Quem foi Tancredo Neves

Os brasileiros têm o péssimo costume de transformar em heróis pessoas que em vida pouco fizeram para merecer essa distinção.

Essa característica é ainda mais visível na classe política. Os ditadores de ontem se transformam nos democratas de hoje.

Ninguém mais que Tancredo Neves representa esse tipo de comportamento dos brasileiros que se recusam a analisar o que fez esse político em especial, preferindo prantear sua morte como  a de um amigo pessoal e não de um agente público.

Tancredo Neves (1910/1985) foi um político sempre foi fiel à tradição de moderação da oligarquia mineira, uma das forças responsáveis pela continuidade no Brasil de uma longa política de segregação social.

A exceção de um curto período, durante o segundo Governo Vargas, quando como Ministro da Justiça de Getúlio, pareceu ter incorporado a postura nacionalista do Presidente (seu discurso junto ao túmulo de Vargas em São Borja é uma prova disso), Tancredo logo retomou a sua linha de moderação, influindo negativamente no processo das lutas democráticas no Brasil.

Em 1961, quando os militares golpistas quiseram impedir a posse de Jango, provocando a reação da Legalidade, aceitou o papel de agente dos militares para negociar com João Goulart o arremedo de um regime parlamentarista, no momento em que o movimento popular comandado por Brizola ameaçava revolucionar o País.

Aliás, Brizola percebeu claramente isso e pretendeu prender Tancredo, quando seu avião que vinha de Montevidéu, onde conversara com Jango, pousasse em Porto Alegre. Avisado desse intento, Tancredo voou direto para Brasília.

Quando do fim da longa ditadura militar, embora formalmente tenha apoiado o movimento das Diretas Já, negociou com alguns segmentos militares (principalmente com o grupo de Geisel) a alternativa da eleição indireta e o compromisso de impedir que fossem esclarecidos os crimes da ditadura.

Derrotada as Diretas Já, surgiu como candidato da oposição, mas também de segmentos civis que apoiaram a ditadura (Sarney e ACM) e dos militares mais moderados, para derrotar o candidato oficial da Ditadura, Paulo Maluf.

Eleito indiretamente pelo Congresso, não pode assumir por causa de uma grave doença que levou à morte no dia 21 de abril.

Sua longa agonia e a coincidência da morte no dia de Tiradentes, criaram todos os elementos emocionais para o transformar num herói nacional, quase um santo, com todo mundo querendo esquecer seu passado pouco recomendável como político.

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 

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