O acumular das nuvens de recessão

Prabhat Patnaik [*]

A economia capitalista mundial está atolada na estagnação e no alto desemprego desde a crise financeira de 2008. Muitos previram que uma viragem estava prestes a ocorrer, em parte devido ao fato de a economia dos EUA no mês passado ter mostrado maior criação de emprego do que antes e também porque cresceu 3,5 por cento no último trimestre, o que é uma taxa mais alta do que nos últimos tempos. Mas, muito longe de uma recuperação, a economia capitalista mundial parece agora estar a deslizar para uma nova retração. 

Uma recessão é definida como uma situação em que uma economia deixa de crescer durante dois trimestres sucessivos e, de acordo com esta definição, o Japão já está numa recessão. Uma vez que a economia japonesa experimentou uma grande queda do PIB no trimestre Abril-Junho, era expectável que mostrasse um grande crescimento no trimestre Julho-Setembro, pelo menos como uma recuperação do fosso. Mas ela mais uma vez contraiu-se em até 1,6 por cento no trimestre Julho-Setembro. Uma vez que o Japão é a terceira maior economia do mundo, trata-se de um desenvolvimento grave. E considerado em conjunto com o facto de que os países da Eurozona continuam a experimentar estagnação virtual, isto anuncia danos para a economia capitalista mundial. 

O número algo maior de criação de empregos nos EUA no mês passado foi atribuído a um arranque na despesa militar. Isto não representa necessariamente um avanço duradouro e portanto não pode ser sustentado. Além disso, a recessão japonesa é provável que também tenha um impacto sobre a economia estado-unidense, de modo que também é improvável que os EUA aguentem a sua recuperação. Em suma, estão a reunir-se nuvens de recessão sobre a economia mundial como um todo. 

A queda do PIB japonês, decorrente de uma queda tanto nas despesas de investimento como nas de consumo, tem sido atribuída nos media a uma subida do imposto sobre vendas. Mas isto é enganoso pois sugere que uma mera subida do imposto sobre vendas provoca recessão. Não é a subida do imposto per se mas sim a subida combinada com nenhum aumento na despesa governamental, isto é, a busca das chamadas medidas de "retificação orçamental" que resulta numa retirada líquida de poder de compra da economia que fundamentam a recessão japonesa. 

CONTRACÇÃO DA PROCURA AGREGADA 

Os Estados capitalistas, por outras palavras, ao invés de injetarem procura na economia para combater a crise e estagnação atual, estão ocupados a contraírem a procura agregada em nome da retificação orçamental. Isto é particularmente irónico no caso do Japão porque o seu primeiro-ministro Shinzo Abe chegou ao poder a prometer uma política monetária e orçamental expansionista – e a sua promessa atraiu o eleitorado porque o Japão já experimentara duas décadas de virtual estagnação económica. Mas políticas orçamentais expansionistas são sempre um anátema para o capital financeiro, uma vez que qualquer forma de ativismo do Estado que contorne o capital financeiro, isto é, não assuma a forma de "incentivos" ao capital financeiro como método de estimular a economia, mas procure ao invés aumentar diretamente o nível da atividade económica, mina a legitimidade social do capital financeiro. Portanto, na era da finança globalizada quando os Estados quer queiram quer não têm de obedecer às exigências do capital financeiro, uma política orçamental expansionista para estimular diretamente a procura fica descartada. Uma política monetária expansionista, por outro lado, embora não seja descartada de modo semelhante, é de pouca ajuda numa situação em que o chamado "estado de confiança" dos capitalistas é baixo. Assim, as propostas expansionistas do sr. Abe foram cortadas pela raiz. 

Tradicionalmente o Japão tem sido um país com grandes défices orçamentais e eles verificavam-se mesmo no tempo em que estava entre as economias capitalistas de crescimento mais rápido do mundo, quando, por outras palavras, toda a gente falava do "Milagre japonês". Ironicamente, a "prudência" orçamental está a ser impulsionada como política correta sobre aquela que outrora era a economia capitalista de maior êxito do mundo e que devia este êxito, em não pequena medida, à política orçamental expansionista que aplicava. 

O facto de o capitalismo mundial estar a deslizar para uma recessão não deveria ser surpresa. O capitalismo na era da hegemonia do capital financeiro internacional não pode, por razões já mencionadas (nomeadamente a necessidade de o sistema actuar sempre de uma maneira que faça o capital financeiro parecer ser socialmente necessário), confia na "gestão da procura" keynesiana para estimular o seu nível de atividade; o único estímulo disponível para isto é portanto a formação de "bolhas" em preços de ativos que possam dar algum impulso ao nível de procura agregada. Estas "bolhas", contudo, só são formadas se houver "expectativas exuberantes"; mas numa situação de crise tal como a de agora as perspectivas de formação de tais expectativas exuberantes são remotas. Portanto a economia capitalista mundial não tem alternativas senão permanecer na estagnação e manter-se "estender-se no chão", com ocasionais pequenas melhorias sendo seguidas por recessões. 

Sempre que há uma das tais pequenas melhorias, sabichões burgueses extasiadamente proclamam-nas como o fim da crise, até que a recessão seguinte os traz de volta à terra. A recessão que assoma no presente é um exemplo desta dinâmica, cuja característica essencial é que a hegemonia do capital financeiro arrastou o sistema para uma crise prolongada. 

CRISE PROLONGADA 

O período da década de 1930 também assistiu a uma crise prolongada, a qual terminou finalmente com a segunda guerra mundial. Aquela crise tinha a ver com o fato de que os "benefícios" de avançar sobre mercados coloniais (e de exportar capital para as "colónias de povoamento" no "Novo Mundo") foram exauridos. John Maynard Keynes, numa proposta para estabilizar o capitalismo, porque ele sabia que "o mundo não tolerará muito mais o desemprego o qual... está associado... com o individualismo capitalista atual", sugeriu que se deveria recorrer à intervenção do Estado na "gestão" da procura. Esta ideia, que originalmente se deparou com a decidida resistência de interesses financeiros, finalmente obteve aceitação só no cenário do pós guerra quando a ameaça do socialismo tornou-se ainda mais alarmante para o sistema. Com aquela ameaça temporariamente a recuar no presente, a oposição do capital financeiro à "gestão da procura" não só voltou à superfície como também adquiriu uma eficácia esmagadora uma vez que o capital financeiro se tornou internacional ao passo que o Estado permanece uma nação-Estado. 

A nova escora para o sistema que Keynes havia sugerido deixou portanto de operar e os Estados capitalistas na atualidade, mesmo no meio da estagnação e da crise, estão ocupados em busca da "retificação orçamental" e da "austeridade" (uma vez que o défice orçamental é considerado "demasiado elevado", ao invés de promover a procura. O capitalismo em consequência não tem no presente qualquer outra escora senão simplesmente esperar por uma nova "bolha" de preços de ativos para ultrapassar a sua crise, razão pela qual é provável que a crise seja prolongada. E mesmo quando possivelmente é ultrapassada por algum tempo através do surgimento de uma nova "bolha", o estouro daquela "bolha" mais uma vez o mergulhará numa outra crise de duração prolongada. Temos em suma um sistema que, em termos da sua operação económica, alcançou um beco sem saída. 

Isto não quer dizer que entrará em "colapso" por si próprio; ele necessariamente terá de ser derrubado. Mas precisamente porque é cauteloso quanto ao possível desafio político que enfrenta no contexto da crise económica prolongada, o sistema torna-se particularmente brutal, malévolo e agressivo para com a classe trabalhadora e para com a generalidade dos seus opositores. 

O impacto deste novo acentuar da crise económica em curso já é visível sobre a economia indiana. As exportações da Índia em Outubro/2014 foram de US$26,08 mil milhões, mais baixas em 5,04 por cento em comparação com Outubro/2013. Uma vez que as importações aumentaram de US$38,08 mil milhões em Outubro/2013 para US$39,45 mil milhões em Outubro/2014, o défice comercial ampliou-se entre as duas datas de US$10,59 para US$13,36 mil milhões. E isto verificou-se apesar do facto de que a fatura das importações de petróleo ter descido entre as duas datas em aproximadamente US$3 mil milhões devido ao declínio dos preços do barril. A crise mundial, por outras palavras, enquanto reduz os preços do petróleo e dá assim algum alívio à balança de pagamentos indiana (o qual entretanto não pode perdurar muito se a OPEP decidir cortar a produção), afetou o défice comercial não petrolífero da Índia bastante significativamente, aumentando-o em quase US$6 mil milhões entre Outubro/2013 e Outubro/2014. 

Sempre que o défice comercial da Índia começa a ampliar-se, as importações de ouro para dentro do país aumentam, porque, na antecipação de um declínio na rúpia, os especuladores movem-se para o ouro – e isto por sua vez amplia o défice comercial ainda mais. Isto foi o que aconteceu em 2013 e está a começar a acontecer outra vez. Juntamente com o facto de que a "facilidade quantitativa" ("quantitative easing") do US Federal Reserve, a qual até agora manteve a balança de pagamentos da Índia ao tornar possível um grande influxo de dólares, é provável que termine em breve (e já está a diminuir), o país está em vias de enfrentar graves problemas nos próximos dias. Isto exerceria uma pressão baixista sobre a rúpia e portanto daria ímpeto à inflação. 

Entretanto, inteiramente à parte do problema da balança de pagamentos, o declínio nas exportações em Outubro tem sido generalizado, afetando a maior parte dos sectores exportadores tais como engineering (9 por cento de declínio nas exportações entre os dois períodos), drogas e produto farmacêuticos, pedras preciosas e joalharia, algodão, tecidos feitos à mão e tapetes, terá um impacto recessivo sobre a economia. 

AS GALINHAS NEOLIBERAIS VOLTAM AO POLEIRO 

As galinhas neoliberais, em suma, estão a voltar ao poleiro. Quando a economia mundial estava a expandir-se com base na bolha habitacional dos EUA, a Índia atingiu uma elevada taxa de crescimento do PIB ao cavalgar este boom e, sem dúvida, foi ajudada pela sua própria "bolha interna" em mercados de ativos. Agora que o mercado mundial entrou numa crise, não só a taxa de crescimento veio abaixo como, com problemas de balança de pagamentos a agigantarem-se, sua redução adicional está iminente. E esta redução continuará no futuro, uma vez que, como sugerido acima, o capitalismo mundial, ao qual a nossa economia está jungida sob o regime neoliberal, entrou num período de crise prolongado. 

Durante a década de 1930 vários países subdesenvolvidos, nomeadamente na América Latina, desligaram-se da economia capitalista mundial, através da imposição de medidas protecionistas, e experimentaram uma impressionante "industrialização por substituição de importações". Tal desligamento, por sua vez, exigiu como seu requisito prévio, mudanças políticas significativas, pelas quais a velha aliança da burguesia compradora, dos latifundiários e do capital estrangeiro foi derrubada. Por outras palavras: períodos de crise têm testemunhado grandes mudanças económicas e políticas dentro da estrutura do capitalismo mundial. A crise atual é provável que também seja um arauto de grandes mudanças. 

 [*] Economista, indiano, ver Wikipedia 

O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2014/1123_pd/gathering-clouds-recession 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

http://www.patrialatina.com.br/editorias.php?idprog=09d0326952871a6f35d61a82415468d7&cod=14689

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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