Estatuto do Desarmamento na mira do Congresso?

Estatuto do Desarmamento na mira do Congresso?

Com a onda de insegurança que assola o país, o Congresso Nacional está elaborando um pacote de medidas sobre a área de segurança pública, que tende a ser votado ainda no primeiro semestre de 2018. Dentre as mudanças previstas encontra-se a alteração da lei 10.826/03, no intuito de garantir o acesso legal às armas de fogo pela população civil. Diferente do que alega a histeria desarmamentista, não se trata, em absoluto, do fim do Estatuto do Desarmamento.

            Entre os principais opositores das mudanças na legislação de armas encontram-se ONG´s que recebem volumosos financiamentos internacionais, mas que, mesmo assim, julgam terem crédito suficiente para denunciar o "lobby das armas". Contudo, para além do alegado lobby, existe a vontade soberana da população brasileira, claramente demonstrada no referendo de 2005, que rejeitou a proibição do comércio legal de armas e munições.

            Alega-se, entretanto, que o comércio de armas segue em atividade no país, o que é parcialmente verdadeiro. Em tese, a legislação atual permite a posse e o porte de armas a todos os cidadãos que cumpram com os critérios definidos na lei; ocorre que a decisão final cabe ao agente federal que analisa o pedido, o que tem causado inúmeros indeferimentos com base na chamada "declaração de efetiva necessidade", o único critério subjetivo presente na referida legislação. Nesse sentido, mesmo que o postulante cumpra rigorosamente todos os requisitos previstos em lei, a solicitação de compra pode ser sumariamente negada de acordo com a interpretação do agente federal responsável por analisá-la. Desse modo, cria-se uma absoluta insegurança sobre o direito de aquisição legal de uma arma de fogo. Tal arbitrariedade, inclusive, levou o Ministério Público Federal (MPF-GO) a ajuizar ação civil pública contra a União,questionando as regulamentações ilegais que impedem a aquisição e o registro de armas (http://www.mpf.mp.br/go/sala-de-imprensa/noticias-go/mpf-ajuiza-acao-civil-publica-contra-regulamentacoes-ilegais-que-impedem-aquisicao-e-registro-de-armas-de-fogo).

            As mudanças no Estatuto do Desarmamento que estão sendo discutidas na Câmara e no Senado visam, sobretudo, estabelecer critérios unicamente objetivos para o comércio legal de armas, sendo mantida, em todos os projetos, a obrigatoriedade de avaliação psicológica e capacidade técnica para o manuseio de armas, bem como a checagem de antecedentes criminais dolosos. Isso, por si só, demonstra que não existe nenhuma tentativa de "liberação indiscriminada de armas". Em verdade, na história recente do Brasil, o mais próximo de uma "liberação de armas" ocorreu durante a anistia de 2009, que almejou a regularização de armas sem registro, na ocasião bastava a mera declaração de origem lícita da arma, não sendo exigido nenhum teste de aptidão psicológica, capacidade técnica e nem mesmo negativa de antecedentes criminais. Após a citada anistia, a Polícia Federal contabilizava quase 9 milhões de armas legalizadas (8.974.456), sendo que no início de 2018 permaneciam em situação regular apenas 646.127, ou seja, exatas 8.328.329 armas, em tese, fugiram do controle do Estado, dado a exigência da renovação periódica de registros de posse.

            Ao que tudo indica, as negociações em andamento no Congresso afetarão apenas a posse e não o porte de arma de fogo. Em outras palavras, a tentativa de adequar a legislação vigente será no sentido de garantir o direito de compra aos postulantes que cumpram os critérios objetivos da lei. Sendo assim, os novos proprietários de armas terão o direito de mantê-las no interior de sua residência ou local de trabalho, permanecendo absolutamente restrito o direito ao porte, que permite a circulação da arma junto ao seu proprietário. De modo geral, o Estatuto do Desarmamento necessita de várias adequações, uma vez que, enquanto lei penal trata-se de verdadeira aberração. Apenas, a título de exemplo, vale mencionar o inciso IV do artigo 16, o qual equipara qualquer arma com numeração suprimida a uma arma de uso restrito das Forças Armadas. Assim, na prática, o indivíduo que possui uma garrucha calibre 22 com numeração raspada comete exatamente o mesmo crime daquele que possui um fuzil ou uma metralhadora antiaérea, revelando-se aí, seguramente, uma desproporcionalidade absurda.

 

Prof. Dr. Josué Berlesi, historiador, docente na UFPA.

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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