O injustiçado povo português

O injustiçado povo português. 15789.jpegSofredor, trabalhador, honesto, aberto, amigável, de boa vontade, o povo português de forma geral confia no próximo e dá-lhe todo o espaço para desempenhar a sua função, normalmente com o mínimo de ingerência e intromissão. No caso dos sucessivos governos que por Portugal passaram, estes atributos não poderiam ser piores.

Ainda em estado de choque depois do que foi anunciado pelo Governo PSD/PP na semana passada, não propriamente por temer pelo meu estado económico mas sim pela grande maioria dos portugueses, entre os quais se encontram dois dos meus três filhos, a minha primeira reacção foi de quem acaba de ser informado que é seropositivo: raiva.

Em homenagem aos trinta anos que por lá passei em Portugal, exprimindo esse sentimento em palavras, atrevo-me a dizer que falo por milhões de portugueses: mas que mal fiz eu a Deus para merecer isso? Paguei meus impostos, pago o imposto do IVA em cada coisa que compro, nunca tive problemas com a polícia, estudei, fiz o meu melhor e trabalhei como um escravo ao longo de trinta anos para conseguir o pouco que tenho. Foi, sim, o meu caso.

A raiva passou à negação quando me disseram que certos sectores da sociedade não serão afectados pelas medidas draconianas anunciadas pelo governo. Recuso-me a tentar perceber isso, pois é injustiça à mais para uma pessoa hipertensa como eu. O quê é isso acerca dos cargos políticos e as reduções?

Da negação deveria eventualmente passar à aceitação. Mas como aceitar mais um governo a impor sacrifícios sobre os portugueses, depois da péssima governação destes mesmos partidos (PSD, PP e PS) ao longo de quase quatro décadas, em que no discurso de tomada de posse dos primeiros-ministros consta historicamente a frase "Vou pedir sacrifícios aos portugueses"?

Onde está o dinheiro, por exemplo, que veio do Macau? Onde foram os nossos impostos ao longo destes anos? Quem foi responsável pelos péssimos processos de negociação com a União Europeia que era suporta trazer modernização, desenvolvimento sustentável e prosperidade, e em vez disso Portugal foi financiado para não produzir, foi financiado para destruir sua indústria, agricultura e pescas e daí vender os futuros empregos pelo esgoto abaixo? Onde estão os biliões de Euro que jorraram pela fronteira dentro?

Os governantes e toda a classe política vão sofrer redução de rendimentos? De pensões? Vai haver uma revisão das contas dos que estiveram à frente dos destinos do país ao longo das últimas décadas? É que se eu falhar no pagamento de um tostão ao estado, cai o sistema por cima de mim, enquanto que se o Estado for o devedor, todos sabem quanto tempo leva a pagar. É justo?

Como posso aceitar que a banca se senta a observar sem fazer nada, e já agora por quê, se a banca tem o meu dinheiro (ou o pouco que resta dele no final do mês), por quê tenho de pagar tarifas bancárias para a manutenção da conta? Se tenho eu de pagar ao banco para guardar meu dinheiro, então pelo mesmo raciocínio, por quê é que o banco não me dá uma percentagem dos seus lucros? Não me dá nada, não faz nada para estimular a economia e eu ainda tenho de lhe pagar?

Onde estão as opções para os nossos filhos? O quê lhes resta fazer, se têm de trabalhar e descontar para terem o direito ao subsídio de desemprego, quando nem num call center há postos se não meterem cunhas, e quando há, a remuneração é baseada em "resultados"? Quais "resultados", quando a maior parte das pessoas nem tem dinheiro para comer quanto mais comprar porcarias através de telefonemas?

E quem é o burro que permitiu à troika a imposição de medidas que qualquer diminuído mental entende claramente que vão causar uma diminuição da economia, pois se retirar dinheiro de circulação, se cortar despesas e se reduzir a riqueza global, evidentemente a economia se retrai, e daí quem tem a possibilidade de sustentar ratings de 7 por cento da dívida soberana, quando a economia nem por 0,7% vai crescer?

Numa altura destas, o que se faz é injectar dinheiro na economia. Pois se há dinheiro para a OTAN bombardear civis e apoiar terroristas na Líbia, se há dinheiro para capitalizar os bancos (que perderam nosso dinheiro aparentemente dado a sua grande eficácia e tremendas capacidades de gestão...fruto de porcarias de diplomas tiradas de pacotes de sabão há décadas) o dinheiro existe. Basta fingir que o país é um grande banco para triliões aparecerem de repente.

De facto, esta crise foi causada por uma mão cheia de incompetentes, por cujos erros "nós todos" vamos ter de pagar. Como sempre. Sentindo na minha última visita a fúria deste povo e deste país, espero que as minhas palavras ajudem a aliviar a pressão, ao exprimir a indignação e a impotência que reverbera pelo ar de forma tangível.

Eu não sou economista, sou jornalista. Os economistas são pagos para produzirem ideias... mas quantas ideias produziram os economistas de Portugal? Satisfizeram-se em dizer "Sim, senhor" a todos, sendo o "bom aluno" da União Europeia. Bacano, n'é? Já na ausência de quaisquer ideias oriundo dos economistas, atrevo-me a apresentar apenas cinco e deixar uma sugestão de solidariedade nacional:

1. Por quê é que Portugal aceitou a imposição de normas e taxas que dizem respeito à economia alemã, nomeadamente a taxa de convergência de 3% quando o que faz sentido em Berlim não significa nada em Lisboa? Se vão impor condicionamentos alemães aos portugueses, OK então onde estão os salários alemães?

2. Sendo assim, faz algum sentido Portugal permanecer na UE? Se precisou de biliões e biliões de Euro ao longo dos anos para ficar colado ao Continente e mesmo assim está falido, não valeria a pena alguém ter o...estofo...a dar um murro na mesa como a Islândia e dizer "Não aceitamos estas condições, nem vamos pagar nada a ninguém até que a gente bem entender. Não fomos nós que criámos a situação. Vocês nos financiaram para não produzir, agora aguentam"?

3. Portugal não terá outra alternativa a colar-se mais ao seu espaço histórico (CPLP) que criou ao longo de 500 anos antes de virar-lhe as costas, e refinanciar-se junto dos BRIC?

4. Por quê é que o Governo não adopta a práctica da cesta básica de alimentação, vendido a um preço baixo, em todos os supermercados (como no Brasil), que garante a alimentação básica de uma família durante um mês?

5. Ao nível de freguesias, porquê não estabelecer um espaço que serve de centro de distribuição alimentar para os necessitados, aonde os residentes levam restos de comida (em bom estado, evidentemente) e estabelecer redes de colecção de alimentos dos restaurantes, cafés e lojas na zona, que serão divididos em refeições em tupperwares e entregues aos necessitados?

Profundamente preocupado com o futuro de Portugal, principalmente para meus filhos e netos, proponho o seguinte para alguém se quiser levar para a frente: para demonstrar solidariedade social, que tal os trabalhadores no sector privado, voluntariamente, cedam uma parte do seu subsídio de verão e de Natal em 2012 e 2013 a favor dos trabalhadores do sector público que recebem menos do que (uma certa quantia)?

Pela minha parte, estou disposto a doar 25% destes subsídios, na condição deste dinheiro chegar aonde for destinado, e não nas mãos de um desses filhos da p... que ajudaram a levar o país à situação em que está.

Timothy Bancroft-Hinchey*

Pravda.Ru

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*Director da versão portuguesa da PRAVDA.Ru. Passou 30 anos em Portugal. Agora reside em Moscovo.

 

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