Insegurança Alimentar no Brasil

IBGE traça perfil inédito sobre Segurança Alimentar no Brasil

Em 65,2% dos 51,8 milhões de domicílios particulares brasileiros havia segurança alimentar1. Dentre os 18 milhões com insegurança alimentar, 3,4 milhões foram classificados em situação de insegurança alimentar grave e 1,6 milhão destes domicílios estavam no Nordeste. Das 14 milhões de pessoas que viviam em domicílios com insegurança alimentar grave, perto de 6 milhões moravam naqueles com rendimento mensal domiciliar per capita que não ultrapassava R$ 65 por pessoa. Em todas as regiões, a prevalência de insegurança alimentar foi maior nos domicílios com pessoas de menos de 18 anos de idade.

O IBGE apresenta os resultados da Pesquisa Suplementar da PNAD 2004 sobre Segurança Alimentar , realizada em convênio com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS. Esta Pesquisa, que produziu, pela primeira vez, informações sobre a condição domiciliar de segurança alimentar em âmbito nacional, utilizou a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar - EBIA para classificar os domicílios em quatro categorias: segurança alimentar (SA), insegurança alimentar leve (IA leve), insegurança alimentar moderada (IA moderada) e insegurança alimentar grave (IA grave).

Em 65,2 % dos cerca de 52 milhões de domicílios particulares onde havia situação de segurança alimentar residiam 109 milhões de pessoas, enquanto nos restantes 34,8% (nos quais viviam 72 milhões de pessoas) foi detectada situação de insegurança alimentar (leve, moderada ou grave). A insegurança alimentar moderada ou grave, que significa limitação de acesso quantitativo aos alimentos, com ou sem o convívio com situação de fome, ocorreu em 18,8 % dos domicílios, nos quais viviam 39,5 milhões de pessoas.

A prevalência de insegurança alimentar moderada ou grave foi maior nos domicílios das áreas rurais do que nos das áreas urbanas. Enquanto na área urbana 11,4% e 6% dos domicílios estavam em condição de IA moderada e grave, respectivamente, no meio rural eram 17,0% e 9,0%.

Insegurança Alimentar teve maiores prevalências no Nordeste e no Norte

A comparação das prevalências de segurança e de insegurança alimentar grave confirmam a desigualdade entre as cinco regiões brasileiras. No Sul do Brasil, 76,5% (6 278 100) dos domicílios tinham garantido seu acesso à alimentação, tanto em termos qualitativos como quantitativos. No Sudeste, 72,9% (16 898 223) e no Centro-Oeste, 68,8% (2 583 881). Já no Norte e Nordeste, isto ocorria em cerca de 53,6% (1 912 721) e 46,4% (6 081 281) dos domicílios, respectivamente.

Enquanto a insegurança alimentar grave ocorria em 3,5% dos domicílios da região Sul (286 252), no Nordeste atingia 12,4% (1 630 138) dos domicílios. A prevalência de IA grave no Norte e Nordeste foi 3,1 e 3,5 vezes maior do que nos domicílios situados no Sul. Dos quase 14 milhões de pessoas moradoras em domicílios brasileiros em condição de IA grave, no período de referência da pesquisa, cerca de 7 milhões, ou seja, 52% residiam no Nordeste, região que concentrava apenas 28% da população do Brasil.

Na Região Norte, a IA grave variou de 3,9% em Rondônia a 15,8% em Roraima, com valores intermediários em Tocantins (7,9%) e Amazonas (9,4%). No Nordeste, a prevalência da IA grave mais alta foi encontrada nos domicílios do Maranhão (18,0%) e Paraíba (15,1%) e a mais baixa em Sergipe (3,7%). Valores intermediários de cerca de 10% foram observados no Piauí (10,8%), Pernambuco (10,6%) e Alagoas (9,3%). As diferenças entre as Unidades da Federação de uma mesma Grande Região foram menores no Centro-Oeste, onde a maior prevalência foi de 5,0% em Mato Grosso do Sul e a menor, 4,1% no Distrito Federal. No Sul, Santa Catarina e Rio Grande do Sul apresentaram 2,0% e 4,0% de insegurança alimentar grave, respectivamente. No Sudeste, a prevalência máxima foi de 4,5%, em Minas Gerais, e a mínima de 3,4%, em São Paulo.

Prevalência de segurança alimentar foi maior nos domicílios somente com moradores adultos

Os resultados da PNAD mostraram que a segurança ou a insegurança alimentar no Brasil, do mesmo modo que em outros países, tem associação forte com a composição da unidade domiciliar. Observou-se prevalência maior de insegurança alimentar nos domicílios em que residiam menores de 18 anos de idade (41,9%) em comparação com a prevalência observada nos domicílios em que todos os moradores são adultos (24,2%). Foram classificados em situação de segurança alimentar 80,4% dos domicílios da região Sudeste sem moradores menores de 18 anos. Esta proporção foi menor, na mesma região, nos domicílios com pelo menos um morador menor de 18 anos, resultando em 66,8%. Este comportamento dos dados foi o mesmo nas diversas regiões, variando, apenas, a magnitude das diferenças. No Nordeste, as prevalências da condição de SA foram de 61,2% em domicílios onde moravam apenas adultos e de 38,9% naqueles onde residiam, também, menores de 18 anos de idade.

Domicílios com crianças apresentaram maior prevalência de insegurança alimentar

Observou-se maior prevalência de insegurança alimentar nos domicílios em que residiam crianças. A medida que aumentava a idade, cresciam as proporções daqueles que viviam em domicílios em segurança alimentar e, conseqüentemente, diminuíam as dos moradores em domicílios com insegurança alimentar. No Brasil, moravam em domicílios com algum tipo de insegurança alimentar 50,4% da população de 0 a 4 anos de idade. Este percentual foi de 48,3% na população de 5 a 17 anos de idade, 36,9% na de 18 a 49 anos de idade, 32% na de 50 a 64 anos de idade e 28,1% na de 65 anos ou mais de idade. Nos domicílios com insegurança grave, viviam 10,3% da população de 0 a 4 anos e 10,3% da população de 5 a 17 anos, sendo esta proporção de 4,6% na população de 65 anos ou mais de idade.

Cerca de 17% das crianças com menos de cinco anos de idade na Região Norte e na Nordeste viviam em domicílios em situação de insegurança alimentar grave. A proporção de pessoas com idade de 65 anos ou mais residentes em domicílios em situação de insegurança alimentar grave nestas duas regiões foi quase a metade (8,8% e 8,5%, respectivamente). No Sudeste, Sul e Centro-Oeste, o percentual de crianças com menos de cinco anos de idade residentes em domicílios com insegurança alimentar grave era de 5,3%, 5,3% e 5,9%, respectivamente, enquanto na faixa de 65 anos ou mais de idade caía para 2,4%, 3,4% e 4,5%.

Domicílios com pessoa de referência do sexo feminino tiveram menor segurança alimentar

O número de moradores em cada domicílio também tem impacto no padrão de Segurança Alimentar. A pesquisa mostrou que a Segurança Alimentar dos domicílios com até três moradores (71,8%) caía para 35,2% nos domicílios com sete moradores ou mais. Por outro lado, a prevalência de Insegurança moderada ou grave foi de 15,3% em domicílios com até três moradores e de 42,6% no caso de domicílios com sete moradores ou mais. Este padrão se repetiu ao ser considerada a situação de residência, urbana ou rural. Em áreas urbanas, a prevalência de IA moderada ou grave foi de 14,6% nos domicílios com até 3 moradores e de 40,5% naqueles com sete moradores ou mais. Nas áreas rurais, estes percentuais foram 19,5% e 47,9%, respectivamente.

A prevalência de IA moderada ou grave foi maior em domicílios cuja pessoa de referência era do sexo feminino. Essa diferença foi mais expressiva nos domicílios onde moravam menores de 18 anos. Nestes domicílios, a prevalência de segurança alimentar foi de 60,6% quando a pessoa de referência era do sexo masculino e de 49% quando do sexo feminino.

Insegurança alimentar foi maior entre pretos e pardos

Outra condição que aparece associada à Segurança Alimentar nos domicílios é a cor ou raça da população. No Brasil, viviam em 2004 em domicílios em situação de insegurança alimentar grave, 11,5% (10 milhões de pessoas) da população preta ou parda, sendo que esta proporção era de 4,1% (3,8 milhões de pessoas) entre os brancos. Por outro lado, a população com garantia de acesso aos alimentos em termos qualitativos e quantitativos, ou seja, que vivia em domicílios em condição de segurança alimentar era de 71,9% (67,3 milhões de pessoas) entre os brancos e de 47,7% (41,7 milhões de pessoas) entre os pretos ou pardos. As diferenças na proporção de Insuficiência Alimentar Grave relacionadas à cor ou raça na população do Brasil se reproduziram em todas as Unidades da Federação, sendo de maior magnitude nas regiões Sudeste, Sul e Centro Oeste, embora as maiores proporções de população em IA grave tenham sido verificadas no Norte e no Nordeste do País. No Espírito Santo, por exemplo, 1,9% da população branca e 6% da população preta ou parda viviam em domicílios com insegurança alimentar grave. Em Santa Catarina, este percentual é de 1,7% de brancos frente a 5,2% de pretos ou pardos; enquanto no Mato Grosso, 2,1% dos brancos contra 6% dos pretos ou pardos.

Segurança alimentar presente em 17,5% dos domicílios com rendimento de até $65 per capita

Os dados da PNAD 2004 confirmam a magnitude da associação entre rendimento e segurança alimentar. Enquanto a segurança alimentar no Brasil, em 2004, estava presente em 65,2% dos domicílios (onde moravam 109,2 milhões de pessoas), ela ocorria em apenas 17,5% daqueles com rendimento domiciliar mensal per capita de até um quarto de salário mínimo (R$65). Nessa faixa, a IA moderada ou grave atingia 61,2% dos domicílios, enquanto naqueles de rendimento mensal domiciliar per capita de mais de três salários mínimos era de apenas 1,0%.

De acordo com a PNAD 2004, dos cerca de 22 milhões de pessoas que viviam nos domicílios sem rendimento ou com rendimento mensal domiciliar per capita de até R$ 65, 6,3 milhões (28,6%) viviam em domicílios em condição de IA grave. Enquanto na área urbana 14,8% dos domicílios que viviam com rendimento domiciliar mensal per capita de até ¼ de salário mínimo apresentaram segurança alimentar, na área rural esta prevalência foi de 21,6%. A diferença entre área urbana e rural se repetiu para todas as faixas de rendimento, exceto para os sem rendimento e para os com rendimento não declarado, entre os quais a SA foi maior na área urbana e a IA moderada ou grave foi maior na área rural.

Na região Nordeste, 12,9 milhões de pessoas (25,6% da sua população) viviam com rendimento mensal domiciliar per capita de até um quarto de salário mínimo, aí incluídas as pessoas sem rendimento domiciliar, sendo que cerca de 4 milhões destas viviam em IA grave e, portanto, conviveram com a fome. Nas faixas de rendimento superiores a 2 salários mínimos per capita, a IA grave atingiu menos de 1% da população.

Nas outras regiões do País, as diferenças do padrão de segurança e insegurança alimentar eram, também,reflexo das desigualdades de rendimentos verificadas nestas regiões. No Norte, entre os 2,3 milhões de pessoas com rendimento domiciliar per capita de até ¼ de salário mínimo ou sem rendimento domiciliar, cerca de 800 mil (34,6%) viviam em IA grave. Do mesmo modo que no Nordeste, menos de 1% dos moradores de domicílios da região Norte com rendimento domiciliar per capita superior a dois salários mínimos conviveram com a fome.

Perto de 15% dos domicílios em que houve recebimento de dinheiro de programa social do governo tinham insegurança alimentar grave

Entre os domicílios em que algum morador recebeu dinheiro de programa social do governo, 34% estavam em situação de segurança alimentar, enquanto nos que não recebiam este percentual era de 71,2%. Observou-se que dos 8 milhões de domicílios em que algum morador recebeu dinheiro de programa social do governo, 52,1% situavam-se na região Nordeste, 22,7% no Sudeste, 10,7% no Sul, 8,0% no Norte e 6,5% no Centro-Oeste. Entre os domicílios beneficiados, 73% estavam com insegurança alimentar no Norte, 72,6% no Nordeste, 58,2% no Sudeste, 54,8% no Centro-Oeste e 52,3% no Sul. Considerando os domicílios que não receberam dinheiro de programa social do governo, 44,4% conviviam com insegurança alimentar no Nordeste, 40,3% no Norte, 27,2% no Centro-Oeste, 24% no Sudeste e 19,7% no Sul.

Metodologia para medir Insegurança Alimentar começou a ser desenvolvida nos EUA

A comprovação, em muitos países, de que o rendimento domiciliar ou outros indicadores indiretos são insuficientes para identificar populações sob risco de Insegurança Alimentar levou ao desenvolvimento de uma escala de medida direta da Insegurança Alimentar e Fome pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).

Esta metodologia começou a ser desenvolvida na década de 1980 por pesquisadores da Universidade de Cornell, que utilizaram métodos qualitativos para abordar e compreender a insegurança alimentar e a fome, entre mulheres pobres que haviam experimentado essas condições adversas. Este estudo qualitativo permitiu a proposição de uma escala de medida quantitativa, com 10 perguntas, que cobriam tanto a percepção da preocupação com a insuficiência futura de alimentos quanto aos problemas relativos à quantidade de calorias disponíveis, bem como com a qualidade da dieta.

Nos anos 1990, a partir da escala de Cornell e de outras como a do Community Childhood Hunger Identification Project - CCHIP, pesquisadores reunidos pelo USDA desenvolveram uma escala válida para aplicação em âmbito nacional daquele país. Isto resultou em uma escala de 15 itens e 3 sub-itens que passou a ser aplicada, a partir de 1995, na pesquisa mensal telefônica (Current Population Survey do Bureau of Census) e, também, nas pesquisas periódicas de Saúde e Nutrição (NHANES).

Metodologia adequada à realidade brasileira

O desenvolvimento de escala de medida direta no Brasil, que é denominada Escala Brasileira de Insegurança Alimentar - EBIA, é resultado da adaptação e validação da escala do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. A utilização da EBIA partiu, no País, do estudo de validação realizado entre 2003 e 2004 que, por decisão dos coordenadores da pesquisa percorreu, neste processo, etapas qualitativas e quantitativas de investigação. Este processo resultou em uma proposta de escala com quinze perguntas, cada uma delas correspondendo a um evento e sendo seguida de quatro alternativas de freqüência de ocorrência do respectivo evento.

A validade da escala foi confirmada em 5 regiões do Brasil antes de ser incorporada à PNAD de 2004. Dos 15 itens da escala, nove são relativos aos adultos moradores no domicílio e seis às crianças. A cada pergunta da escala, referente ao período de noventa dias que antecedem ao dia da entrevista, são dadas as alternativas de respostas "Sim" e "Não" e se a resposta é afirmativa, pergunta-se a freqüência de ocorrência do evento nesse período, oferecendo-se as seguintes alternativas de respostas: "em quase todos os dias", "em alguns dias" e "em apenas um ou dois dias". Para a análise dos resultados da aplicação da escala nesta PNAD, os domicílios foram classificados de acordo com sua condição de segurança alimentar em quatro categorias: Segurança Alimentar, Insegurança Alimentar leve, Insegurança Alimentar moderada e Insegurança Alimentar grave, como definidas no processo de validação da EBIA. A pontuação atribuída a cada domicílio, corresponde ao número de respostas afirmativas às perguntas da escala. A seguir, detalham-se as pontuações.

Pontuação para classificação dos domicílios com moradores menores de 18 anos, nas categorias de segurança alimentar.

Segurança Alimentar: 0 pontos

Insegurança Alimentar leve: 1 a 5 pontos

Insegurança Alimentar moderada: 6 a 10 pontos

Insegurança Alimentar grave: 11 a 15 pontos

Pontuação para classificação dos domicílios apenas com moradores de 18 anos de idade ou mais, nas categorias de segurança alimentar.

Segurança Alimentar: 0 pontos

Insegurança Alimentar leve: 1 a 3 pontos

Insegurança Alimentar moderada: 4 a 6 pontos

Insegurança Alimentar grave: 7 a 9 pontos

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1Segurança Alimentar e Nutricional é a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis (Projeto de Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional - PL 6047/2005 - em tramitação no Congresso Nacional).

Ricardo Bergamini
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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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