"Mensalão" petista: da ópera bufa do Jefferson à inocentabilidade dos condenados

"Mensalão" petista: da ópera bufa do Jefferson à inocentabilidade dos condenados

  

por Fernando Soares Campos(*)

 

 

Os paradoxos e a verdade 

 

Creio que, em determinados casos, aquilo que um tribunal de exceção mais teme é exatamente que o réu fale a verdade. Sei que é estranho alguém afirmar tão aparente disparate, porém, se pararmos pra pensar, talvez isso não reflita contrassenso, mas, sim, tão somente um paradoxo.

 

Vou tentar esclarecê-lo.

 

Tive um amigo em Minas Gerais, companheiro de labuta, com quem me associei num pequeno empreendimento. Andávamos pelo interior do Estado vendendo determinada mercadoria em pequenos estabelecimentos comerciais. Certo dia, depois do almoço em modesta lanchonete, ele me confidenciou que já fora "bandido" e me contou algumas de suas aventuras no submundo do crime. Entretanto, quase nenhuma daquelas histórias me surpreendeu, considerando o desenrolar dos fatos, as tramas e as habilidades (malandragens) para se livrar de flagrantes delitos; era tudo muito verossímil, como nos romances policiais. Entretanto, certo detalhe em uma de suas histórias me levou a pensar cada vez mais no disparate (ou paradoxo) que expus acima.

 

Meu companheiro me contou que já havia "trabalhado" no ramo de compra e venda de dinheiro falso (redundância?!). Disse que os lucros eram fabulosos e que tudo estava indo muito bem, pois seus comparsas nos âmbitos das polícias civil e militar lhe davam cobertura e garantiam que estavam amparados por coniventes elementos no Judiciário. Mas ele afirmou que tinha consciência de que, mesmo nessas condições, um dia a casa cai, portanto tratou de amealhar considerável patrimônio, a fim de assegurar o sustento da sua família, caso "perdesse pros homens" numa parada sinistra, o que realmente aconteceu. E foi aí que a porca torceu o rabo.

 

Submetido a interrogatório em uma delegacia, identificou entre seus inquisidores alguns de seus próprios parceiros da quadrilha em que atuava, os quais, segundo ele, eram os mais enérgicos na condução dos trabalhos de investigação. Em alguns momentos, eles explodiam coléricos, esbofeteando e espancando-o sob uma sucessão de pergunta aos berros: "Quem são seus parceiros?!", "Onde eles estão?!", "Quem fornece o dinheiro falso?!", "Onde é a oficina de fabricação da muamba?!", "Fala!".

 

E tome bordoadas e perguntas.

 

Meu amigo me falou que, em determinado momento, teve vontade de dizer: "Porra, companheiros, fiquem frios! Tranquilizem-se! Vocês não precisam exagerar, eu não vou entregar ninguém!". Mas conteve-se, pois confiava no bom senso dos comparsas e entendia que, naquele teatro, eles saberiam estimar suas forças físicas e sua resistência emocional. E foi o que aconteceu.

 

Ele sabia que, se falasse a verdade, destruiria a todos, ou, pior, somente a ele. A todos porque, entre os seus parceiros diretamente coniventes, havia também os indiretamente conluiados com os colegas de trabalho, rabos presos por comportamentos baseados em suposta "ética corporativa", assim sendo, o mais provável é que somente ele fosse eliminado.

 

Acabei de me lembrar de Roberto Jefferson. Estranho...

 

Acredito que existem duas diferenças básicas entre Jefferson e o meu amigo: este é um ex-bandido, um indivíduo regenerado, que, quando na ativa, foi pego involuntariamente como bode expiatório, ou boi de piranha; enquanto Jefferson assumiu voluntariamente o papel de alcaguete, calculadamente, acreditando que usufruiria o benefício da "delação premiada", porém sem ser considerado "delator". Na prática, isso tem acontecido, mas ele rejeita a pecha de "dedo-duro" imputada por Roberto Civita, que fora o capo de tutti i capi no ramo mídia venal.

 

Roberto Jefferson é fluminense, nasceu em Petrópolis, mas conhece bem a alma carioca, principalmente dos guetos da malandragem e do submundo do crime. Ele sabe que, no Rio, o mais odiado vacilão é o alcaguete, xis-nove, dedo-duro. Nos mafiosos grupos organizados ou em meio ao caos da plebe bucha de canhão, ninguém os perdoa, muitos viraram cinza no "micro-ondas", pois a alcaguetagem é considerada, como o próprio Jefferson declara em postagem no seu blog, "coisa de canalha".

 

Porém, como não considerar alcaguete um sujeito que, bem antes de denunciar publicamente seus supostos companheiros, espalhou aos quatro cantos o boato de que eles estariam cometendo um crime? Sim, porque foi isso que o Jefferson fez: boatou por todo o Planalto Central que o governo Lula estaria comprando o apoio de parlamentares de sua própria base aliada. Durante alguns meses ele plantou o boato sobre aquilo que, ao deflagrar o golpe, declarou à imprensa que se tratava de uma substancial mesada que o governo pagava aos seus aliados, a fim de que eles votassem a favor de matérias de seu interesse, o que o jornal Folha de S. Paulo batizou de "mensalão".

 

Jefferson não tinha argumentos suficientes para atacar seu maior desafeto no Governo Lula, o ministro José Dirceu, pois suas investidas contra este se fundamentavam apenas em elementos de natureza pessoal: despeito, inveja e ódio pelo obstáculo que Dirceu representava para a realização de seus escusos projetos pessoais.

 

Porém bem sabemos que qualquer organização social ou antissocial estrutura-se sob uma escala hierárquica, assim sendo, Jefferson podia recorrer aos seus superiores no âmbito da sua atuação delinquente. E foi assim que se juntaram a fome e a vontade de comer.

 

Jefferson e seus comparsas, com o aval do capo de tutti i capi no ramo mídia venal, armaram o escândalo dos Correios, onde mantinham, em posto avançado, Maurício Marinho, o capataz que se prestou a encenar o papel de arrecadador de propina no varejo.

 

O teatro foi armado, a mídia teve acesso fácil à gravação do delito: Maurício Marinho recebendo os três mil reais, dando uma paradinha para a câmera "discreta" antes de embolsar a propina, falando claramente de Jefferson como sendo o grande chefe de um fabuloso esquema de corrupção.

 

Jefferson havia se entregado ao sacrifício, a mídia mafiosa veiculou insistentemente a gravação em que ele era apontado como corrupto-mor daquele esquema, uma falsa acusação da qual ele teria que se defender. Realmente não existia o tal esquema, afinal, já fazia muitos anos que Jefferson não se ocupava de ninharias, aquilo era coisa para um lump, um patifezinho qualquer do quinto escalão. No entanto, o motivo para atacar Dirceu fora plantado, e Jefferson o acusou de ter sido ele o autor da farsa e, em seguida, justificando-se pelo ódio que Dirceu lhe teria despertado, denunciou publicamente aquilo que antes insinuou e gerou boato em grupo restrito: o "mensalão".

 

 

"Os fernandos (drogas, tô fora!) e o Fernando do artigo abaixo"

 
por Raul Longo(**)

 

Sobre "fernandos" e Fernando Soares Campos


Eu não me ligo em numerologia, mas o nome Fernando precisa ser estudado.


Todo Fernando é profético ou genial! Vejam o Fernando Collor de Melo: avisou que ia caçar os marajás, e o que deu? A namorada do Paulo César Farias, por acesso incontido de ciúmes, suicidou-se sozinha por si própria mesma e, não contente com isso, depois de mortinha, tascou uma azeitona na nuca do PC, um marajá das Alagoas, além do próprio Collor, o Calheiros e outros poucos, mantidos para não extinguir a espécie.


Outro exemplo é o tal do Fernando Soares Campos, do reclame aí abaixo. Guardem o nome desse homem, porque é bicho perigoso! Tirado a Esopo, não é que o cabra desenredou mesmo o liame do tal mensalão, como diz aí, farroncando suas capacidades premonitórias!


Dou meu testemunho: eu vi e li com esses olhos que a terra há de comer! Até hoje ninguém chegou a comprovação alguma, nem mesmo depois de tantas CPIs, investigações da presta imprensa e da imprestável Polícia Federal, auditorias e ouvidorias civis e militares, e mais os Tribunais Supremos e Subalternos, sem contar o Arthur Virgílio e o Heráclito Fortes com aquele hipopótico corpanzil de goleiro e os rosnares do ACMezinho, que, coitadinho, acabou fugindo aos ganidos para debaixo das pernas do Álvaro Dias. Pois esse Fernando tinhoso já tinha, lá na boca da bucha, o tal e qual como foi e seria-se-não-fosse. Um Fernando desses é ou não é um risco a ser considerado?


Mas gênio vero é o Fernando Henrique Cardoso, que um vizinho fanho insiste em chamar de Cagoso, com todo respeito. E há que se respeitar mesmo, pois quem, além da erudição Fernândica, haveria de deslindar a razão do fato e o fato da razão? Depois que Colombo pôs o ovo em pé, todo mundo acha fácil concluir que só poderia mesmo ter sido o próprio Lula que dizia não saber o que nem poderia saber mesmo, já que não houve, como henriquianamente agora declara Feagacê, demonstrando tratar-se tudo de mero escândalo armado pelo próprio Luís Ignácio.


Vejam vocês: um mero chiste, simples brincadeirinha entre colegas do ingênuo Bob Jeff a inventar lobos, só para verem o eriçar dos velos, e o exagero do cabeça-chata já arma toda uma fuzarca. Chama a imprensa, convoca a mídia, derruba avião, promove o maior banzé por Brasis afora, fazendo do sutil trinado jéffirco uma ópera bufa com o intuito de aparecer, mostrar a cara na capa da revista moralista, entre os pecados da vedete.


Jogada igual a dos baianos tropicalistas quando promoviam escândalos em festivais para alcançarem o primeiro lugar nas paradas de sucesso. E o pior é que deu certo! Tá aí: o apedeuto tinha 80 e tantos por cento de aprovação de seu governo, em meio a uma crise mundial que o chamava de O Cara, enquanto que, na verdade, tudo o que fez foi aproveitar da boa-fé de seus companheiros de lide para, com o apoio do PIG, dar um golpe no Fernandão (o Cagoso, no dizer deficiente do vizinho), se colocando como vítima do que não aconteceu.


O que Lula não sabe é que o mestre tem sua larga experiência em salas de aula e conhece a mancada daqueles peraltas, ou "insubordinadozinhos" como aquarteladamente melhor define um colunista local, referindo-se às crianças hiperativas, que acusam a aluna boazinha só pra fazer graça, mas não têm prova alguma da bola de papel que afirmou atirada.


Muito ardilosos os Luízes (lembrem de França!) e os Fernandos há dos bons e dos sestrosos. Esse aí, abaixo, por exemplo, é um. Leiam, mas com cuidado...

 

 

Os deuses de Absurdil


Fernando Soares Campos

Madri ‒ La Insignia, diário espanhol ‒ Brasil, junho de 2005.


‒ "Fui o primeiro Deus da República Feder-Ativa de Absurdil, eleito pelo voto das urnas populares, depois de o país ter amargado um longo período de ditadura militar e uma obscura transição para a frágil democracia em que se encontra".


PhC respirou fundo, estava retornando à lucidez dos fracos, porém ainda lhe restavam alguns minutos de delírio, o tempo em que o sangue consumiria as últimas partículas da substância que o mantinha sob a razão dos delirantes.


‒ "Fui o primeiro Deus da República Feder-Ativa de Absurdil a disputar o pleito eleitoral em dois turnos."


Ele agora conseguia mais claramente lembrar-se do processo eleitoral, sinal de que o efeito da substância praticamente chegara ao fim.


‒ "Fui o primeiro Deus da República Feder-Ativa de Absurdil a ser deposto do cargo por determinação do Congresso Nacional."


Definitivamente o efeito do alucinógeno cessara, pois ele não gostava de se lembrar disso.


‒ "Para sobreviver, preciso de um plano."


Aquilo era o mesmo que dizer: "Preciso de mais uma dose", pois PhC já não conseguia arquitetar planos sem o estímulo do seu rapé branco.


Chamou Air Bus, o seu mordomo obeso, e mandou que lhe trouxesse uma nova seringa, um papelote e água benta, pois suas narinas sangravam. Em poucos minutos, estava tudo ali em suas trêmulas mãos. E num instante eterno, o rapé branco diluído em água benta já corria em suas veias. PhC retornou ao seu delírio e já nem se lembrava mais de seu adâmico impeachment. Sabia apenas que precisava se vingar do Deus em exercício. Se não podia voltar ao Paraíso, pelo menos faria um estrago no Olimpo, obrigando seus deuses a se refugiarem no Purgatório, onde ele se encontrava e já se tornara o principal candidato à liderança absoluta daquelas plagas.


Mergulhou na normalidade do seu devaneio psíquico, estava preparado para a elaboração do plano. Pensou em telefonar, mas lembrou-se de que naquela condição poderia se comunicar por telepatia. Ligou-se num dos seus servos de primeiro escalão. Jephe atendeu. Combinaram a trama. No entanto PhC esqueceu-se de perguntar a cotação do dia na Bolsa de Fidelidade, e Jephe não revelou a PhC que há algum tempo vendera parte das ações de sua inescrupulosa fidelidade a PhHC, outro ex-Deus da República Feder-Ativa de Absurdil, o qual também vivia em permanente delírio. Porém o seu caso era consequência de uma psicose eufórico-depressiva provocada pela sua frustrada tentativa de se tornar imperador de Absurdil. As negociações de compra e venda da fidelidade de Jephe foram feitas sob tal sigilo que nem mesmo PhHC conhecia todos os termos do contrato. Mas PhHC também tinha um plano para ser implementado com a ajuda de Jephe. Para a felicidade deste, as tramas de seus senhores tinham muito em comum, e todos os comuns convergiam para um só objetivo: vingar-se do Deus em exercício, que havia baixado um Decreto-Lei proibindo atos de corrupção em Absurdil e contava com o apoio dos absurdileiros.


PhC e PhHC enclausuraram-se em suas mansões, de onde comandaram as ações de Jephe.


Jephe assumiu o comando da execução do plano. Ao contrário de um dos seus senhores, Jephe não gostava de alucinógenos. Aliás, Jephe era o próprio alucinógeno. Os videntes o enxergavam como um imenso arbusto verdinho. Jephe vivia distribuindo folhinhas entre os seus protegidos.


Finalmente chegou o Dia D.


Jephe chamou Ara Phonga e, arrancando algumas folhinhas de seus galhos, entregou-as ao capacho dizendo: "Vá até o Post Office e despache essas folhinhas. O endereço está aí. Mas quero com AR".


O plano foi executado conforme as determinações dos seus mentores.


Hoje Jephe anda pelos jardins suspensos de Absurdil seguro de que nada vai lhe acontecer, pois acredita que os ex-Deuses seus senhores estão respaldados pelas graças de God. Tanto que até revelou aos absurdileiros não-videntes que ele é a própria árvore das verdinhas. Mas Jephe está cometendo um pecado capital: a Gula. E quando o Sol parar de iluminar sua copa, Jephe mergulhará na sombra da eternidade.


Contudo, por enquanto, Jephe é um mega star, vive cantando ópera na porta do Paraíso. Quanto a PhC e PhHC, estes passam o tempo todo ensaiando seus papéis de magnânimos, conclamando os absurdileiros a perdoarem o Deus em exercício, na tentativa de fazê-los crer que os deuses são todos iguais.


Eis a vingança.

 

***

 

Após 15 anos, Genoino e Delúbio [etc.] são inocentados no caso "mensalão


Em meio a perseguição política e campanha difamatória, petistas foram acusados de simular empréstimo irregular


Brasil de Fato | São Paulo (SP) | Redação | 22 de agosto de 2020

 
"A Terceira Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração e, de ofício, decretou a extinção da punibilidade de José Genoino Neto, Delúbio Soares de Castro, Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de Mello Paz, pelo crime tipificado no art. 299 do Código Penal, com fulcro nos artigos 107, IV, 109, V, 110 caput e § 1º, todos do Código Penal, combinado com o artigo 61 do Código de Processo Penal, ficando prejudicados os recursos especiais e extraordinários interpostos por esses réus, nos termos do voto do relator", diz trecho do acórdão.


Edição: Douglas Matos


Confira AQUI

 

 

(*)Fernando Soares Campos é escritor, autor de "Saudades do Apocalipse  ̶  8 contos e um esquete", CBJE, Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Rio de Janeiro, 2003; e "Fronteiras da Realidade  ̶  contos para meditar e rir... ou chorar", Chiado Editora, Portugal, 2018.     

 

(**)Raul Longo, jornalista, escritor, autor de "Filhos de Olorum  ̶  contos e cantos do candomblé",  "Caos & Cosmos  ̶  uma Proposta de Futuro", entre outras obras, e pousadeiro  ̶  Pouso da Poesia  ̶  Rua Gison da Costa Xavier, 2886, Sambaqui, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

 

 

 

 

"Mensalão" petista: da ópera bufa do Jefferson à inocentabilidade dos condenados

  

por Fernando Soares Campos(*)

 

 

Os paradoxos e a verdade 

 

Creio que, em determinados casos, aquilo que um tribunal de exceção mais teme é exatamente que o réu fale a verdade. Sei que é estranho alguém afirmar tão aparente disparate, porém, se pararmos pra pensar, talvez isso não reflita contrassenso, mas, sim, tão somente um paradoxo.

 

Vou tentar esclarecê-lo.

 

Tive um amigo em Minas Gerais, companheiro de labuta, com quem me associei num pequeno empreendimento. Andávamos pelo interior do Estado vendendo determinada mercadoria em pequenos estabelecimentos comerciais. Certo dia, depois do almoço em modesta lanchonete, ele me confidenciou que já fora "bandido" e me contou algumas de suas aventuras no submundo do crime. Entretanto, quase nenhuma daquelas histórias me surpreendeu, considerando o desenrolar dos fatos, as tramas e as habilidades (malandragens) para se livrar de flagrantes delitos; era tudo muito verossímil, como nos romances policiais. Entretanto, certo detalhe em uma de suas histórias me levou a pensar cada vez mais no disparate (ou paradoxo) que expus acima.

 

Meu companheiro me contou que já havia "trabalhado" no ramo de compra e venda de dinheiro falso (redundância?!). Disse que os lucros eram fabulosos e que tudo estava indo muito bem, pois seus comparsas nos âmbitos das polícias civil e militar lhe davam cobertura e garantiam que estavam amparados por coniventes elementos no Judiciário. Mas ele afirmou que tinha consciência de que, mesmo nessas condições, um dia a casa cai, portanto tratou de amealhar considerável patrimônio, a fim de assegurar o sustento da sua família, caso "perdesse pros homens" numa parada sinistra, o que realmente aconteceu. E foi aí que a porca torceu o rabo.

 

Submetido a interrogatório em uma delegacia, identificou entre seus inquisidores alguns de seus próprios parceiros da quadrilha em que atuava, os quais, segundo ele, eram os mais enérgicos na condução dos trabalhos de investigação. Em alguns momentos, eles explodiam coléricos, esbofeteando e espancando-o sob uma sucessão de pergunta aos berros: "Quem são seus parceiros?!", "Onde eles estão?!", "Quem fornece o dinheiro falso?!", "Onde é a oficina de fabricação da muamba?!", "Fala!".

 

E tome bordoadas e perguntas.

 

Meu amigo me falou que, em determinado momento, teve vontade de dizer: "Porra, companheiros, fiquem frios! Tranquilizem-se! Vocês não precisam exagerar, eu não vou entregar ninguém!". Mas conteve-se, pois confiava no bom senso dos comparsas e entendia que, naquele teatro, eles saberiam estimar suas forças físicas e sua resistência emocional. E foi o que aconteceu.

 

Ele sabia que, se falasse a verdade, destruiria a todos, ou, pior, somente a ele. A todos porque, entre os seus parceiros diretamente coniventes, havia também os indiretamente conluiados com os colegas de trabalho, rabos presos por comportamentos baseados em suposta "ética corporativa", assim sendo, o mais provável é que somente ele fosse eliminado.

 

Acabei de me lembrar de Roberto Jefferson. Estranho...

 

Acredito que existem duas diferenças básicas entre Jefferson e o meu amigo: este é um ex-bandido, um indivíduo regenerado, que, quando na ativa, foi pego involuntariamente como bode expiatório, ou boi de piranha; enquanto Jefferson assumiu voluntariamente o papel de alcaguete, calculadamente, acreditando que usufruiria o benefício da "delação premiada", porém sem ser considerado "delator". Na prática, isso tem acontecido, mas ele rejeita a pecha de "dedo-duro" imputada por Roberto Civita, que fora o capo de tutti i capi no ramo mídia venal.

 

Roberto Jefferson é fluminense, nasceu em Petrópolis, mas conhece bem a alma carioca, principalmente dos guetos da malandragem e do submundo do crime. Ele sabe que, no Rio, o mais odiado vacilão é o alcaguete, xis-nove, dedo-duro. Nos mafiosos grupos organizados ou em meio ao caos da plebe bucha de canhão, ninguém os perdoa, muitos viraram cinza no "micro-ondas", pois a alcaguetagem é considerada, como o próprio Jefferson declara em postagem no seu blog, "coisa de canalha".

 

Porém, como não considerar alcaguete um sujeito que, bem antes de denunciar publicamente seus supostos companheiros, espalhou aos quatro cantos o boato de que eles estariam cometendo um crime? Sim, porque foi isso que o Jefferson fez: boatou por todo o Planalto Central que o governo Lula estaria comprando o apoio de parlamentares de sua própria base aliada. Durante alguns meses ele plantou o boato sobre aquilo que, ao deflagrar o golpe, declarou à imprensa que se tratava de uma substancial mesada que o governo pagava aos seus aliados, a fim de que eles votassem a favor de matérias de seu interesse, o que o jornal Folha de S. Paulo batizou de "mensalão".

 

Jefferson não tinha argumentos suficientes para atacar seu maior desafeto no Governo Lula, o ministro José Dirceu, pois suas investidas contra este se fundamentavam apenas em elementos de natureza pessoal: despeito, inveja e ódio pelo obstáculo que Dirceu representava para a realização de seus escusos projetos pessoais.

 

Porém bem sabemos que qualquer organização social ou antissocial estrutura-se sob uma escala hierárquica, assim sendo, Jefferson podia recorrer aos seus superiores no âmbito da sua atuação delinquente. E foi assim que se juntaram a fome e a vontade de comer.

 

Jefferson e seus comparsas, com o aval do capo de tutti i capi no ramo mídia venal, armaram o escândalo dos Correios, onde mantinham, em posto avançado, Maurício Marinho, o capataz que se prestou a encenar o papel de arrecadador de propina no varejo.

 

O teatro foi armado, a mídia teve acesso fácil à gravação do delito: Maurício Marinho recebendo os três mil reais, dando uma paradinha para a câmera "discreta" antes de embolsar a propina, falando claramente de Jefferson como sendo o grande chefe de um fabuloso esquema de corrupção.

 

Jefferson havia se entregado ao sacrifício, a mídia mafiosa veiculou insistentemente a gravação em que ele era apontado como corrupto-mor daquele esquema, uma falsa acusação da qual ele teria que se defender. Realmente não existia o tal esquema, afinal, já fazia muitos anos que Jefferson não se ocupava de ninharias, aquilo era coisa para um lump, um patifezinho qualquer do quinto escalão. No entanto, o motivo para atacar Dirceu fora plantado, e Jefferson o acusou de ter sido ele o autor da farsa e, em seguida, justificando-se pelo ódio que Dirceu lhe teria despertado, denunciou publicamente aquilo que antes insinuou e gerou boato em grupo restrito: o "mensalão".

 

 

"Os fernandos (drogas, tô fora!) e o Fernando do artigo abaixo"

 
por Raul Longo(**)

 

Sobre "fernandos" e Fernando Soares Campos


Eu não me ligo em numerologia, mas o nome Fernando precisa ser estudado.


Todo Fernando é profético ou genial! Vejam o Fernando Collor de Melo: avisou que ia caçar os marajás, e o que deu? A namorada do Paulo César Farias, por acesso incontido de ciúmes, suicidou-se sozinha por si própria mesma e, não contente com isso, depois de mortinha, tascou uma azeitona na nuca do PC, um marajá das Alagoas, além do próprio Collor, o Calheiros e outros poucos, mantidos para não extinguir a espécie.


Outro exemplo é o tal do Fernando Soares Campos, do reclame aí abaixo. Guardem o nome desse homem, porque é bicho perigoso! Tirado a Esopo, não é que o cabra desenredou mesmo o liame do tal mensalão, como diz aí, farroncando suas capacidades premonitórias!


Dou meu testemunho: eu vi e li com esses olhos que a terra há de comer! Até hoje ninguém chegou a comprovação alguma, nem mesmo depois de tantas CPIs, investigações da presta imprensa e da imprestável Polícia Federal, auditorias e ouvidorias civis e militares, e mais os Tribunais Supremos e Subalternos, sem contar o Arthur Virgílio e o Heráclito Fortes com aquele hipopótico corpanzil de goleiro e os rosnares do ACMezinho, que, coitadinho, acabou fugindo aos ganidos para debaixo das pernas do Álvaro Dias. Pois esse Fernando tinhoso já tinha, lá na boca da bucha, o tal e qual como foi e seria-se-não-fosse. Um Fernando desses é ou não é um risco a ser considerado?


Mas gênio vero é o Fernando Henrique Cardoso, que um vizinho fanho insiste em chamar de Cagoso, com todo respeito. E há que se respeitar mesmo, pois quem, além da erudição Fernândica, haveria de deslindar a razão do fato e o fato da razão? Depois que Colombo pôs o ovo em pé, todo mundo acha fácil concluir que só poderia mesmo ter sido o próprio Lula que dizia não saber o que nem poderia saber mesmo, já que não houve, como henriquianamente agora declara Feagacê, demonstrando tratar-se tudo de mero escândalo armado pelo próprio Luís Ignácio.


Vejam vocês: um mero chiste, simples brincadeirinha entre colegas do ingênuo Bob Jeff a inventar lobos, só para verem o eriçar dos velos, e o exagero do cabeça-chata já arma toda uma fuzarca. Chama a imprensa, convoca a mídia, derruba avião, promove o maior banzé por Brasis afora, fazendo do sutil trinado jéffirco uma ópera bufa com o intuito de aparecer, mostrar a cara na capa da revista moralista, entre os pecados da vedete.


Jogada igual a dos baianos tropicalistas quando promoviam escândalos em festivais para alcançarem o primeiro lugar nas paradas de sucesso. E o pior é que deu certo! Tá aí: o apedeuto tinha 80 e tantos por cento de aprovação de seu governo, em meio a uma crise mundial que o chamava de O Cara, enquanto que, na verdade, tudo o que fez foi aproveitar da boa-fé de seus companheiros de lide para, com o apoio do PIG, dar um golpe no Fernandão (o Cagoso, no dizer deficiente do vizinho), se colocando como vítima do que não aconteceu.


O que Lula não sabe é que o mestre tem sua larga experiência em salas de aula e conhece a mancada daqueles peraltas, ou "insubordinadozinhos" como aquarteladamente melhor define um colunista local, referindo-se às crianças hiperativas, que acusam a aluna boazinha só pra fazer graça, mas não têm prova alguma da bola de papel que afirmou atirada.


Muito ardilosos os Luízes (lembrem de França!) e os Fernandos há dos bons e dos sestrosos. Esse aí, abaixo, por exemplo, é um. Leiam, mas com cuidado...

 

 

Os deuses de Absurdil


Fernando Soares Campos

Madri ‒ La Insignia, diário espanhol ‒ Brasil, junho de 2005.


‒ "Fui o primeiro Deus da República Feder-Ativa de Absurdil, eleito pelo voto das urnas populares, depois de o país ter amargado um longo período de ditadura militar e uma obscura transição para a frágil democracia em que se encontra".


PhC respirou fundo, estava retornando à lucidez dos fracos, porém ainda lhe restavam alguns minutos de delírio, o tempo em que o sangue consumiria as últimas partículas da substância que o mantinha sob a razão dos delirantes.


‒ "Fui o primeiro Deus da República Feder-Ativa de Absurdil a disputar o pleito eleitoral em dois turnos."


Ele agora conseguia mais claramente lembrar-se do processo eleitoral, sinal de que o efeito da substância praticamente chegara ao fim.


‒ "Fui o primeiro Deus da República Feder-Ativa de Absurdil a ser deposto do cargo por determinação do Congresso Nacional."


Definitivamente o efeito do alucinógeno cessara, pois ele não gostava de se lembrar disso.


‒ "Para sobreviver, preciso de um plano."


Aquilo era o mesmo que dizer: "Preciso de mais uma dose", pois PhC já não conseguia arquitetar planos sem o estímulo do seu rapé branco.


Chamou Air Bus, o seu mordomo obeso, e mandou que lhe trouxesse uma nova seringa, um papelote e água benta, pois suas narinas sangravam. Em poucos minutos, estava tudo ali em suas trêmulas mãos. E num instante eterno, o rapé branco diluído em água benta já corria em suas veias. PhC retornou ao seu delírio e já nem se lembrava mais de seu adâmico impeachment. Sabia apenas que precisava se vingar do Deus em exercício. Se não podia voltar ao Paraíso, pelo menos faria um estrago no Olimpo, obrigando seus deuses a se refugiarem no Purgatório, onde ele se encontrava e já se tornara o principal candidato à liderança absoluta daquelas plagas.


Mergulhou na normalidade do seu devaneio psíquico, estava preparado para a elaboração do plano. Pensou em telefonar, mas lembrou-se de que naquela condição poderia se comunicar por telepatia. Ligou-se num dos seus servos de primeiro escalão. Jephe atendeu. Combinaram a trama. No entanto PhC esqueceu-se de perguntar a cotação do dia na Bolsa de Fidelidade, e Jephe não revelou a PhC que há algum tempo vendera parte das ações de sua inescrupulosa fidelidade a PhHC, outro ex-Deus da República Feder-Ativa de Absurdil, o qual também vivia em permanente delírio. Porém o seu caso era consequência de uma psicose eufórico-depressiva provocada pela sua frustrada tentativa de se tornar imperador de Absurdil. As negociações de compra e venda da fidelidade de Jephe foram feitas sob tal sigilo que nem mesmo PhHC conhecia todos os termos do contrato. Mas PhHC também tinha um plano para ser implementado com a ajuda de Jephe. Para a felicidade deste, as tramas de seus senhores tinham muito em comum, e todos os comuns convergiam para um só objetivo: vingar-se do Deus em exercício, que havia baixado um Decreto-Lei proibindo atos de corrupção em Absurdil e contava com o apoio dos absurdileiros.


PhC e PhHC enclausuraram-se em suas mansões, de onde comandaram as ações de Jephe.


Jephe assumiu o comando da execução do plano. Ao contrário de um dos seus senhores, Jephe não gostava de alucinógenos. Aliás, Jephe era o próprio alucinógeno. Os videntes o enxergavam como um imenso arbusto verdinho. Jephe vivia distribuindo folhinhas entre os seus protegidos.


Finalmente chegou o Dia D.


Jephe chamou Ara Phonga e, arrancando algumas folhinhas de seus galhos, entregou-as ao capacho dizendo: "Vá até o Post Office e despache essas folhinhas. O endereço está aí. Mas quero com AR".


O plano foi executado conforme as determinações dos seus mentores.


Hoje Jephe anda pelos jardins suspensos de Absurdil seguro de que nada vai lhe acontecer, pois acredita que os ex-Deuses seus senhores estão respaldados pelas graças de God. Tanto que até revelou aos absurdileiros não-videntes que ele é a própria árvore das verdinhas. Mas Jephe está cometendo um pecado capital: a Gula. E quando o Sol parar de iluminar sua copa, Jephe mergulhará na sombra da eternidade.


Contudo, por enquanto, Jephe é um mega star, vive cantando ópera na porta do Paraíso. Quanto a PhC e PhHC, estes passam o tempo todo ensaiando seus papéis de magnânimos, conclamando os absurdileiros a perdoarem o Deus em exercício, na tentativa de fazê-los crer que os deuses são todos iguais.


Eis a vingança.

 

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Após 15 anos, Genoino e Delúbio [etc.] são inocentados no caso "mensalão


Em meio a perseguição política e campanha difamatória, petistas foram acusados de simular empréstimo irregular


Brasil de Fato | São Paulo (SP) | Redação | 22 de agosto de 2020

 
"A Terceira Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração e, de ofício, decretou a extinção da punibilidade de José Genoino Neto, Delúbio Soares de Castro, Marcos Valério Fernandes de Souza, Ramon Hollerbach Cardoso e Cristiano de Mello Paz, pelo crime tipificado no art. 299 do Código Penal, com fulcro nos artigos 107, IV, 109, V, 110 caput e § 1º, todos do Código Penal, combinado com o artigo 61 do Código de Processo Penal, ficando prejudicados os recursos especiais e extraordinários interpostos por esses réus, nos termos do voto do relator", diz trecho do acórdão.


Edição: Douglas Matos


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(*)Fernando Soares Campos é escritor, autor de "Saudades do Apocalipse  ̶  8 contos e um esquete", CBJE, Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Rio de Janeiro, 2003; e "Fronteiras da Realidade  ̶  contos para meditar e rir... ou chorar", Chiado Editora, Portugal, 2018.     

 

(**)Raul Longo, jornalista, escritor, autor de "Filhos de Olorum  ̶  contos e cantos do candomblé",  "Caos & Cosmos  ̶  uma Proposta de Futuro", entre outras obras, e pousadeiro  ̶  Pouso da Poesia  ̶  Rua Gison da Costa Xavier, 2886, Sambaqui, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

 

 Cplp

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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