Sobre paladinos e seres da meia-noite

Ninguém em sã consciência - digo daqueles que não têm linha direta com o medo relativo as operações contra a corrupção sistêmica nacional - pensa em destruir a Lava Jato. Nenhum representante popular em sã consciência tenta destruir a democracia, que bem ou mal é o que temos de melhor, ou como disse Winston Churchill "A democracia realmente é o pior sistema de governo - à exceção de todos os outros".

Jolivaldo Freitas

Mas não foi o que vimos na calada de uma certa noite recente, quando o Congresso se reuniu com seus anjos descaídos (numa madrugada cinza de Brasília, para, aproveitando o silêncio da antemanhã, onde se ouvia apenas o coaxar dos sapos do Paranoá, e o choro vertido pela comoção popular incontida do mundo com a morte dos jogadores da Chapecoense), impingir para todos nós um projeto que vai de encontro a tudo aquilo que o brasileiro tem impresso, falado, pichado, craseado e vociferado: basta de corrupção.

Cara de pau. A iniciativa dos políticos no enclave de Brasília demonstra o quanto é atual esta velha expressão sem origem definida. O pacote anticorrupção só veio a revelar em química comum tudo o que se achava do Senado. Pacote que nasceu há mais de um ano numa listagem de objetivos feitas pelo Ministério Público, que abordava medidas necessárias para asfixiar a corrupção. A população aquiesceu e foram mais de 2,5 milhões de assinaturas para a criação de um projeto de lei. Como chupa-cabras, os políticos, os "sem leis", os suspeitos e os acusados de malfeitos transformaram o projeto num instrumento do bem prazer. Uma vendeta contra a lei.

Mas, por outro lado, os atos dos seres da madrugada do Congresso chamaram a atenção para outra questão. Também é claro que ninguém em sã consciência quer ser submetido ao chamado abuso de autoridade, ao "você sabe com quem está falando". O abuso é cometido em todas as esferas: guarda municipal, PMs e federais; procuradores, juízes, desembargadores.

Juízes. Todos os dias sabemos de um excesso, como o exemplo daqueles que perseguem os jornalistas da Gazeta do Povo, do Paraná, que haviam denunciados salários dos magistrados acima do teto constitucional. O próprio MP que cuida do Lava Jato tem demonstrado excesso e arrogância em certas conduções. Uma conhecida foi destratada por uma procuradora, ao ser acusada de maus-tratos com o filho. Não teve direito de abrir a boca. Depois,  viu-se que a vítima era ela. Pesquisa da FGV - Índice de Confiança na Justiça -, publicada em outubro, revelou que só 29% tem confiança no Poder Judiciário brasileiro. Abuso? Nem de síndico. Coisa que até os advogados sofrem com os juízes.

Políticos. Pesquisa mundial feita pela GfK Verein, divulgada no início do ano em Genebra, revela que o brasileiro é o povo que menos confia em seus políticos entre as grandes economias do mundo.  Só 6% dos brasileiros confiam. Preste atenção numa coisa: por trás e acima da cadeira do presidente do Senado tem um busto do baiano Ruy Barbosa. Parece que ele está vexado. Com o olhar perdido. Se vivo fosse, estaria morto de vergonha.

* Jolivaldo Freitas é jornalista e escritor

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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