No Brasil, 116 policiais acusados de matarem 111 presos vão a júri popular

Finalmente, 116 policiais militares que participaram do maior massacre da história carcerária do Brasil vão ser julgados por um júri popular, 17 anos depois de encurralarem e matarem 111 presos na Casa de Detenção de São Paulo. Por votação unânime, o Tribunal de Justiça de São Paulo, Brasil, decidiu que um júri popular vai julgar 116 policiais militares acusados de matarem 111 presos, em 02 de outubro de 1992, no episódio que ficou conhecido como o “Massacre de Carandiru”.

O tribunal não aceitou o pedido da defesa dos policiais acusados do massacre para estender a eles o benefício dado ao coronel Ubiratan Guimarães, assassinado em 11/09/2006, que comandou o massacre. Ele foi absolvido pela tese de legitima defesa e estrito cumprimento do dever legal. Ubiratan chegou a ser condenado a 632 anos de prisão.

A defesa tentou anular a decisão judicial que mandou os policiais militares para serem julgados por um júri popular, composto de pessoas do povo. Os advogados queriam livrar policiais das acusações de crimes contra a vida e lesões corporais. São 84 acusados de homicídios qualificados (assassinatos) e outros 32 por lesões corporais.

O processo, que tem 40 volumes e 81 apensos, espera uma decisão da Justiça há mais de 17 anos. Depois de tanto tempo e toda a papelada, não se sabe ao certo o número de réus que ainda estão vivos. No começo do processo, quando ele ainda tramitava na Justiça Militar, eram 120 acusados.

Segundo a denúncia oferecida pelo Ministério Público, o massacre do Carandiru começou depois de uma briga de detentos. A Polícia Militar foi chamada para conter a rebelião na Casa de Detenção de São Paulo.

No comando da operação policial estava o coronel Ubiratan Guimarães. A Polícia Militar invadiu o presídio e, de acordo, com a denúncia oferecida pelo Ministério Público, os policiais dispararam contra os presos com metralhadoras, fuzis e pistolas automáticas.

Os tiros atingiram principalmente as partes vitais, como cabeça e tórax. Ao final do confronto, foram encontrados 111 detentos mortos: 103 vítimas de disparos (515 tiros ao todo) e oito mortos devido a ferimentos promovidos por objetos cortantes. Nenhum foi morto na operação. Foram registrados ainda 153 feridos, sendo 130 detentos e 23 policiais militares.

O local da rebelião tinha presos jovens, a maioria condenada por crimes contra o patrimônio. 80% ainda esperavam por uma sentença definitiva da Justiça. Não haviam sido condenados. Só nove presos tinham penas acima de 20 anos. Dos detentos mortos, 51 eram jovens com menos de 25 anos.

Parte das vítimas foi encurralada nas celas durante o massacre policial. O massacre do Carandiru teve repercussão internacional devido à quantidade de mortos envolvidos e também pela forma como os presos foram abordados e mortos pela polícia.

As vítimas foram acuadas e muitas delas acabaram sendo mortas encurraladas nas celas, sem chance de se defender. Alguns sobreviventes do massacre relataram, mais tarde, que alguns presos se jogaram em cima de cadáveres para fingir que estavam mortos e tentar sobreviver.

O comportamento das autoridades, em esconder o verdadeiro número de mortos da imprensa e das famílias das vítimas, também foi um fator que contribuiu para que o caso ganhasse ainda mais repercussão.

Cronologia do Massacre

A rebelião teve início com uma briga de presos na Casa de Detenção de São Paulo. A invasão do local pela Polícia Militar foi liderada pelo coronel Ubiratan Guimarães, e tinha como justificativa acalmar a rebelião, mas acabou por realizar uma verdadeira chacina no local.

Sobreviventes afirmam que o número de mortos é superior ao divulgado e que a Polícia estava atirando em detentos que já haviam se rendido ou que estavam se escondendo em suas celas.

Em junho de 2001, o coronel Ubiratan foi inicialmente condenado a 632 anos de prisão por 102 das 111 mortes do massacre (seis anos por cada homicídio e vinte anos por cinco tentativas de homicídio).

No ano seguinte, ele foi eleito deputado estadual, após a sentença condenatória, durante o trâmite do recurso da sentença de 2001. Por este motivo, o julgamento do recurso foi realizado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, em 15 de fevereiro de 2006.

O Órgão reconheceu, por vinte votos a dois, que a sentença condenatória, proferida em julgamento pelo Tribunal do Júri, continha um equívoco. Essa revisão acabou absolvendo o réu. A absolvição do réu causou indignação em vários grupos de direitos humanos, que acusaram o fato de ser um "passo para trás" da justiça brasileira.

Em 10 de setembro de 2006, o coronel Ubiratan foi assassinado num crime com nenhuma ligação aparente ao massacre. No muro do prédio onde morava foi pichado "aqui se faz, aqui se paga", ato que faz referência ao massacre do Carandiru.

O massacre causou indignação em detentos de outras penitenciárias, os quais supostamente decidiram formar o Primeiro Comando da Capital (PCC) no ano seguinte ao do evento. Uma das afirmações iniciais do grupo era a de que pretendiam "combater a opressão dentro do sistema prisional paulista" e "vingar a morte dos cento e onze presos".

Entretanto, esta suposta origem do PCC, um dos principais grupos do crime organizado no Brasil, é muito questionada, não havendo provas claras de que haja qualquer ligação entre a facção criminosa e o massacre dos detentos.

02/10/1992

14 Horas - Começa uma briga no segundo andar do Pavilhão 9, entre os presos Antonio Luís do Nascimento (o Barba) e Luís Tavares de Azevedo (o Coelho). Um está armado com um pedaço de pau, e o outro, com um cano de metal.

14h30 - Os feridos são levados para a enfermaria, no pavilhão 4. Os agentes penitenciários trancam a grade de acesso ao segundo andar. Os presos que estão no segundo andar conseguem quebrar o cadeado e romper a grade. O tumulto é generalizado. Os agentes abandonam o pavilhão. Começa a rebelião. Os presos criam três focos de incêndio e queimam os arquivos. Fazem barricadas nos corredores. A Polícia Militar é chamada.

15 Horas - O secretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, telefona para o então governador Luiz Antonio Fleury Filho, que está em Sorocaba, interior de São Paulo. Essa versão é sustentada pelo deputado estadual Elói Pietá (prefeito eleito de Guarulhos) no livro "Pavilhão 9 - O Massacre do Carandiru". O governador nega a versão. Fleury disse que só foi informado, "superficialmente", sobre o ocorrido às 18h30.

15h45 - Os juízes-corregedores, José Ismael Pedrosa, diretor do presídio, e o coronel Ubiratan Guimarães seguem para o pavilhão 9. Não há negociação com os presos. Ubiratan Guimarães toma o comando da operação.

16h20 - Ubiratan Guimarães conversa por telefone com o secretário Pedro Franco de Campos, que autoriza a invasão para "sufocar" a rebelião. "Você que está no local, avalie e faça o que tem que fazer", teria dito Campos.

16h30 - 362 policiais militares invadem o pavilhão 9. Estão armados com revólveres, metralhadoras alemãs, fuzis M-16, pistolas, punhais e um lança-bomba. Há ainda mais 13 cães.

No início, alguns presos oferecem resistência. Os policiais recebem uma "chuva" de armas improvisadas, atiradas no pátio pelos presos. Uma pequena explosão fere o coronel Ubiratan Guimarães. Assume o comando o capitão Wilton Brandão Filho.

17 Horas - A Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) invade o primeiro e o segundo andar. Mata todos os ocupantes de 11 celas. No segundo andar, morrem 60% das vítimas do massacre. O COE (Comando de Operações Especiais da Polícia Militar) ocupa o terceiro andar. O quinto pavimento (quarto andar) fica com o Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais da Polícia Militar).

17h30 - Saem os primeiros carros da polícia, levando PMs feridos. Os presos sobreviventes são retirados de suas celas, nus e descalços, e levados para o pátio. No caminho, atravessam corredores poloneses e são agredidos com cacetetes, facas e baionetas.

18 Horas - Os presos sobreviventes são obrigados a carregar os cadáveres para uma sala no primeiro andar. Muitos que ainda estavam vivos neste momento foram mortos nessa operação.

19 Horas - Oito presos são levados para o pronto-socorro de Santana, na zona norte de São Paulo, em um carro da polícia. Dois deles saem vivos da Casa de Detenção, mas chegam mortos ao PS.

23 Horas - Pedrosa é o primeiro civil que consegue subir aos andares superiores. Na sala do primeiro andar, são contados 88 mortos. Havia mais dois cadáveres na enfermaria do pavilhão.

24 Horas - Somados aos oito do pronto-socorro de Santana, eram 98 mortos.

03/10/92

3 Horas - Terminam os trabalhos da perícia. Os mortos são levados para o IML.

7h30 - Mais 13 mortos são encontrados no pavilhão 9. Já são 111 mortos. Havia ainda 108 detentos feridos. Mas essas informações, desde o dia anterior, são escondidas dos familiares dos mortos e da imprensa.

16h30 - Meia hora antes do encerramento das eleições municipais, o secretário Pedro Franco de Campos informa os números do massacre.

A morte do coronel Ubiratan

10/09/2006

Um dos assessores do coronel Ubiratan Guimarães encontra o corpo dele, por volta das 22h30 em seu apartamento no bairro dos Jardins, em São Paulo. O corpo do coronel estava deitado de barriga para cima, com um tiro no abdômen e coberto apenas por uma toalha. O tiro acertou a parte debaixo do mamilo direito e saiu pelas costas. Aparentemente não havia sinais de luta corporal no local, e a porta dos fundos estava apenas encostada. Posteriormente, a polícia consta que o crime ocorreu no dia 9 de setembro, entre 19h e 19h30.

11/09/2006

O corpo de Ubiratan é enterrado no Cemitério do Horto Florestal, na zona norte de São Paulo. A namorada do coronel Ubiratan Guimarães, Carla Cepollina, 42 anos, presta depoimento ao delegado Marco Antônio Olivato, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de São Paulo. Ela nega participação no crime, mas confirma que esteve no apartamento do coronel na noite de sábado, no provável horário da morte.

19/09/2006

A polícia paulista divulga dois laudos da morte do coronel Ubiratan Guimarães e constata que a imagem do circuito interno do prédio de Carla mostra que a blusa escura que ela entregou à polícia não era a que vestia na noite do crime.

21/09/2006

A advogada criminalista Liliana Prinzivalli, mãe de Carla Cepollina, deixa o caso e contrata o advogado Antonio Carlos de Carvalho Pinto para assumir o caso.

23/09/2006

Polícia realiza teste de áudio no apartamento do coronel Ubiratan. A simulação dos disparos é ouvida pelos vizinhos de forma idêntica ao dia do crime. Testemunhas disseram que ouviram um disparo no prédio por volta das 19 horas.

26/09/2006

O delegado Armando de Oliveira Costa Filho, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de São Paulo, aponta Carla Cepollina como a autora do disparo que matou o coronel Ubiratan. Ele afirma que o caso foi 100% esclarecido. Liliana Prinzivalli, mãe de Carla Cepollina, é presa durante a madrugada por posse ilegal de arma. Após receber voz de prisão e ser levada para a delegacia, ela é liberada mediante pagamento de fiança - no valor de R$ 800. No apartamento dela foram apreendidas três armas com irregularidades. Uma carabina CBC, encontrada na garagem, não possuía registro. As outras armas, uma pistola Beretta, calibre 765 e um revólver calibre 38, que estavam no apartamento, estavam registradas - porém, no nome do pai de Liliana.

27/09/2006

A polícia indiciou Carla Cepollina pela morte do coronel Ubiratan Guimarães. Carla foi fotografada, foram colhidas digitais e só então foi interrogada. O interrogatório terminou por volta das 20h30. Carla foi liberada para aguardar o julgamento em liberdade.

28/09/2006

A perícia realizada pelo Instituto de Criminalística (IC) na calça que a advogada Carla Cepollina entregou à polícia paulista, dizendo ser a mesma que usou no dia da morte do coronel Ubiratan Guimarães, identificou partículas de chumbo na vestimenta.

05/10/2006

O Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Técnico-Científica de São Paulo comprovou que o coronel Ubiratan foi assassinado com sua própria arma. O revólver, calibre 38, desapareceu de seu apartamento, nos Jardins, zona sul de São Paulo, onde o coronel foi encontrado morto.

18/10/2006

O advogado Antonio Carlos de Carvalho Pinto abandonou a defesa de Carla Cepollina por razões pessoais, entre elas a falta de interesse do caso.

25/10/2006

A 9ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo negou habeas-corpus preventivo para Carla Prinzivalli Cepollina. Participaram do julgamento os desembargadores Souza Nery (relator), René Nunes e Roberto Midolla.

ANTONIO CARLOS LACERDA

PRAVDA Ru BRASIL

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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