Espião confessa que Telecom pagou 10 Milhões de Euros em propina no Brasil

O maior escândalo internacional da telefonia, cujo principal personagem é a Telecom Itália, teve mais um capítulo desvendado pela Justiça Italiana, onde o Brasil foi palco mais uma vez de ações cinematográficas de espionagem, suborno, corrupção, etc.

Até mesmo o personagem James Bond, um agente secreto britânico fictício conhecido pelo código 007, interpretado pelo ator Sean Connery, teria inveja dos espiões do escândalo da telefonia envolvendo a Telecom Itália, tamanha a ousadia e destemor dos seus participantes. James Bond é um “inocente” se comparado a eles.

Mês passado, Fábio Ghioni, um dos espiões da Telecom Itália, confirmou em depoimento à Justiça italiana que a empresa derramou 120 milhões de Euros, em atividades supostamente ilegais, para dominar o mercado da telefonia no mundo.

No Tribunal de Justiça de Milão, na Itália, em 5 de março passado, Fábio Ghioni disse à juíza Mariolina Panassiti que dos 120 Milhões de Euros, 10 Milhões foram destinados ao Brasil. Ghioni é acusado de ter comandado o Tiger Team, braço tecnológico da rede de espionagem da Telecom Itália.

O processo tramita na Justiça de Milão em defesa dos acionistas da empresa e tem a finalidade de apurar o que motivou os pagamentos das propinas, além do destino do dinheiro desviado da Telecom Itália.

Qualificado como então executivo da Telecom Itália, Fábio Ghioni, na verdade, foi um espião especialista em estratégias e tecnologias não convencionais de segurança, e apontado, principalmente, como responsável por todo aparato de interceptações de informação da empresa telefônica italiana.

Em 26 de janeiro deste ano, o Pravda publicou matéria do seu correspondente no Brasil, jornalista Antonio Carlos Lacerda, com o título “Governo da Itália facilitou entrada de euros no Brasil para corromper políticos e agentes federais”.

A matéria revelou que “uma mala lotada de euros, escoltada por agentes do serviço secreto italiano, entrou sem ser revistada no Brasil, em 2004, para comprar um senador, policiais federais, especialistas em espionagem e contaminar com vírus informáticos os computadores das gigantes da telefonia do Brasil”.

A informação está no primeiro depoimento que Fábio Ghioni, prestado no Palácio da Justiça, em Milão, em 15 de novembro de 2007, ao procurador da República Nicola Piacente e ao carabinieri sub-oficial Vincenzo Morgera, envolvendo dezenas de brasileiros no escândalo da telefonia no Brasil.

Ainda na reportagem do Pravda, edição de 26 de janeiro deste ano, segundo Fábio Ghioni, “Para garantir que a mala de Euros entrasse no Brasil sem que fosse revistada pelas autoridades alfandegárias, o pessoal da Telecom Itália chegou escoltado por agentes do Servizio per le Informazioni e la Sicurezza Militare (Sismi), órgão do Governo da Itália, que atualmente mudou de nome para Aise”.

A reportagem finaliza dizendo que o próprio primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, declara no bojo do processo que as informações a respeito da rede de espionagem montada pela Telecom Itália, compartilhadas com o governo italiano, “são segredo de Estado”.

Em seu depoimento, prestado no curso do Procedimento Penal 9.633/08, do Tribunal de Milão, Fábio Ghioni afirmou que entre as pessoas subornadas pelo esquema de espionagem montado pela Telecom Itália estão policiais federais e políticos brasileiros.

Segundo ele, policiais federais receberam propina da empresa para prestar serviços de segurança particular, no Brasil, a espiões italianos, e também para inserir, numa operação da própria Polícia Federal dados para favorecer os interesses da Telecom Itália.

O foco principal das acusações de Fábio Ghioni é Marco Tronchetti Provera, maior acionista individual da Pirelli, ex-controlador da Telecom Itália de 2001 e 2006.

Ghioni acusa Provera de ter total controle das atividades ilícitas de espionagem, sobretudo no Brasil, e de ter gastado milhões de Euros nessas práticas heterodoxas, obviamente sem avisar aos acionistas.

Em depoimento à Justiça de Milão, em 17 de março passado, Provera negou as acusações. Provera negou que, durante a sua gestão, a área de segurança da Telecom Itália tenha montado uma rede de grampos ilegais e de suposta corrupção, com operação, sobretudo no Brasil.

Entretanto, mesmo sem exibir provas materiais, Ghioni sustentou na Justiça que Provera teve acesso até ao primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, na tentativa de obter dele verbas para esses serviços de espionagem que, segundo ele, “defendiam interesses italianos no exterior”.

Conhecido como “Sombra Divina”, Ghioni era o responsável pelo grupo de hackers da Telecom Itália, e teria manipulado dados roubados da Kroll Associates, maior empresa privada de investigações em todo o mundo, para “vitaminar” informações contra o empresário Daniel Dantas, do Banco Opportunity.

Dantas é acusado de contratar a Kroll para espionar as atividades de dirigentes da Telecom Itália, que travava com o Opportunity uma disputa pelo controle da Brasil Telecom, empresa em que os dois grupos empresariais eram sócios.

Ao espionar a Telecom Itália, a Kroll acabou atingindo astros de primeira grandeza da constelação do Partido dos Trabalhadores (PT), ocupantes de altos cargos no governo federal, como os ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken.

No final do ano passado, a juíza Adriana Freis Leben de Zanetti, da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, que tem a cargo o processo por espionagem do Opportunity contra a Telecom Itália, decidiu suspender a ação no Brasil até receber da justiça italiana informações sobre as investigações que estão sendo feitas na Itália.

Ghioni é acusado de ter comandado o Tiger Team, braço tecnológico da rede de espionagem da Telecom Itália e, no depoimento que prestou à Justiça de Milão em 5 de março passado, Fábio Ghioni sustentou, em síntese, cinco pontos polêmicos, a saber:

01) A Polícia Federal do Brasil “foi usada como agência de investigação privada” durante a guerra das teles;

02) A Telecom Itália “hackeou” os arquivos produzidos pela Kroll, no Brasil, e entregou esse “CD hackeado e fraudado para a Polícia Federal”;

03) A Polícia Federal seria “paga e um dos capos era um dos principais contatos do Jannone e esta pessoa era paga por Bernardini”;

04) A “invasão ao sistema da Kroll custou 250 mil Euros, que Bernardini pagou via uma conta que tinha em Lugano, na Suíça”;

05) “políticos e autoridades foram corrompidos pela Telecom Itália no Brasil”.

As duas pessoas às quais Fábio Ghioni se refere são Marco Bernardini e Angelo Jannone. Bernardini, um ex-agente do serviço secreto italiano, tornou-se detetive particular, prestador de serviços à Telecom Itália e é tido como uma das principais testemunhas no processo contra a empresa, tendo sustentado na Justiça de Milão que a operadora “pagava a políticos e também à polícia brasileira”.

Angelo Jannone, um ex-carabinieri, foi chefe de segurança da Telecom Itália para a América Latina, e teria trazido ao Brasil o CD “vitaminado” com as informações da Kroll para supostamente entregá-lo à Polícia Federal.

Fábio Ghioni, Giuliano Tavaroli e Angelo Jannone, “ex-executivos” da Telecom Itália, foram denunciados pelo Ministério Público de Milão, com outros 31 envolvidos no caso, por violar sistemas de informática e fazer escutas ilegais contra pessoas na Itália e no exterior em nome da Telecom Itália. O grupo de espiões da Telecom Itália foi batizado de Tiger Team.

O Tiger Team era um grupo especial do setor de segurança da Telecom Itália, com a missão de pavimentar a expansão da ex-estatal italiana no mundo. As interceptações eletrônicas no Brasil duraram de 2003 a 2005, no universo da disputa entre a Telecom Itália e o Banco Opportunity pelo controle acionário da Brasil Telecom.

As notícias da Itália dão conta de que o grupo conseguiu grampear a imprensa italiana, entrou nos computadores da CIA e da Kroll, de onde sacou a investigação contra ele, acrescentou o material que lhe interessava e entregou à imprensa brasileira como uma prova da desonestidade de Daniel Dantas.

O Tiger Team contava com figuras de proa da espionagem italiana. Angelo Jannone foi tenente-coronel do corpo de carabinieri, trabalhou ao lado do juiz Giovanni Falcone na luta contra a máfia siciliana, se fez chefe do setor antifraudes da Telecom Itália para a América Latina e residiu no Brasil em 2004.

Marco Bernardini era dono de uma empresa de investigações, foi contratado pelo grupo italiano, mas ao se tornar réu aderiu a um programa de delação premiada e se tornou a principal testemunha do Ministério Público italiano no inquérito sobre a rede de espionagem clandestina e subornos da Telecom Itália no mundo.

Fabio Ghioni era o “hacker de primeira linha” do trio, foi interrogado, pela primeira vez, no Palácio da Justiça, em Milão, em 15 de novembro de 2007, na presença do procurador da República Nicola Piacente e do sub-oficial carabinieri Vincenzo Morgera.

No Brasil, a Telecom Itália é dona da operadora de telefonia celular TIM, em parceria com o Citibank, foi acionista da Brasil Telecom, dos fundos de pensão de estatais (Previ, Petros e Funcef) e do Grupo Opportunity do banqueiro Daniel Dantas.

Em 2005, os fundos de pensão, em acordo com o Citibank, conseguiram destituir o Opportunity da administração da Brasil Telecom, sendo selecionada a consultoria Angra Partners para gerir a BrT.

Em 2004, a Polícia Federal deu início à Operação Chacal, que investigou suposta atividade ilegal da Kroll no Brasil, por encomenda de Daniel Dantas. Além do trabalho oficial da Polícia Federal, a Kroll foi alvo também de uma série de ações de espionagem promovidas pela Telecom Itália. Numa delas, em um hotel no Rio, invadiram o computador de um deles e roubaram vários arquivos, que depois foram selecionados e gravados em um CD entregue à PF.

Em 6 de novembro de 2007, Giuseppe Ângelo Jannone, o homem que denunciou a Kroll de fazer espionagem no Brasil, foi preso na Itália por fazer espionagem. Junto com Jannone, foram presos Alfredo Melloni e Ernesto Preatoni, dois técnicos de informática que trabalhavam no setor de segurança da matriz da Telecom Itália. Era outro núcleo duro do Tiger Team.

No seu depoimento à Justiça de Milão, Fabio Ghioni disse, entre outras coisas, o seguinte:

Dinheiro:- “Para o episódio da Kroll era necessário também o pagamento de colaboradores, em modo extra-empresarial, digamos. O dinheiro servia também para pagar investigadores privados, para o pagamento de consultores, digamos não convencionais, e havia muitos destes na América Latina, para pagar informantes e oficiais de Polícia Judiciária na América Latina".

“Somas eram destinadas a remunerar as atividades não convencionais, ou seja, aquelas ilícitas, fora do conhecimento, digamos, das normais linhas de orçamento, e, portanto, não poderiam estar previstas nessas normas de orçamento”.

Escolta da Polícia Federal:- “No Brasil delineava-se uma situação extremamente violenta contra a Telecom Itália, e eram empregados oficiais da Polícia Federal e tudo o mais para fazer investigações sobre os inimigos, digamos, da Telecom Itália...por exemplo, todas as vezes que íamos ao Brasil tínhamos a escolta da Polícia Federal que atuava, digamos, em forma privada”.

Invasão de computadores com vírus:- “Nestes casos, para esconder quem é o verdadeiro alvo, em caso de averiguação de atividade, digamos não-convencional ou ilícita, escolheu-se uma série de pessoas... e enviou-se para todos o mesmo vírus, aquele que depois foi chamado de “animaletto”, que é um vírus, um Troyan, que permite adquirir todas as informações de um computador...foi mandado para sete ou oito pessoas”.

Kroll:- “A Kroll é uma multinacional, é a empresa mais importante no mundo nas investigações privadas, trabalha para empresas e para particulares, para resolver problemas e, além disso, trabalha, também, para o Departamento de Estado americano, com fornecimento de pessoal no Iraque, justamente de controle e vigilância, como eu fazia anteriormente”.

“A Kroll foi paga pelo Fundo Opportunity de Daniel Dantas para fazer frente a uma disputa que havia entre Telecom Itália e o Fundo Opportunity, em relação à titularidade de algumas ações da Brasil Telecom. Para desmoralizar Tronchetti Provera...”

“As informações que a Kroll adquiriu serviriam ou para denunciar eventuais crimes da Telecom, no local, ou para levar o presidente Tronchetti Provera para a mesa de negociações com algum material potencialmente intimidatório contra ele...”

“Eles usavam métodos extremamente não convencionais, desde corrupção de dirigentes, furtos de discos rígidos das nossas sedes, corrupção de agentes da polícia local, no Brasil em particular, a invasão informática”.

Fornecimento de dados ilegais para a Polícia Federal:- “O que sei é que foram realizadas algumas ações que levaram à investigação e à prisão de todos os agentes da Kroll no Brasil, utilizando como evidência os documentos que havíamos adquirido anteriormente, mais os documentos que Jannone havia adquirido através de um investigador – do qual não lembro o nome que, no entanto, está nos registros – que eu encontrava frequentemente em Miami, e depois, com a atividade de Bernardini porque este, de qualquer maneira, estava no Brasil a maior parte do tempo”.

Remuneração de policiais brasileiros:- O juiz perguntou, então, a Fábio Ghioni: “Com referência a esta atividade, o senhor descreveu as atividades de invasão informática, mas também eram utilizadas somas para remunerar os pertencentes às forças da polícia, por esta operação destinada à prisão dos funcionários da Kroll?

Fábio Ghioni disse ao juiz: “Sim, sim, funcionários da polícia. No Brasil funciona de um modo um pouco particular, pelo que eu pude ver, então, digamos que a polícia deve ser amiga, para permitir que se faça um certo tipo de operação”.

ANTONIO CARLOS LACERDA

PRAVDA Ru BRASIL

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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