal, com efeito,
  1. Os requerentes retidos no território e separados das suas crianças estão confrontados com a (tão repulsiva como velha) lógica que confunde (parece) a pobreza com a suspeita de maus-tratos;
  1. Confusão abusiva ao abrigo da qual todos os maus tratos asilares se fazem possíveis, sendo a exploração da miséria o fulcro de uma próspera indústria de subsídios visando sustentar mais de uma dezena de milhar de crianças sob internamento (há poucos meses o número era de quinze mil);
  1. Coincidindo globalmente com o número de reclusos (preventivos ou condenados);
  1. Em instituições onde a única relativamente controlada pela opinião pública tem sido a Casa Pia que, em bom rigor, não abona em nada quanto à idoneidade do Estado na tutela da sua infância desvalida;
  1. Por mais pobre que seja um progenitor, por mais aflitivas que sejam as circunstâncias dir-se-á que, em face da Casa Pia, nenhum progenitor pode ser menos idóneo que o Estado para preservar os interesses do menor (à excepção de casos de transtorno mental ou emocional evidentes e nem esse é o caso);
  1. É pacífica a conclusão em cujos termos uma criança (dois anos) com esta idade esquece com surpreendente facilidade as fisionomias paternas – embora não esqueça que tem pais – traduzindo isto que não logrará o reconhecimento sem ajuda
  1. Circunstância que os serviços asilares interessados nas adopções (por exemplo) usam explorar, e evidentemente o mais provável é que não haja ajuda;
  1. É clássico o exemplo dos asilos do franquismo onde os filhos dos republicanos assassinados ou presos eram muitas vezes confrontados com a presença de pretensos “pais” (casais franquistas estéreis) a quem eram entregues na mais profunda confusão e angústia e estes asilos do franquismo tiveram em Portugal adequada influência referencial numas “assistentes sociais” que eram, basicamente, a polícia de costumes do cardeal Cerejeira e que mesmo depois de deixarem oficialmente de o ser continuaram a controlar os serviços onde técnicas mais jovens vinham integrar-se…
  1. Com margens de arbítrio tais que o advogado defensor ainda chegou a conhecer uma D. Judite no velho Tribunal de Menores (onde era proibida a intervenção de advogado ao abrigo do art. º 41º OTM) que, simultaneamente, era agente remunerada da Terre des Hommes (uma agência internacional de adopções)… Será talvez inútil apresentar participação criminal contra o advogado porque basta um ofício à Terre des Hommes para que esta o confirme (não há actuações clandestinas na Terre des Hommes);
  1. Com a alteração legislativa do limiar do novo milénio, alguma coisa se alterou, porventura, mas diante de casos tão opacos como estes perguntamo-nos sempre que adaptação terão sofrido os velhos mecanismos e aberrações asilares capazes de lhes garantir a subsistência no novo quadro legal (os COAS, por exemplo, teriam sido extintos, mas toda a gente está nos sítios de sempre… porventura a fazer o que sempre fizeram);
  1. Em todo o caso a patologia institucional portuguesa é problema dos portugueses que a resolverão se puderem ou quiserem, quando o puderem ou quiserem, não é e não pode ser problema de estrangeiros ocasionalmente no território, por maior que seja a situação de desfavor em que circunstancialmente se encontrem;
  1. A requerente mulher, por outro lado, está grávida e não é manifestamente desejável que a nova criança nasça neste território… Os requerentes têm todo o direito de partir, direito assegurado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e têm o direito de partir com as suas crianças das quais foram separadas sem decisão judicial conhecida;
  1. Não podem pois ser retidas no território até cinco de Novembro data agendada para a próxima (e primeira) diligência judicial;
  1. Mesmo que o ACIM os ajude como tem ajudado (tendo os requerentes por isso podido regressar à pensão)

Nestes termos requer-se

1- A consulta imediata aos autos

2- A tradução de todos os despachos ou informações que aos requerentes respeitem a fim de que sobre elas possam pronunciar-se imediatamente

3- A restauração imediata do convívio com os menores e da liberdade destes;

4- A audição pelo Senhor Juiz em 48h00, caso se entenda dever haver alguma confirmação probatória para por termo a intervenção em tudo abusiva;

5- A libertação imediata de quaisquer entraves postos aos requerentes a fim de que possam, como o pretendem, abandonar imediatamente o território;

6- Sendo certo que o Tribunal de Família é territorialmente incompetente para qualquer procedimento posterior (como aliás para este) por não ser tribunal do lugar de residência dos menores

7- Mais se requerendo a identificação dos membros da Comissão de menores intervenientes

ED

177000066/12

Fonte: ACED

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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