Brasil: Um convite a aventuras

Milton Lourenço (*)

O governo brasileiro decidiu-se por uma ação, aparentemente, franciscana, ao optar por parceiros mais pobres e parece orgulhoso disso. Conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), os países pobres da América Latina, Caribe, Ásia e África responderam, no ano passado, por mais de 50% do comércio exterior brasileiro. Nada contra. O problema é que os países pobres, sempre mergulhados em conjunturas políticas instáveis, são imprevisíveis, o que torna a cartada do governo de alto risco.

Basta ver como agiu a Bolívia a partir de 1º de maio, quando decidiu nacionalizar refinarias, postos e outras propriedades da Petrobrás no país. E como, agora, ameaça com uma reforma agrária que, com certeza, vai avançar sobre propriedades e investimentos de empresas e cidadãos brasileiros.

O que fazer? Não estamos mais nos tempos do Barão do Rio Branco — nem mesmo temos diplomatas à altura de sua tradição. E, como também as nossas forças armadas andam sucateadas, se a mentalidade bushiana baixasse sobre os formuladores de nossa política externa, talvez até amargássemos um fiasco, fôssemos colocar em prática mesmo o imperialismo de que somos sempre acusados por boa parte da América Latina.

O mais constrangedor de tudo isso é que, três décadas depois, tenhamos de concordar com o ex-presidente Geisel, ícone da ditadura militar, que sempre se opôs aos investimentos da Petrobrás na Bolívia por uma razão muito simples: e se um boliviano resolvesse a qualquer hora fechar a torneira do gás que vem para o Brasil?, costumava questionar. boliviano que, antes de ser eleito, recebeu todo o apoio do governo brasileiro, embora essa seja uma atitude bem pouco correta em se tratando de relações entre nações soberanas. Criamos o corvo e ele nos veio comer os olhos, como diz um sábio provérbio espanhol.

O pior de tudo é a insegurança que a débil reação do governo diante da ação intempestiva da Bolívia passa para os negócios dos brasileiros no mundo. Ficou claro que as empresas que atuam no exterior não podem contar com o apoio do Estado no caso de quebra de contratos. Isso significa que, fatalmente, haverá uma retração de investimentos brasileiros não só nos países vizinhos como nos mais distantes, especialmente na África.

Sem contar que muitos países pobres podem deixar de honrar os compromissos que assumem com empresas brasileiras porque sabem que, se não pagarem, a reação será nenhuma. Aliás, provavelmente, o governo brasileiro irá perdoar as dívidas, como fez recentemente com várias nações africanas. Afinal, somos um país de Primeiro Mundo, sem problemas sociais, sem miséria. É o que devem imaginar os governos desses países.

Não é só. A reação passiva do governo brasileiro, provavelmente, vai estimular que outros países também partam para a quebra de contratos em situações em que se entendam em desvantagem, já que têm a certeza de que o Brasil vai agir da mesma maneira. A impressão que se tem é que o governo brasileiro compactua com rompimentos de contratos, o que pode até prejudicar a atração de investimentos estrangeiros para o País. Afinal, quem vai querer investir aqui, se não há segurança e se os contratos podem ser rompidos por qualquer motivo?

Enquanto o governo brasileiro optou pelos países pobres e tratou de bombardear a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a China fez um acordo bilateral com os EUA e passou a exportar para aquele país sem impostos e barreiras tarifárias. Enquanto as exportações brasileiras para os EUA saltaram de US$ 1 bilhão em 1980 para US$ 7 bilhões em 1985 e US$ 16 bilhões em 2005, a China saiu do zero em 1980, igualou-se ao Brasil em 1985 e exportou Pois aí está: apareceu o boliviano. Difícil de engolir é que seja um US$ 480 bilhões em 2005 para os EUA.

Mesmo assim, o governo brasileiro entende que tem muitos motivos para comemorar os US$ 25 bilhões de exportações em 2005 para os países pobres. Vá entender a cabeça dessa gente...

Só falta agora a Bolívia, com base em argumentos históricos, reivindicar de volta o Acre. Vamos devolver o Acre em nome da paz latino-americana? E deixar tudo por isso mesmo? Pode ser que o governo boliviano não chegue a esse extremo, mas a verdade é que a debilidade de nossa política externa é um convite extremamente atraente para outras aventuras.

Milton Lourenço é diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP ( www.fiorde.com.br ). E-mail: [email protected]

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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