Brasil: A farsa eleitoral

Os resultados do primeiro turno das eleições municipais desse domingo, serviram para consolidar o processo golpista que teve seu ápice no processo de impeachment da Presidenta Dilma e representam o fim da tentativa de implantar no Brasil um modelo de uma verdadeira democracia representativa.

O que se projeta para o País nos próximos anos, é o fim dos partidos políticos com algum grau de representatividade e a instauração de um modelo baseado no atendimento dos interesses de uma elite econômica.

O que os militares não conseguiram em 21 anos de poder, a classe dominante brasileira conseguiu agora, ao manipular conjuntamente três poderosas instituições: o parlamento, o judiciário e a mídia.

Para o gaudio de uma população cada vez mais despolitizada, que foi ensinada a ver em cada partido uma organização criminosa, assistimos no último dia 2, a vitória de candidatos sem qualquer tipo de vinculação à uma ideia política e muito menos a um partido.

Mesmo os que apareceram amparados por uma legenda, representaram mais outros interesses do que o modelo clássico de organização partidária.

Veja-se o caso de João Dória, que conseguiu se eleger ainda no primeiro turno prefeito de São Paulo.  Ainda que nominalmente candidato pelo PSDB e que diz se inspirar nos exemplos de Fernando Henrique, Serra e Alkmin, Dória construiu sua imagem à margem dos partidos. Ele sempre foi visto pelo público como apresentador de televisão, promotor de grandes eventos e escritor de livros de autoajuda, embora seja acima de um tudo um empresário, presidente de um grande grupo empresarial, que carrega seu nome e que inclui entre suas empresas, a LIDE (Líderes empresariais), a versão moderna desses institutos voltados para a divulgação das pretensas vantagens do liberalismo.

No Rio de Janeiro, quem liderou a votação com grande vantagem no primeiro turno e decide no segundo com o candidato do PSOL, é Marcelo Crivella, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus e cantor de música Gospel e candidato pelo desconhecido PRB - Partido Republicano Brasileiro.

Em Belo Horizonte, o segundo turno será disputado por Alexandre Kalil, ex-presidente do Atlético Mineiro, candidato de outro partido quase clandestino, PHS (Partido Humanista da Solidariedade) e João Leite (PSDB), que de 1976 a 1992 foi goleiro, também do Atlético, se notabilizando, não pela sua grande qualidade técnica, mas por ter o hábito de distribuir bíblias aos seus adversários antes dos jogos.

Porto Alegre, que no passado se orgulhava de ser uma das cidades mais politizadas do País, mas que há três eleições vem elegendo prefeitos conservadores, este ano se esmerou no seu deslizar para a direita, ao excluir as duas candidaturas de esquerda do segundo turno.

Vão disputar essa nova etapa, o atual vice-prefeito, Melo e um candidato nominalmente do PSDB, Marchezan, mas que se tornou o mais votado com um discurso sem qualquer compromisso político. Basta ver que, mesmo tendo quase 30% dos votos, seu partido conseguiu eleger apenas um vereador. O PSOL, que recebeu 12% para Luciana Genro, elegeu três vereadores.

Para se chegar a esta situação, em que a população foi levada a desacreditar totalmente da possibilidade de se expressar suas reivindicações a partir de partidos políticos, se conjugaram uma série de interesses espúrios.

Primeiro a imensa fragmentação partidária, com 35 partidos registrados oficialmente; segundo, a transformação de seitas religiosas em partidos políticos e finalmente, a campanha sistemática da mídia no processo de destruição do PT, que há 20 anos vinha representando a única organização partidária com um projeto político progressista para o Brasil.

Some-se a isso, a ação parlamentar, comandada por Eduardo Cunha, que buscou reduzir ainda mais o acesso dos partidos aos programas eleitorais gratuitos. O fato do tempo da propaganda eleitoral na televisão ter sido encurtado em quase um mês e a divisão do tempo para cada partido privilegiar os com representação maior na Câmara, fez com que os partidos que tentaram preservar sua imagem, recusando-se a coligações incompatíveis com seus projetos, ficassem praticamente invisíveis na televisão.

Para completar esse quadro, uma intensa campanha mediática de descrédito da atividade partidária, gerou um retrato muito nítido de uma sociedade que se encaminha para um processo de fascistização, em que o embate político que caracteriza a democracia, é substituído pela imposição dos projetos políticos da elite dominante.

Nessa situação, a participação da oposição política nos próximos pleitos eleitorais, dentro das atuais regras, só servirá para dar a eles uma aparência democrática, que realmente não têm mais.

Isso vai significar, na prática, que as oposições ao atual regime, deverão orientar sua luta muito mais para a conquista de um apoio direto da população através dos movimentos sociais, do que da via parlamentar, como a única maneira de fazer frente à força avassaladora desse movimento de centro-direita que está ocupando todos os espaços públicos do Brasil.

 Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 

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