Porto de Santos ameaçado

Milton Lourenço (*)

Era só o que faltava. Não bastassem os últimos transtornos ocorridos nos aeroportos brasileiros, o Porto de Santos, responsável por 27% da balança comercial brasileira, corre o risco de ser excluído do comércio exterior por não se adequar às normas do ISPS Code. Não é preciso dizer que, se Santos for incluído numa lista negra de complexos portuários inseguros, incalculáveis prejuízos poderão advir para a economia do País.

Eis aqui um bom exemplo das diferenças entre a administração pública e a privada. Enquanto o complexo portuário, sob administração federal, debate-se com tão dramática possibilidade, o Terminal de Contêineres (Tecon), instalação arrendada à empresa Santos Brasil, já anunciou que não corre risco de o seu trabalho sofrer solução de continuidade caso o Porto venha a sofrer punição ou desclassificação.

Para tanto, já dispõe da Declaração de Cumprimento, certidão emitida pela Comissão de Segurança nos Portos e Terminais (Conportos) para as instalações que cumpriram as exigências estabelecidas pelo ISPS Code, o que só foi possível com um investimento da ordem de R$ 900 mil, entre sistemas eletrônicos e pessoal.

Tudo isso se dá porque a Lei de Modernização dos Portos, sancionada há 14 anos, que assegurou vultosos investimentos privados no setor, não foi levada tão longe como previam seus idealizadores. E a privatização dos portos ficou a meio caminho, sem viabilizar a infra-estrutura necessária para atender à atividade do comércio exterior que passou a crescer em ritmo superior ao dos investimentos.

Hoje, vivemos o pior dos mundos, com os portos brasileiros sob o risco de estrangulamento, de Santarém ao Rio Grande. Em todos, são comuns deficiências de integração logística, com as cargas chegando por caminhões, o que exige operações intermediárias, em vez de saírem de trens com acesso direto aos terminais portuários. Sem contar as deficiências típicas da falta de segurança, pois se nem Santos atende às exigências do ISPS Code, não é difícil imaginar a situação dos demais.

Embora não fosse a solução ideal, é de lembrar que, ao final de 2002, o Porto de Santos esteve a ponto de passar para o governo do Estado de São Paulo, com a participação dos municípios de Santos, Guarujá e Cubatão. Esperava-se, com isso, que houvesse uma descentralização da gestão portuária, tornando-a mais eficiente e competitiva.

É claro que, na época, o grande obstáculo era o passivo de R$ 600 milhões que a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) acumulara em razão de inépcia administrativa. Obviamente, o governo estadual nunca admitiu assumir esse passivo, que deveria ficar para a União, sob cuja administração a dívida fora gerada.

Hoje, o passivo já passa de R$ 820 milhões e, apesar das obras pontuais que foram feitas e da entrada em funcionamento da segunda via da Rodovia dos Imigrantes, os problemas de infra-estrutura são ainda de maior monta, já que os negócios do País com outras nações, praticamente, dobraram de 2003 a 2006, passando de US$ 109 bilhões para US$ 205 bilhões ao ano. Basta ver que em 2002 o Porto de Santos atendeu a 4 mil navios, enquanto em 2006 esse número superou a casa de 5.500.

Em vez da regionalização, agora o governo federal pretende criar a Secretaria Nacional dos Portos, tirando da alçada do Ministério dos Transportes a administração de onze companhias docas. Mas não se vê nessa intenção nada além da disposição de se criar mais burocracia e cargos para atender às conveniências político-partidárias.

Em meio a essas marchas e contramarchas, chegamos a este ponto em que já se anuncia como possibilidade iminente uma desclassificação do Porto de Santos pelo ISPS Code. Ora, isso só ocorre porque há um evidente descompasso entre os milhões de dólares injetados pelo setor privado e os parcos recursos aplicados pela União.

Se a transferência da gestão do Porto para o governo do Estado significar estímulo à concorrência, a delegação de outras atividades à iniciativa privada, a instalação de novas empresas e a geração de empregos, além de maior integração da Autoridade Portuária com os problemas da região, não há dúvida de que a medida seria preferível à criação de uma outra secretaria com status de ministério.

A exemplo do que ocorre na questão dos aeroportos, só esperamos que as autoridades não fiquem aguardando a eclosão de uma crise sem precedentes, como seria a desclassificação do Porto pelo ISPS Code, para agir de fato. Atuar a toque de caixa nunca foi regra de bom planejamento.

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(*) Milton Lourenço é diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP (www.fiorde.com.br). E-mail: [email protected]

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