Itamaraty engana o governo e os nossos emigrantes

Cartas ao Diretor: Baseado num Decreto redigido por Danese, da Subsecretaria das Comunidades Brasileiras no Exterior com aprovação do ex-ministro Patriota e assinado em abril pela presidenta Dilma, o Itamaraty está aplicando junto às comunidades brasileiras um política digna do salazarismo português e da fase mais dura da nossa ditadura.

Por Rui Martins, ex-membro eleito pela Europa do Conselho de Emigrantes, CRBE

A dupla Antonio Patriota e Sérgio Danese inventou uma política de emigração da época da ditadura, com pelegos biônicos e censura, um contrasenso no governo de Dilma.

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O Itamaraty vai gastar perto de meio-milhão de reais para realizar uma conferência para os emigrantes digna da época da ditadura (será que os diplomatas mais velhos do Itamaraty têm tanta nostalgia dos anos de chumbo?).

 

Baseado num Decreto redigido por Danese, da Subsecretaria das Comunidades Brasileiras no Exterior com aprovação do ex-ministro Patriota e assinado em abril pela presidenta Dilma, o Itamaraty está aplicando junto às comunidades brasileiras um política digna do salazarismo português e da fase mais dura da nossa ditadura.

 

Mas, é claro, para quem está de fora, tudo acontece com a cobertura de uma ampla representatividade dos emigrantes e num clima de máxima democracia. Mente-se com o maior cinismo, como se os emigrantes fossem idiotas. Diz-se que a IV Conferência Brasileiros no Mundo, programada na Praia do Forte, a mais de 70 quilômetros de Salvador, na Bahia, reúne os representantes de 60 Conselhos de Cidadania das comunidades brasileiras em todo mundo.

 

É uma pura e deslavada mentira, que alguém precisa ir contar no Alvorada, sob pena de se decepcionar os brasileiros do Exterior, como dizem os engravatados das embaixadas e consulados, mas que podemos chamar simplesmente de emigrantes. Apenas sete pessoas irão a Salvador por escolha dos membros do Conselho de Cidadania e existem menos de sete Conselhos com membros eleitos pelos emigrantes. Todos os demais foram escolhidos e indicados pelo Consul local e, por isso, os tenho chamado de pelegos, de biônicos, em todo caso de ilegítimos.

 

Diante disso, não será uma IV Conferência dos representantes dos emigrantes mas a IV Conferência da patota dos consulados e embaixadas. Coisa inimaginável num governo petista, mas que o Itamaraty está conseguindo fazer.

 

Porém, não é só isso, tem mais, muito mais - os pelegos escolhidos pelos cônsules e os sete legítimos precisam levar ao Consul qual o tema e mesmo mostrar o texto com aquilo que vai falar durante a Conferência na Bahia. Isso para evitar a alguns saírem da recitação da cartilha pré-preparada pelo Itamaraty.

 

Ou seja, durante as três Conferências, o Itamaraty exercia a tutela sobre os emigrantes. Agora piorou - o controle é total. Os biônicos ganham quatro dias paradisíacos num hotel cinco estrelas na Praia do Forte, onde as diárias custam entre 500 a 600 reais, podem comer os melhores pratos baianos, mas precisam mostrar obediência, melhor que isso, precisam jogar o jogo ou interpretar a contento seu papel no teatro (é mais chique que circo) ali montado, para ficar a impressão de ser realmente um encontro dos representantes dos emigrantes.

 

E por que emigrantes não convidados não vão lá para denunciar isso e desmistificar a palhaçada? Ora, o Itamaraty pensou nessa possibilidade de alguns indesejáveis lá aparecerem, para estragar o clima da comportada classe dos meninos e meninas bonzinhos no côro do « faremos todos, faremos todos »! E baixou seu Ato Diplomático - quem não foi convidado pode gastar com o transporte, com o caro hotel e com as refeições mas nem pode dar palpite e nem votar. Tudo muito democrático e quem se meter a distribuir volantes ou passar abaixo-assinados é capaz de ser convidado a sair e não poder mais entrar.

 

Os rigorosos e nostálgicos diplomatas da época em que não havia nem Aflex e nem o Decreto de Lula abrindo o caminho para os emigrantes se manifestarem, querem agora, contando com a distração da presidente Dilma, além da tutela o controle total. Gilberto Freire diria, é a Casa Grande e a Zenzala.

 

Por isso, para evitar confusão foram maquiavélicos - não vão fazer a Conferência nem no Rio e nem em Brasília, onde poderiam aparecer os Black Blocs e outros perturbadores. Foram buscar um hotel maravilhoso, nem lugar bem distante e com preços altíssimos, pertencente a uma cadeira hoteleira multinacional espanhola (porque devem preferir artigo estrangeiro e não nacional). Os não convidados precisam fazer escala em São Paulo ou no Rio de Janeiro, pegar outro avião para Salvador e da capital baiana farão os mais de 70 km até o hotel. Fazer todo esse esforço, gastar uma nota e não poder nem falar e nem votar, é um argumento que desencoraja qualquer mortal.

 

Porém, algum leitor, poderá perguntar - mas levar um batalhão de pelegos de 60 pessoas, com boa comida por 4 ou 5 dias, mais os trajetos de avião vai custar caro... muito caro. Bom, os diplomatas participantes, acostumados com as mordomias no Exterior, não iriam aceitar um hotel de três estrelas numa rua barulhenta. E, afinal, quem vai pagar ? As famílias dos emigrantes residentes no Brasil e os brasileiros em geral através dos impostos. Relachem, não se preocupem, com um presente desses ninguém vai querer protestar.

 

Mesmo porque existem algumas coisas estranhas na distribuição do bolo (viagem, hotel, refeições e poder sentar juntos dos chefões) - países onde a comunidade é enorme, como a Inglaterra, têm um só representante na Conferência (dessa Conferência vai sair o novo CRBE, que corre o risco de ser totalmente de pelegos, indicados por diplomatas). É também o caso do Japão, com três representantes, enquanto comunidades com pouquíssimos emigrantes, como Eslovenia, Emirados Árabes Unidos, Palestina e não Israel, e Grécia estão representadas. Enquanto as comunidades em Portugal, Espanha, Paraguai estão subrepresentadas.

 

Enfim, a destacar um pormenor - na I Conferência Brasileiros no Mundo circulou um abaixo-assinado em favor da criação de um órgão institucional emigrante (Secretaria dos Emigrantes), que obteve maioria absoluta de assinaturas. Ora, o relator da mesa, ao fazer a Ata « se esqueceu » de incluir o abaixo-assinado que monopolizou os debates no encerramento do encontro. Diante dos protestos apresentados, incluiu algumas linhas. Esse abaixo-assinado pedia que se criasse uma Comissão de Transição formada de representantes do governo e emigrantes para se chegar à Secretaria dos Emigrantes e se evitar a tutela do Itamaraty.

 

Esse relator da mesa que agiu evidentemente de má-fé, embora pastor, está de volta. Porém, indiretamente foi ele um dos grandes impecilhos ao avanço da emancipação política dos emigrantes. Perdemos cinco anos, entramos agora no regime do Estado Novo imposto pelos velhos caciques do Itamaraty, em grande parte por não se querer dar destaque ao projeto da Secretaria dos Emigrantes.

 

Mas a provocação desta IV Conferência é tão grande que, desta vez, acreditam os emigrantes, o governo vai prestar atenção e intervir. É o que esperamos e ficaremos extremamente desapontados se não acontecer.

 

Nota editorial:

Ao Itamaraty reserva-se um espaço para responder a esta carta caso quiser. Pravda.Ru não aceita qualquer responsabilidade pelo conteúdo dos artigos escritos sob o tema Cartas ao Diretor, sendo este um espaço livre de expressão. O e-mail enviado ao Itamaraty foi devolvido. O e-mail enviado à Embaixada do Brasil em Lisboa foi devolvido. 5 tentativas de contactar a Embaixada do Brasil em Lisboa via telefone falharam. Outro e-mail enviado à Embaixada do Brasil em Lisboa foi devolvido.

 

Por isso...

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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