Politicamente (In)correcto...

Ponta Delgada, 24 de Janeiro de 2011

Politicamente (In)correcto...

14486.jpegA cada acto eleitoral fica mais claro que o nosso sistema político-partidário está esgotado, ou seja, já não corresponde ao anseio e às expectativas populares em matéria de Democracia. Porém os líderes políticos e os seus partidários, como a avestruz que enfia a cabeça na areia para se esconder, não querem saber... Preferem insistir no doloso jogo das promessas para manterem o seu status e garantir o Poder. Deste modo uma Minoria Absoluta sobrevive à custa de uma Maioria Absoluta. As últimas eleições para a Presidência da República foram mais um exemplo disso.  

Vamos ter mais uma vez um Presidente da República eleito por uma minoria. Desta feita, por menos de ¼ do universo possível de eleitores, ou seja, 24,65%, graças a uma abstenção de 53,4%, a maior de sempre! Significa que mais de metade da população com Direito ao Voto, "está-se nas tintas para as eleições". Será que está? Isto sem contar com os votos em branco, cujo número não tem sido divulgado, ou pelo menos não tem merecido o mesmo destaque que os votos de outra natureza. Porque será?

Este facto aliás, agravado pela trapalhada do simplex informático, que impediu muitos eleitores de votar, deveria, num país evoluído, ter anulado as eleições. Ah, mas isso traria mais despesa ao país... É o argumento mais cínico que temos ouvido. Mais despesa vai nos trazer a continuação de um sistema que cada vez mais afunila para servir uma minoria que é um sorvedouro de receitas fiscais.

Se Cavaco Silva tem boas razões para não se vangloriar, os outros candidatos também não se podem rir... Se considerarmos o universo de todos os eleitores possíveis, ou seja, não apenas os votos entrados nas urnas, temos a seguinte leitura: Manuel Alegre, com 9,23% contra 19,80%; Fernando Nobre, com 6,57% contra 14,10%; Francisco Lopes, com 3,31% contra 7,10%; Manuel Coelho, com 2,10% contra 4,50%; e Defensor Moura com 0,74% contra 1,60%. Como se pode verificar os valores relativos são menores que metade dos considerados oficialmente. Isto só acontece por que o nosso ordenamento jurídico eleitoral despreza liminarmente o voto abstencionista, o que é uma negação da própria Democracia. Os ideólogos desta maquinação sabem que o aumento da abstenção é directamente proporcional ao aumento do desencanto do eleitorado face à credibilidade dos políticos, o que significa que sempre contaram com a corrupção e degradação do sistema que idealizaram. Significa que a Democracia acaba por ser um jogo de cartas marcadas... Compreende-se pois por que não é publicitada a leitura que apresentamos... A maioria dos formadores de opinião está feita com o sistema e precisa dele para sobreviver politicamente, quando não, também, profissionalmente. É grande a teia de interesses que o Poder tece... 

Pode-se apresentar inúmeras razões para tão grande abstenção. Até se pode invocar falta de cidadania... Mas uma coisa os formadores de opinião não podem negar: o acto eleitoral deixou de ser relevante para a vida da maioria absoluta dos cidadãos portugueses e não há volta a dar, se não com o fim desta farsa democrática.

Os políticos, na sua maioria, principalmente os que têm governado, são os grandes responsáveis por este estado de coisas. Primeiro, porque fazem gala de se destacarem do resto da população, ou seja, só se lembram do Zé Povinho nas eleições, enquanto nos Passos Perdidos do Poder, alguns até dele desdenham. Segundo, porque prometem o céu e a terra e depois todas as promessas ficam pelo caminho. Terceiro, porque o seu discurso é promíscuo, em claro desrespeito ao povo simples que só entende a palavra sim, sim e não, não, criando legislação cada vez mais rebuscada e contraditória. Quarto, porque, em muitos casos, se serve dos cargos públicos no interesse pessoal e do grupo a que pertence. Quinto, porque nem sempre é competente a administrar a coisa pública e por essa via esbanja os recursos com origem na tributação sobre o Trabalho, não atendendo às carências da sociedade com mais prioridade. Sexto, por que na hora de pedir sacrifícios exigem mais do Trabalho que do Capital, ainda que a austeridade pareça universal e matematicamente equidistante. Sétimo, por que não protegem a Sociedade do amigo do alheio e dos vigaristas, produzindo leis que a mais das vezes beneficiam o infractor. Oitavo, por que cada vez mais governam não no superior interesse do país, mas em obediência a organizações extra-nacionais nunca ractificadas em plebiscito popular, firmando acordos e tratados internacionais à revelia do conhecimento dos cidadãos. Veja-se por exemplo a venda das Obrigações do Tesouro, para citar um caso mais recente.

Perante isto, o que esperar de uma população cada vez mais aturdida e confusa com a acção da maioria dos políticos, se não um grito ensurdecedor da negação do próprio direito ao voto. E não cremos que os políticos não tenham consciência disso... Mas a persistência em tal caminho só pode significar que têm algo na manga. Que será?

Artur Rosa Teixeira

([email protected])     

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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