Mulheres presas, torturadas e assassinadas pela ditadura militar: "Mulheres contra Bolsonaro"

Mulheres presas, torturadas e assassinadas pela ditadura militar estiveram representadas nas manifestações "Mulheres contra Bolsonaro"

por Fernando Soares Campos(*)

Milhares de mulheres, além de grande participação masculina, agitaram o sábado (29) com as manifestações"Mulheres contra Bolsonaro", #EleNão, em todo o Brasil e em vários países onde há consideráveis comunidades de brasileiros. 

Assistindo às passeatas, carreatas, concentrações e discursos proferidos pelas líderes de diversos segmentos sociais, sejam militantes de partidos, sindicalistas, representantes de associações comunitárias, candidatas a cargos eletivos e outras representações, vi e ouvi todas repudiaram o conhecido comportamento fascista do deputado Jair Bolsonaro, candidato à Presidência da República, alvo dos protestos, com suas expressões e atitudes de cunho racista, homofóbico, machista, misógino, tendo ocorrido casos em que esse deputado foi representado judicialmente e condenado a pagar indenizações por danos morais, assim, acreditei estar vendo aquelas mulheres representarem outras, que algumas delas até conheceram, foram companheiras de luta contra a ditadura que se abateu sobre a nação brasileira a partir de 1964 até 1985, porém a maioria, principalmente as mais jovens, nem mesmo delas ouviu falar: as mulheres presas, torturadas, desaparecidas ou assassinadas pela ditadura militar. 

Jair Bolsonaro, em entrevista a uma emissora de televisão, declarou taxativo: "Sou a favor da tortura. Através do voto, você não muda nada no país. Tem que matar uns 30 mil". - Assista AQUI

Até a última sexta-feira, Bolsonaro era o primeiro colocado nas pesquisas de opinião, entre os candidatos a presidente, seguido por Fernando Haddad, candidato do Partido dos Trabalhadores e apoiado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atualmente condenado e preso numa carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Lula é considerado nos meios políticos, universitários e mesmo jurídicos, preso político, tendo em vista a fragilidade da acusação do MPF, acatada pelo juiz Sérgio Moro, baseada em supostas convicções, sem qualquer prova e até sem a configuração de um crime, ou seja, sem os necessários elementos da constituição de um crime.

Aqui destaco uma relação de mulheres presas, torturadas, desaparecidas ou assassinadas pela ditadura militar. Os perfis e relatos foram resumidos, porém, ao final da leitura, disponibilizo link para leitura completa sobre as circunstâncias em que essas mulheres foram presas, torturas e assassinadas.

LABIBE ELIAS ABDUCH (1899-1964)

A sexagenária Labibe Elias Abduch era casada com Jorge Nicolau Abduch, com quem teve três fi lhos. Foi morta por um disparo de bala em 1o de abril de 1964, quando caminhava pela Cinelândia, no Rio de Janeiro, interessada em obter informações sobre o movimento militar no Rio Grande do Sul, onde se encontrava um filho seu. Narrando a cena e os fatos desse dia, a revista O Cruzeiro, em edição extra de 10 de abril do mesmo ano, traz o seguinte relato: "14 horas. É o sangue. A multidão tenta mais uma vez invadir e depredar o Clube Militar. Um carro da PM posta-se diante do Clube. O povo presente vaia os soldados. Mais tarde, choque do Exército [...] dispersam os agitadores, que voltam à recarga, pouco depois. Repelidos a bala, deixam em campo, feridos, vários manifestantes: entre eles Labib Carneiro Habibude [sic] e Ari de Oliveira Mendes Cunha, que morreram às 22 horas no pronto-socorro".

CATARINA HELENA ABI-EÇAB    (1947-1968)
Nascida na capital paulista, Catarina, militante da ALN, era casada, desde maio de 1968, com João Antônio Santos  Abi-Eçab, também integrante da organização.

 ALCERI MARIA GOMES DA SILVA (1943-1970)

Gaúcha e afrodescendente, Alceri trabalhava no escritório da fábrica Michelletto, em Canoas, onde começou a participar do movimento operário e filiou-se ao Sindicato dos Metalúrgicos. Em setembro de 1969, visitou sua família em Cachoeira do Sul para informar que estava de mudança para São Paulo, engajada na luta contra o regime militar como integrante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). 

MARILENA VILLAS BOAS PINTO   (1948-1971)

Estudante do segundo ano de Psicologia da Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro (RJ), Marilena passou a viver na clandestinidade a partir de 1969. Juntamente com seu companheiro Mário de Souza Prata, ela foi presa e morta nos primeiros dias de abril de 1971, no Rio de Janeiro. 

HELENY FERREIRA TELLES GUARIBA   (1941-1971)

Paulista de Bebedouro, Heleny foi casada com Ulisses Telles Guariba, professor de história na USP, de quem tinha sido colega na Faculdade de Filosofia da mesma universidade. Tiveram dois filhos. Ela se especializou em cultura grega, trabalhou em teatro e deu aulas na Escola de Arte Dramática de São Paulo (EAD). 

IARA IAVELBERG (1944-1971)

Durante muito tempo, prevaleceu a versão de que Iara Iavelberg se matou, disparando contra o próprio coração, para evitar as torturas a que certamente seria submetida se fosse apanhada viva no apartamento da Pituba, em Salvador, em 20 de agosto de 1971, onde estava encurralada pelos órgãos de segurança do regime ditatorial, entre eles, agentes do DOI-Codi/RJ deslocados para aquele estado na perseguição final a Carlos Lamarca, morto no mês seguinte. 

 NILDA CARVALHO CUNHA (1954-1971)


Nilda Carvalho Cunha foi presa na madrugada de 19 para 20 de agosto de 1971, Foi levada para o Quartel do Barbalho e, depois, para a Base Aérea de Salvador. Sua prisão é confirmada no relatório da Operação Pajuçara, desencadeada para capturar ou eliminar o guerrilheiro Carlos Lamarca e seu grupo. Nilda foi liberada no início de novembro do mesmo ano, profundamente debilitada em consequência das torturas sofridas. Morreu em 14 de novembro, com sintomas de cegueira e asfixia. Ela tinha acabado de completar 17 anos quando foi presa.

Leia o post - homenagem a ela no blog http://www.comunistas.spruz.com/pt/Poderia-ter-sido-sua-filha-sua-irm-sua-namorada/blog.htm

GASTONE LÚCIA DE CARVALHO BELTRÃO  (1950-1972)

Alagoana de Coruripe, Gastone manifestou desde jovem preocupação com as desigualdades sociais. Ainda adolescente, visitava presos comuns, levando-lhes roupas e alimentos. Estudou nos colégios Imaculada Conceição e Moreira e Silva, em Maceió, e concluiu o segundo grau no Rio de Janeiro, Em 1968, de volta a Maceió, Gastone prestou vestibular para Economia na Universidade Federal de Alagoas, entrando em terceiro lugar. 

ÍSIS DIAS DE OLIVEIRA (1941-1972)


Ísis nasceu e cresceu em São Paulo. Iniciou os estudos no Grupo Estadual Pereira Barreto, fez o ginasial no Colégio Estadual Presidente Roosevelt e o curso clássico no Colégio Santa Marcelina. Estudou piano  e fez curso de pintura e escultura na Fundação Álvares Penteado. Em 1965, iniciou o curso de Ciências Sociais na USP e passou a morar no Crusp, o conjunto residencial da universidade. 

MIRIAM LOPES VERBENA (1946-1972)


Miriam era casada com Luís Alberto Andrade de Sá e Benevides, dirigente nacional do PCBR. Depois das inúmeras prisões que atingiram a organização no Rio de Janeiro a partir de 1970, vários de seus integrantes foram deslocados para atuar no Nordeste, entre eles, Luís Alberto. Miriam, também militante do partido, era professora e, quando morreu, estava grávida de oito meses. 

 LÍGIA MARIA SALGADO NÓBREGA (1947-1972) 

e

MARIA REGINA LOBO LEITE DE FIGUEIREDO (1938-1972)

Lígia e Maria Regina foram assassinadas em 29 de março de 1972 no episódio conhecido como "Chacina de Quintino", juntamente com outros dois militantes da VAR-Palmares: Antônio Marcos Pinto de Oliveira e Wilton Ferreira. Até hoje, as circunstâncias dessas mortes não foram esclarecidas. A versão dos órgãos de segurança só foi divulgada uma semana depois, em 6 de abril. As manchetes dos jornais informavam que nove militantes teriam se entrincheirado na casa 72, na avenida Suburbana, no 8.695, no bairro de Quintino, no Rio de Janeiro. Em tiroteio com a polícia, três deles teriam morrido no local (Antônio Marcos, Lígia Maria e Maria Regina), enquanto os demais teriam conseguido fugir. 

ANA MARIA NACINOVIC CORRÊA (1947-1972)


Enquanto os militantes da ALN Ana Maria Nacinovic Corrêa, Iuri Xavier Pereira, Marcos Nonato da Fonseca e Antônio Carlos Bicalho Lana almoçavam no restaurante Varella, no bairro da Mooca, em São Paulo, em 14 de junho de 1972, o proprietário do estabelecimento, Manoel Henrique de Oliveira, telefonou para a polícia avisando da presença em seu restaurante de algumas pessoas cujas fotos estavam nos cartazes de terroristas procurados. Rapidamente, os agentes do DOI-Codi montaram emboscada em torno do local, mobilizando grande contingente policial. Como resultado da operação, morreram Ana Maria, Iuri e Marcos Nonato. Antônio Carlos Bicalho Lana, mesmo ferido, conseguiu escapar e relatou o ocorrido a seus companheiros. 

ESMERALDINA CARVALHO CUNHA (1922-1972)


Esmeraldina Carvalho Cunha foi encontrada morta na sala de sua casa, em Salvador, em 20 de outubro de 1972, aos 49 anos. Seu corpo estava pendurado num fio de máquina elétrica. Esmeraldina fora casada com Tibúrcio Alves Cunha Filho, com quem teve cinco filhas. A mais nova, Nilda Carvalho Cunha, havia morrido um ano antes, em 14 de novembro de 1971, após dois meses de prisão e torturas em Salvador. 

AURORA MARIA NASCIMENTO FURTADO (1946-1972)


Estudante de Psicologia na Universidade de São Paulo, Aurora havia sido responsável pelo setor de imprensa da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, em 1968. Nesse período, era conhecida como Lola e namorava José Roberto Arantes de Almeida, dirigente da União Nacional dos Estudantes (UNE), que seria morto em São Paulo, em 1971, quando militava no Movimento de Libertação Popular (Molipo). 

LOURDES MARIA WANDERLEY PONTES  (1943-1972)

Em 17 de janeiro de 1973, os órgãos de segurança do regime militar tornaram públicas as mortes de seis militantes do PCBR (Lourdes, Fernando Augusto da Fonseca, Getúlio de Oliveira Cabral, José Bartolomeu Rodrigues de Souza, José Silton Pinheiro e Valdir Sales Saboia), ocorridas, segundo a nota oficial, em 29 de dezembro do ano anterior, no Rio de Janeiro, em função de tiroteios. Na verdade, todos foram mortos depois de presos. 

SOLEDAD BARRETT VIEDMA  (1945-1973)

Nascida no Paraguai e tida como mulher de rara beleza, Soledad era neta de um importante escritor, jornalista e intelectual paraguaio, nascido na Espanha: Rafael Barrett. Tanto o pai quanto o avô foram perseguidos por suas ideias políticas. Assim, quando Soledad tinha apenas três meses de idade, a família fugiu para a Argentina, onde viveu cinco anos; em quatro dos quais o pai esteve preso ou foi perseguido, tanto pela polícia paraguaia quanto pela argentina. No Uruguai, de acordo com sua irmã Namy Barrett, Soledad foi raptada em julho de 1962, aos 17 anos, por um grupo neonazista, que a colocou em um automóvel e, sob ameaças, quis obrigá-la a gritar palavras de ordem contrárias às suas ideias. Por ter se negado, os raptores gravaram em sua carne, com uma navalha, a cruz gamada, símbolo do nazismo. Começou assim um ciclo de perseguições e prisões mostrando que, para a polícia uruguaia, Soledad passou de vítima a culpada. Ela decidiu deixar o país e seguiu para Cuba, onde conheceu o exilado brasileiro José Maria Ferreira de Araújo - militante da VPR conhecido como Arariboia ou Ariboia, desaparecido no Brasil em 1970 -, com quem se casou e teve uma filha, Nasaindy de Araújo Barrett. No Brasil, onde passou a militar pela mesma organização, Soledad foi morta, juntamente com mais seis companheiros, no chamado Massacre da Chácara São Bento, ocorrido entre 7 e 9 de janeiro de 1973 em Paulista, na grande Recife.

[Para melhor conhecer a história de Soledad Barrett Viedma, o leitor pode adquirir o livro  'Soledad no Recife', do escritor pernambucano Urariano Mota, Boitempo Editorial - 2011. 

 

Sinopse extraída do site da Livraria Saraiva: O autor percorre as veredas dos testemunhos e das confissões ao reviver a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e a traição que culminou em sua tortura e assassinato pela ditadura militar. 

Delatada pelo próprio companheiro Daniel, conhecido depois como Cabo Anselmo, Soledad morre com um grupo de candidatos a guerrilheiros, na capital pernambucana, pelas mãos da equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury. O episódio ficou conhecido como "O massacre da chácara São Bento" e revelou-se mais um extermínio do que um confronto armado. A trama real inspira o romance em que Urariano Mota - com a propriedade de que viveu e sobreviveu aos anos pós 1964 - resgata os vestígios da traição arquitetada contra Soledad e contra o País naqueles tempos, com o olhar reflexivo de quem se volta ao passado. A vida e morte de Soledad é um forte contraponto a "história oficial" propagada pela mídia na época e um testemunho da violência do Estado. 


Nas palavras de Flávio Aguiar, que assina a apresentação da obra, 'Soledad no Recife' é a recuperação de uma história, "como preito àquelas vidas que se doaram e foram ceifadas pela traição inesgotável que foram o golpe e à ditadura de 1964 ao seu próprio país - traição espelhada na de Anselmo ao amor que, sabe-se lá por que, despertou em Soledad".]

PAULINE PHILIPE REICHSTUL  (1947-1973)

Filha de judeus poloneses, Pauline Reichstul nasceu em Praga (na então Tchecoslováquia), em 1947. (...) Pauline e mais cinco companheiros da VPR foram mortos no Massacre da Chácara São Bento, ocorrido entre 7 e 9 de janeiro de 1973 em Paulista (hoje, Abreu e Lima), na grande Recife. A versão do regime militar era de que as mortes teriam ocorrido em consequência de um tiroteio. No entanto, a investigação sobre o caso na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) reuniu provas de que, na realidade, os militantes da VPR foram detidos em lugares distintos e, posteriormente, torturados.

 

["Entre os assassinados existem pessoas inimagináveis a qualquer escritor de ficção. Pauline Philipe Reichstul, presa aos chutes como um cão danado, a ponto de se urinar e sangrar em público, teve anos depois o irmão, Henri Philipe, como presidente da Petrobras." - Urariano Mota em "Soledad, a mulher do Cabo Anselmo", Blog da Boitempo, 18/10/2011.]


ANATÁLIA DE SOUZA MELO ALVES (1945-1973)

Anatália de Souza Melo Alves concluiu o científico no colégio estadual de Mossoró (RN), cidade onde residiu até novembro de 1968, quando se casou com Luiz Alves Neto. (...) Viveram também em Campina Grande (PB), Palmeira dos Índios (AL) e Gravatá (PE), onde foram localizados por agentes do DOI-Codi. Segundo informação policial, às 17h20 do dia 22 de janeiro de 1973, enquanto tomava banho sob a vigilância do agente policial Artur Falcão Dizeu, Anatália teria ateado fogo ao corpo e se suicidado com uma tira de couro. Entretanto, pelo que pode ser constatado nas fotos do laudo do Instituto de Polícia Técnica (IPT) de Pernambuco, Anatália colocou fogo apenas em seus órgãos genitais. No livro Dos filhos deste solo, Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio escrevem: "A versão de suicídio não convenceu os presos políticos da época. As queimaduras, inexplicadas, levaram-nos à suspeita de que Anatália teria sido vítima de violências sexuais, quando se encontrava psicologicamente abalada pelas torturas e pelo clima de terror nos cárceres de Pernambuco. Sua morte e as queimaduras na região pubiana seriam uma forma de impedir que ela denunciasse os responsáveis pelas sevícias".

MARIA AUGUSTA THOMAZ (1947-1973)


Em maio de 1973, os militantes do Molipo Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck Machado foram mortos no sul de Goiás, na fazenda Rio Doce, entre Rio Verde e Jataí, a 240 km de Goiânia. Maria Augusta tinha sido estudante da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiae, em São Paulo. 

RANÚSIA ALVES RODRIGUES  (1945-1973)

Ranúsia e outros três militantes do PCBR (Almir Custódio de Lima, Ramires Maranhão do Valle e Vitorino Alves Moitinho) foram mortos pelos órgãos de segurança do regime militar em 27 de outubro de 1973, no Rio de Janeiro. A cena para a legalização das execuções foi montada na praça Sentinela, em Jacarepaguá. Ramires, Almir e Vitorino aparecem totalmente carbonizados dentro de um Volkswagen, enquanto o corpo de Ranúsia jaz baleado, embora não queimado. 

SÔNIA MARIA DE MORAES ANGEL JONES  (1946-1973)

Sônia Maria era gaúcha de Santiago do Boqueirão e filha de um oficial do Exército. Morava no Rio de Janeiro e trabalhava como professora de português quando se casou com Stuart Edgar Angel Jones, militante do MR-8 - mais tarde, morto sob torturas e procurado incansavelmente pela mãe, a estilista Zuzu Angel, também morta por ação de agentes do poder público. 

MARIA LÚCIA PETIT DA SILVA  (1950-1972)

Maria Lúcia Petit da Silva e Bergson Gurjão Farias foram os únicos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia que tiveram, até agora, o direito de serem sepultados por suas famílias. Morta aos 22 anos de idade, Maria Lúcia foi sepultada pela família em Bauru (SP) em 16 de junho de 1996. Estava desaparecida desde 1972. Cursou o primário, o ginasial e os dois primeiros anos do curso normal em Duartina (SP), vindo a concluí-lo em São Paulo, no Instituto de Educação Fernão Dias, em 1968, quando participou do movimento estudantil secundarista. 

HELENIRA RESENDE DE SOUZA NAZARETH  (1944-1972)

Nascida na pequena cidade de Cerqueira César, próxima a Avaré, no interior paulista, Helenira mudou-se aos 4 anos para Assis, onde cresceu. (...) A primeira prisão de Helenira aconteceu em junho de 1967, quando escrevia nos muros da Universidade Mackenzie, na própria rua Maria Antônia, a frase: "Abaixo as leis da ditadura". Voltou a ser presa em maio de 1968, quando convocava colegas para uma passeata na capital paulista. (...) Um soldado, que pesquisava o local à sua procura, foi por ela abatido mortalmente com tiros de revólver 38. Ferida nas pernas, foi presa. Perguntaram-lhe onde estavam seus co. Respondeu que poderiam matá-la, pois nada diria. Então os milicos a assassinaram friamente. Seu corpo foi enterrado nas Oito Barracas, para onde foi transportado em burro.

LÚCIA MARIA DE SOUZA  (1944-1973)

Estudante da Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, Lúcia Maria participava do movimento estudantil como integrante do PCdoB. Era responsável pela impressão e distribuição do jornal A Classe Operária, no Rio de Janeiro, nos anos de 1969 e 1970, atividade que realizava junto com Jana Moroni, também desaparecida no Araguaia. (...) Dois helicópteros e um avião começavam a sobrevoar a área. No dia 24, Sônia (Lúcia Maria de Souza) e Manuel (Rodolfo de Carvalho Troiano) foram ao encontro dos dois que haviam levado o rapazinho. Não encontraram. À tarde, novamente Sônia e Wilson (elemento de massa) voltaram ao local de encontro. Recomendou-se que não fossem por um piseiro antigo, pois ali poderia haver soldados emboscados. Acontece que Sônia acabou indo pelo piseiro e, como decidisse caminhar descalça, deixou a botina no caminho. Quando voltou, não encontrou a botina. Pensou que fosse brincadeira de gente de massa. Chamou por um nome conhecido. Apareceu uma patrulha do Exército, que atirou nela, deixando-a ferida. Os soldados - segundo relatou gente de massa - perguntaram-lhe o nome. E ela respondeu que era uma guerrilheira que lutava por liberdade. Então, o que comandava a patrulha respondeu: 'Tu queres liberdade. Então toma...' - desfechou vários tiros e a matou. Wilson conseguiu escapar".

JANA MORONI BARROSO  (1948-1974)

Cearense de uma conhecida família de Fortaleza, Jana cresceu em Petrópolis (RJ), onde praticou escotismo, primeiro como "lobinha" e depois como "bandeirante". Concluiu naquela cidade o ensino médio e cursou até o quarto ano de Biologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde se integrou à Juventude do PCdoB. (...) Em vários outros depoimentos, no entanto, a versão é que Jana foi presa viva. Assim testemunhou um camponês que foi guia do Exército: "Nós chegamos no 'sapão' [helicóptero] na cabeceira do Caiano. Nós estávamos acampados de tardezinha, todo mundo na folha, quando vimos aquela mulher vir tomando chegada. Aí os soldados alvoroçaram para atirar e o sargento falou com os soldados: 'Não atira não, deixa ver quem é primeiro'. Todo mundo ficou em ponto de tiro. Agora, eu não, eu não fi cava em ponto de tiro. Ficava com a FAL de um jeito para não desconfiarem. Aí, ela chegou a uma distância como daqui àquele pauzinho ali. Aí pegaram e irradiaram para o comando de Pontão na mesma hora. Aí o 'sapão' veio e pegou ela. Botaram dentro de um saco e botaram o saco dentro de uma caixa, de uma jaula, não sei o que era, e trouxeram para Xambioá... Eu só vi ela essa vez... Era ela mesma. Eu vi sim. Eles me mostraram a fotografia dela. Eles me mostraram idêntica que está neste retrato aí. É fotografia dela, pura... Foi bem no fim. Agora, eu não sei se eles mataram ela, se prenderam. Só sei que ela foi pega à mão. Eu vi bem, com esses dois olhos, aqui. Ela veio pedindo por tudo mesmo, chorando mesmo. Ela já estava nua. Roupa toda rasgada. Estava vestida de maiozinho e uma blusinha. Estava toda desprevenida, já". Segundo depoimentos colhidos por Cyrene, Jana foi presa e levada para Bacaba, na rodovia Transamazônica, onde operava um centro de torturas. Segundo os moradores da região, na localidade também existe um cemitério clandestino. Conforme o relato de sua mãe, Jana teria sido amarrada praticamente nua e colocada dentro de um saco, que foi içado por um helicóptero. Isso teria ocorrido nas proximidades de São Domingos do Araguaia.

MARIA CÉLIA CORRÊA (1945-1974)

Nascida no Rio de Janeiro, Maria Célia era bancária e estudante de Ciências Sociais na Faculdade Nacional de Filosofia. Em 1971, como militante do PCdoB, foi viver na região do Araguaia, onde já se encontrava seu irmão, Elmo Corrêa, e sua cunhada, Telma Regina Cordeiro Corrêa, ambos também desaparecidos naquela guerrilha. (...) O processo traz ainda um recorte do jornal O Globo, do dia 2 de maio de 1996, em que Manoel Leal Lima declara que "um helicóptero aterrissou trazendo três prisioneiros - Antônio de Pádua, o Piauí, Luís René da Silva, o Duda, e Maria Célia Corrêa, a Rosinha. Um ofi cial ordenou que os presos, todos com os olhos vendados, saíssem do avião e andassem cinco passos em direção ao rio, com as mãos na cabeça. Em seguida, centenas de tiros foram disparados contra eles". Em função desse depoimento, os familiares pediram a interdição do local descrito por Manoel Leal Lima para promover a busca dos restos mortais de Maria Célia.

DINAELZA SANTANA COQUEIRO  (1949-1974)

Baiana de Vitória da Conquista, Dinaelza estudou em Jequié (BA), no Instituto Educacional Régis Pacheco, onde organizou o grêmio dos alunos. Em 1969, foi para Salvador cursar Geografia na Universidade Católica. (...) Sinésio Martins Ribeiro, guia do Exército na época, afirmou, em depoimento prestado em São Geraldo do Araguaia, em 19 de julho de 2001, que "ficou sabendo por Pedro Galego e Iomar Galego que a Mariadina(Dinaelza) foi presa no rumo da OP-1, dentro da mata; que quem prendeu ela foi o mateiro Manoel Gomes e entregou para o Exército; que segundo soube o depoente, ela foi levada para a casa do Arlindo Piauí para contar onde estavam os outros e outras informações; que ela não falou nada; que lhe contaram que ela era muito bruta, porque ela não respondia nenhuma das perguntas e também cuspiu nos doutores; que por isso mataram ela um pouco adiante da casa do Arlindo Piauí, dentro da mata [...]".

LUIZA AUGUSTA GARLIPPE  (1941-1974)

Luiza nasceu em Araraquara, no interior paulista, onde estudou até completar o ensino médio no Instituto de Educação Bento de Abreu (Ieba). Mudou-se então para São Paulo, onde cursou Enfermagem na USP, formando-se em 1964. (...) Segundo informações de seu irmão, Armando Garlippe Júnior, a última vez que os familiares a viram foi no início dos anos 1970. "Posteriormente, fomos perdendo contato. Não sabíamos onde ela estava. Pensávamos que ela pudesse estar presa. Às vezes, chegavam informações desencontradas sobre o seu paradeiro. Alguns diziam que ela estava no exterior, outros falaram que ela se encontrava no Nordeste. Só muito tempo depois fomos saber sobre o Araguaia. Na verdade, naquela época, a comunicação era difícil. As forças da repressão nos vigiavam". Sabe-se que sobreviveu ao ataque da manhã de Natal de 1973 e existem divergências a respeito da data de sua morte ou desaparecimento.

ÁUREA ELIZA PEREIRA  (1950-1974)

Áurea passou a infância com sua família na fazenda da Lagoa, no município de Monte Belo, no sul de Minas Gerais, da qual seu pai era administrador. Entre os 6 e os 14 anos, estudou no Colégio Nossa Senhora das Graças, em Areado, concluindo ali o curso ginasial. Mudouse em 1964 para o Rio de Janeiro, onde cursou o segundo grau no Colégio Brasileiro, em São Cristóvão. Aos 17 anos, prestou vestibular para o Instituto de Física da atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde pretendia se especializar em física nuclear. (...) Elio Gaspari, descrevendo o mecanismo de recompensas em dinheiro para quem matasse guerrilheiros, apresenta em A ditadura escancarada mais uma importante informação: "Adalberto Virgulino, que capturou a guerrilheira Áurea (Áurea Eliza Valadão), recebeu oitocentos cruzeiros e um maço de cigarros". O ex-militar contou ao procurador Adrian Pereira Ziemba ter visto a chegada, na base militar, de Áurea Eliza Pereira Valadão, 24 anos. [...] Conforme Ferreira, Áurea foi torturada durante todo um dia e uma noite. No dia seguinte, os militares a colocaram num helicóptero e ela nunca mais foi vista".

 DINALVA OLIVEIRA TEIXEIRA (1945-1974)


Conhecida no Araguaia como Dina, cercada de fama legendária, Dinalva era baiana de Castro Alves. Cursou o primário na Escola Rural de Argoim e mudou-se para Salvador, onde fez o ginasial no Instituto de Educação Isaías Alves, por onde também passaram Anísio Teixeira e Milton Santos. Completou o ensino médio no Colégio Estadual da Bahia e formou-se em Geologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 1968. (...) O relato de Studart sobre a morte de Dina acrescenta: "Levada para interrogatório em Marabá, permaneceu por cerca de duas semanas nas mãos de uma equipe de inteligência militar. Estava fraca, desnutrida, havia quase um ano sem comer sal ou açúcar. Por causa da tensão, fazia seis meses que não menstruava. No início de julho, o capitão Sebastião de Moura, codinome dr. Luchini (dr. Curió), retirou Dina. Levaramna de helicóptero para algum ponto da mata espessa, perto de Xambioá. Um sargento do Exército, Joaquim Artur Lopes de Souza, codinome Ivan, chefi ava a pequena equipe, três homens. [...]
- Vou morrer agora? - perguntou a guerrilheira.
- Vai, agora você vai ter que ir - respondeu Ivan.
- Eu quero morrer de frente - pediu.
- Então vira pra cá.
Ela virou e encarou o executor nos olhos. Transmitia mais orgulho que medo - relataria mais tarde o militar aos colegas de farda. Ele se aproximou da guerrilheira, parou a dois metros de distância e lhe estourou o peito com uma bala de pistola calibre 45. O tiro pegou um pouco acima do coração. O impacto jogou Dina para trás. Levou um segundo tiro na cabeça. Foi enterrada ali mesmo". Hugo Studart complementa, em novo pé de página: "Seu corpo foi inicialmente enterrado no local da execução. Em 1975 teria sido exumado e levado para a cremação em outro local".

SUELY YUMIKO KANAYAMA  (1948-1974)

Primeira filha de um casal de imigrantes japoneses, Suely nasceu em Coronel Macedo, no interior paulista. Aos 4 anos de idade, mudou-se com sua família para Avaré. Em 1965, foi morar na capital paulista, residindo em Santo Amaro, onde concluiu o curso colegial, em 1967, na escola Alberto Levy. (...) Hugo Studart registra, em A lei da selva, que ela teria sido fuzilada com mais de cem tiros, conforme narrativa de camponeses, indicando, como data da morte, sempre segundo o Dossiê Araguaia, janeiro de 1974. Segundo a reportagem "Yumiko, a nissei guerrilheira", publicada no Diário Nippak, de São Paulo, em 28 de julho de 1979, "Suely foi morta com rajadas de metralhadoras disparadas por diversos militares, que deixaram seu corpo irreconhecível. Foi enterrada em Xambioá e seus restos mortais foram posteriormente exumados por pessoas que não foram identifi cadas. Morreu aos 25 anos, dos quais 3 dedicados à guerrilha, em defesa da causa que acreditava justa - a liberdade".

TELMA REGINA CORDEIRO CORRÊA  (1947-1974)

Nascida no Rio de Janeiro, Telma era esposa de Elmo Corrêa e cunhada de Maria Célia Corrêa, igualmente desaparecidos no Araguaia. Foi estudante de Geografia em Niterói, na Universidade Federal Fluminense (UFF), de onde foi expulsa em 1968 pelo Decreto-Lei 477, por suas atividades no movimento estudantil. Militante do PCdoB, Telma foi deslocada para a região do Araguaia em 1971, juntamente com o marido, indo morar nas margens do rio Gameleira. Ali, era conhecida como Lia, e seu marido, como Lourival. (...) As últimas anotações de Lia registram palavras como 'estou nas últimas' e 'não aguento mais'. A letra já estava muito fraca, tremida, segundo um militar que leu o diário. Depois disso, nada mais escreveu".

WALQUÍRIA AFONSO COSTA  (1947-1974)

Pelas informações reunidas, Walquíria foi a mais duradoura entre todos os guerrilheiros mortos ou desaparecidos no Araguaia. Walk, como era chamada pela família, era mineira de Uberaba. (...) O ex-colaborador da instituição Sinésio Martins Ribeiro lembrou, em depoimento ao Ministério Público Federal, prestado em São Geraldo do Araguaia, em 19 de julho de 2001, "[...] que viu a Walquíria viva dentro da base de Xambioá; que a Walquíria contou aos militares que estava com o Osvaldão quando este foi morto; que a mesma perdeu a espingarda nesta vez, pois a mesma ficou enganchada num pau; [...] que na base de Xambioá viu ela ser levada por um soldado do Exército para o rumo do jatobá; que o 'carrasco' [sic] levava uma arma curta; que a arma era 'surda' e não se escutava o tiro; que atrás ia outro soldado levando uma lata grande de bolacha com cal virgem; que dias depois ele perguntou ao soldado por ela e teve como resposta 'já era', que esta resposta significava que tinha sido morta [...]".

IEDA SANTOS DELGADO  (1945-1974)

Carioca e afrodescendente, Ieda era advogada e, embora militante da ALN, conseguiu manter a vida em completa legalidade até ser presa em São Paulo, em 11 de abril de 1974, quando desapareceu. (...) Nesse período do regime militar, em que o desaparecimento se tornou regra sistemática nos órgãos de segurança, repetiram-se várias vezes episódios como esse em que, além do violento trauma trazido pelo desaparecimento, os familiares passaram a ser submetidos a verdadeiras operações de contrainformação e, muitas vezes, foram alvo de chantagem para obtenção de dinheiro em troca de informações que, em nenhum dos casos, se comprovaram verdadeiras.

ANA ROSA KUCINSKI SILVA  (1942-1974)

Ana Rosa Kucinski Silva era professora universitária, formada em Química, com doutorado em Filosofia. Casada com o físico Wilson Silva, trabalhava no Instituto de Química da USP. Os dois conciliavam trabalho e estudos com a militância política na ALN. (...) O relatório do Ministério da Marinha, enviado em 1993 ao Ministro da Justiça, Maurício Corrêa, confirmou que Wilson Silva "foi preso em São Paulo em 22/4/1974, e dado como desaparecido desde então". Na ficha de Wilson Silva, no arquivo do Deops, consta que ele foi "preso em 22/4/1974, junto com sua esposa Rosa Kucinski".

JANE VANINI  (1945-1974)

Nascida em Cáceres, no Mato Grosso, Jane estudou no Colégio Imaculada Conceição, em sua terra natal, até se mudar para São Paulo, em 1966, onde cursou Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP). (...) Quando a polícia chegou, Jane resistiu sozinha durante quatro horas. Os agentes policiais, que não esperavam reação, chegaram a pensar que ali estivessem muitos guerrilheiros. Pediram reforços, até que Jane foi ferida e presa. Na casa, ela deixou um bilhete para Pepe com os dizeres: "Perdóname mi amor, fue un último intento por salvarte".

NEIDE ALVES DOS SANTOS  (1944-1976)

Nascida no Rio de Janeiro, Neide Alves dos Santos era ligada a Hiran de Lima Pereira, membro do Comitê Central do PCB. Seu nome não constava de nenhuma lista de mortos e desaparecidos políticos. Foi o trabalho da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) que possibilitou elucidar mais uma morte decorrente de torturas aplicadas pelos órgãos de segurança do regime militar. (...) Em seu voto pelo deferimento, Luís Francisco enfatizou dois aspectos importantes. O primeiro era que os registros da Medicina Legal apontam como muito raro o "suicídio de mulher mediante fogo posto às vestes".

ZULEIKA ANGEL JONES (1923-1976)

"Se algo vier a acontecer comigo, se eu aparecer morta, por acidente, assalto ou qualquer outro meio, terá sido obra dos mesmos assassinos do meu amado filho." O trecho da carta escrita em 23 de abril de 1975 pela estilista Zuleika Angel Jones, conhecida como Zuzu Angel, e entregue ao compositor Chico Buarque e outros amigos, representou uma verdadeira premonição a respeito de sua morte um ano depois. Zuzu Angel morreu em 14 de abril de 1976 num acidente automobilístico na saída do túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro. A suspeita de que o acidente tivesse sido provocado surgiu imediatamente em todas as pessoas bem informadas sobre o que era o aparelho de repressão política do regime militar. (...)

MARIA AUXILIADORA LARA BARCELLOS (1945-1976)


Em 1o de junho de 1976, Maria Auxiliadora atirou-se nos trilhos de trem da estação de metrô Charlottenburg, em Berlim Ocidental, na Alemanha, e teve morte instantânea. Conhecida pelos amigos como Dora ou Dorinha, ela havia sido presa sete anos antes, no dia 21 de novembro de 1969, juntamente com seus companheiros da VAR-Palmares Antônio Roberto Espinoza e Chael Charles Schreier, na casa em que moravam no bairro do Méier, no Rio de Janeiro. Os três foram torturados no quartel da Polícia do Exército, na Vila Militar. Chael foi morto em menos de 24 horas. Vítima de cruéis torturas, Dora passou pelos presídios de Bangu, no Rio de Janeiro, e Linhares, em Juiz de Fora (MG). Foi banida e enviada para o Chile com outros 69 presos políticos em 13 de janeiro de 1971, no episódio do sequestro do embaixador suíço no Brasil. Nunca mais conseguiu se recuperar plenamente das profundas marcas psíquicas deixadas pelas sevícias e violências de todo tipo a que foi submetida. Durante o exílio, registrou, num texto com tons literários, suas difíceis memórias: "Foram intermináveis dias de Sodoma. Me pisaram, cuspiram, me despedaçaram em mil cacos. Me violentaram nos meus cantos mais íntimos. Foi um tempo sem sorrisos. Um tempo de esgares, de gritos sufocados, um grito no escuro".

(...)


THEREZINHA VIANA DE ASSIS  (1941-1978)

Therezinha estudou em Aracaju, sua cidade natal, e concluiu o curso de Economia na Universidade Federal de Sergipe. Mudou-se então para Belo Horizonte, onde trabalhou na Caixa Econômica Federal. Foi presa e torturada em 1972 e, ao ser libertada um ano depois, exilou-se no Chile, onde fez curso de especialização na Universidade de Santiago. Lá, tornou-se militante do Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR). (...) E, antes de se sentir seguida, estava gostando muito de Amsterdã. De repente, ela ficou sabendo que se tratava da polícia secreta do Chile. Quanto aos outros, não chegou a saber. Morreu em fevereiro de 1978, com 36 anos de idade. Documentos juntados ao processo da CEMDP, como a certidão com informações da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e cópias de páginas do Dossiê dos Mortos e Desaparecidos, comprovam sua militância política.

MÓNICA SUSANA PINUS DE BINSTOCK  (1953-1980)

Mónica Susana integrava o Movimiento Peronista Montoneros, organização de resistência armada à ditadura militar argentina (1976-1983). Em 12 de março de 1980, ela e Horacio Domingo Campiglia, também montonero, voltavam do exílio para a Argentina. Usando passaportes falsos, haviam saído da Cidade do México na véspera, num voo da empresa aérea venezuelana Viasa, que fazia conexão em Caracas com um voo da Varig rumo ao Rio de Janeiro. Na capital fluminense, no aeroporto do Galeão, foram sequestrados. (...)

LILIANA INÉS GOLDEMBERG  (1953-1980)

Filha de profissionais bem estabelecidos, cursava o segundo ano de Psicologia na Universidade de Buenos Aires e trabalhava como secretária no Hospital da Criança da capital argentina quando abandonou a vida legal em função da militância política. (...) Em 1980, Liliana e seu companheiro, Eduardo Gonzalo Escabosa, codinome "Andrés", regressavam à Argentina (a exemplo de muitos montoneros no exílio que foram engajados numa contraofensiva programada pela organização para enfrentar a ditadura argentina) quando foram encontrados pelas forças de repressão brasileira e argentina. (...) Assim que perceberam ter caído numa cilada, Lílian e Eduardo se ajoelharam diante de um grupo de religiosos que estava a bordo e gritaram que eram perseguidos políticos e preferiam morrer ali a serem torturados. Em seguida abriram um saco plástico, tiraram os comprimidos e os engoliram bebendo a água barrenta do rio Paraná. Morreram em trinta segundos, envenenados por uma dose fortíssima de cianureto".

LYDA MONTEIRO DA SILVA  (1920-1980)

Às 13h40 do dia 27 de agosto de 1980, no Rio de Janeiro, Lyda Monteiro da Silva morreu ao abrir uma carta-bomba. Ela era diretora da Secretaria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ocupava a função de secretária da Comissão de Direitos Humanos da entidade. A correspondência era endereçada ao presidente do Conselho Federal da OAB, Eduardo Seabra Fagundes. Lyda faleceu no mesmo dia, não resistindo aos ferimentos causados pelo atentado. Seu enterro, no cemitério São João Batista, foi presenciado por uma multidão de 4 mil pessoas, consternadas com a brutalidade do atentado. (...)

SOLANGE LOURENÇO GOMES  (1947-1982)

Paulista de Campinas, Solange Lourenço Gomes vivia no Rio de Janeiro, onde fez o curso clássico no Colégio Andrews e começou a estudar Psicologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1966. Participou de grupos de estudo sobre marxismo naquela faculdade e manteve, por algum tempo, ligações com o PCBR. (...)  Em 1o de agosto de 1982, Solange atirou-se da janela de seu apartamento, no terceiro andar da rua Barão da Torre, no Rio, vindo a falecer no hospital Miguel Couto. Embora a data de sua morte seja muito posterior ao episódio da prisão e dos maus-tratos sofridos nos órgãos de segurança do regime militar, a CEMDP considerou comprovado que o suicídio decorreu dos traumas irreversíveis sofridos em 1971.

***

Todos os perfis e circunstâncias dos acontecimentos aqui relatados foram resumidos. A leitura completa de cada relato pode ser feita em "Mulheres presas, torturadas, desaparecidas ou assassinadas pela ditadura militar" - GGN - O Jornal de Todos os Brasis - de SAB, 29/03/2014

 

(*)Fernando Soares Campos é escritor, autor de "Fronteiras da Realidade - contos para meditar e rir... ou chorar" - Chiado Editora - Portugal - 2018.     

 

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