Opinião Brasil: O PAC é frágil para romper a estagnação

 Dércio Garcia Munhoz*

No momento em que o Governo lança um programa rotulado como acelerador do crescimento, muitas dúvidas subsistem. E por razões várias, mas especialmente porque a economia reage diante de fatos concretos, e não em função de intenções proclamadas. A chamada "era Palocci" repetidamente evidenciou tal equívoco. Declarações pomposas do gênero "os fundamentos da economia garantem um longo processo de expansão", ou "o país ingressou num processo virtuoso de crescimento sustentável", produzidas aos borbulhões, conviviam com uma realidade totalmente diversa, onde o crescimento da economia brasileira só conseguia superar o do conturbado Haiti.

Para que o PAC consiga alcançar os objetivos, fazendo com que a economia retome taxas de crescimento que eram normais antes da segunda intervenção desastrosa do FMI na economia do país, em princípios dos anos 80 (a primeira se deu em março de 1961, logo após a saída de JK), algumas questões essenciais devem ser consideradas:


O porquê da Estagnação


Uma questão primeira, portanto, para entender a estagnação, é levar em conta o que ocorreu na economia brasileira no passado recente. E a resposta é incrivelmente simples, bastando retornar aos idos de 1981 e 1983, quando o Ministério da Fazenda/Banco Central elevaram às nuvens as taxas de juros, deteriorando os salários e contendo investimentos - numa ação para reequilíbrio das contas externas - com o que uma parcela significativa da renda dos que vivem do trabalho num passe de mágicas foi transformada em "rendas financeiras".

Antes a renda ficava com as famílias, que iam às feiras e aos mercados, estimulando o aumento da produção, novas inversões privadas, mais empregos, aumento das receitas fiscais, novos investimentos públicos. Com a ortodoxia monetária que passou a prevalecer, as rendas financeiras incharam, concentradas em indivíduos e instituições que não consomem - em detrimento das famílias, que à época gastavam com consumo 85,0% dos seus ganhos.

A Nova República inicialmente chancelou o que deveria ser uma política transitória - Delfim em 1984 já iniciava o desembarque da ortodoxia do programa do FMI de 1983 - e em alguns momentos na segunda metade dos anos 80 o Presidente Sarney tentou, com novos ministros, banir a especulação financeira. Inutilmente, e finalmente logo após o Plano Verão, de janeiro de 1989, a dupla Fazenda/B.Central conseguiu transformar o país num grande cassino. Marcando o período fevereiro de 1989 a fevereiro de 1990 pelos ganhos financeiros escandalosos propiciados pela especulação financeira sustentada pela ação oficial.

Essa grave e irracional mudança estrutural na economia brasileira se acentuaria de forma dramática a partir do Plano Real, quando a irresponsabilidade da política cambial provocou um crescente rombo nas contas externas, financiado com o ingresso de capitais especulativos, que eram atraídos através dos altos juros pagos pelos títulos públicos. E assim, depois de oito anos de desvario, a dívida do Tesouro registrava um aumento de perto de US$ 300,0 bilhões - infernando a vida de gerações futuras; e, a despeito da liquidação do patrimônio das estatais, os tributos subiam pelo elevador, na ânsia do governo de mais arrecadar para tentar garantir os ganhos fáceis que atraiam mais e mais dólares, tão escassos quanto vitais, e um irrestrito apoio político interno e externo dos fieis aliados - aqueles que ganhavam fácil na roleta financeira.

A Nova Economia Brasileira do Mundo Pós Real


O PAC não tem força para tirar a economia brasileira do atoleiro. Fundamentalmente porque o programa nada tem de locomotiva, e parte da hipótese simplista de que os investimentos tudo resolvem automaticamente. Incorrendo no engano de desconsiderar que novos investimentos produtivos são essenciais para o crescimento, pois só com novas fábricas se pode produzir mais bens; mas novas inversões do setor privado não voltados apenas para a modernização ou para atender mercados externos, dependem do aumento da demanda interna.

E aí se verifica o que de dramático ocorreu na economia brasileira nos doze anos de dogmatismo monetário e pressão fiscal: menos salários, menos empregos, menos renda, menos demanda - ou simplesmente uma economia fortemente travada. Onde os investimentos públicos viraram pó. E por ora o pior foi evitado face ao milagre chinês, que deu ao Brasil a chance de colocar no exterior os excedentes criados pelo empobrecimento das famílias - algo equivalente a 5,0% do PIB.


A Fragilidade do PAC

O PAC revela uma concepção inorgânica ao desprezar os preceitos do planejamento, da ação integrada, do reconhecimento da existência de problemas comuns das grandes áreas metropolitanas, e aparenta ser apenas uma junção de projetos já existentes, de investimentos antes programados de empresas estatais e empresas privadas. As primeiras especialmente, e nas áreas de petróleo e energia elétrica; setores que surgem no PAC como responsáveis por mais da metade dos investimentos previstos para quatro anos do novo programa, pouco superior a R$ 500,0 bilhões.

Investimentos totais com recursos orçamentários dentro do PAC - os já antes previstos e mais os novos, são ridículos - R$ 67,0 bilhões em quatro anos, ou R$ 17,0 bilhões anuais, que representam algo como 0,8% do PIB. O que significa absoluta desimportância absoluta e relativa. Na dúvida, basta comparar com os R$ 13,0 bilhões que o Tesouro deu ao BC em 10 de janeiro de 2006, para cobrir os prejuízos de 2005; ou com outros R$ 13,0 bilhões igualmente entregues em 10 de janeiro de 2007, para cobrir o rombo de 2006; despesas, aliás, surpreendentemente não registradas pelo TN na hora de apurar seus misteriosos superávits primários - o que se comprova facilmente consultando a publicação mensal Resultados do Tesouro Nacional.

Para que se tenha idéia mais precisa da insignificância dos recursos orçamentários nas caldeiras da PAC, é útil relembrar que o Tesouro deixou com o Banco Central, de graça, para camuflar parte da "caixa preta", outros R$ 25,0 bilhões, relativos ao papel moeda emitido apenas em 2006 e 2007; e bastaria alterar as regras do final de 1985, de Sarney, e outras de fins de 1998, de FHC, passando a obrigar o BC a comprar, por ocasião das emissões, valor equivalente em títulos do Tesouro não remunerados, alimentando um fundo para investimentos essenciais nos grandes aglomerados urbanos. Afinal, dinheiro de custo zero deve ser do governo, da nação, e não repassado como subsídio encoberto para suprir perdas do BC em suas relações com o sistema financeiro.

E como ninguém quer colocar o guizo no pescoço do gato, o Banco Central tem hoje um saldo em torno de R$ 85,0 bilhões provenientes das emissões monetárias, de custo zero para a instituição, aplicados em títulos do Tesouro com juros elevados. O que significa outros R$ 10,0 bilhões anuais de ganhos espúrios, extra-orçamento. E é útil lembrar que o BC em si dispensa tais cobertores, já que conta com um dos mais qualificados quadros de servidores da administração pública federal.

Ora, se apenas nos últimos dois anos o Governo concedeu ao BC subsídios diretos ou indiretos superiores a R$ 70,0 bilhões - dados absolutamente irrefutáveis - o que se pode esperar de um programa que pretende, mesmo turbinado com recursos extras, aplicar em quatro anos apenas R$ 67,0 bilhões de verbas orçamentárias ?

Ainda mais quando o Tesouro vem gastando perto de R$ 200,0 bilhões a cada ano - metade com recursos obtidos emitindo novos títulos - apenas com os juros de uma dívida impagável originada do Plano Real, multiplicada a cada ano pelos juros do esperto esquema Selic.

O PAC Contorna Questões Fundamentais

Se o PAC não redireciona recursos do Tesouro para um programa amplo de investimentos. Se o PAC desconheceu que se os investimentos na infra-estrutura econômica são essenciais para evitar estrangulamentos setoriais, o que pode ampliar rapidamente o emprego e a procura de bens e elevar o bem estar são investimentos mais simples em equipamentos urbanos - saneamento, habitação popular, modernização de vias públicas, sistemas de transportes de massa, recuperação de escolas, hospitais e passeios.

Se o PAC insiste em reduzir impostos para empresas, que não investem por falta de mercado, em lugar de reduzir as taxas de juros e os tributos diretos e indiretos que afetam a renda das famílias e mantém a economia travada, então como esperar que o programa possa funciona como uma catapulta?

Resta lembrar que faz parte do impasse atual, e terá de ser logo enfrentada, a manutenção artificial - sustentada por fluxos de capitais especulativos - de uma taxa de câmbio ultravalorizada, com a qual só sobreviverão, como exportadores e mesmo como produtores internamente, setores cujos preços internacionais subiram turbinados pela presença chinesa.

Assim como é impossível que o Tesouro continue aceitando ad infinitum que as taxas de juros de curto prazo, tabeladas pelo Banco Central sob o manto dos enganosos rituais do Copom, continue determinando os custos da dívida pública. Aliás, o Governo há muito deveria ter assumido o comando do conjunto das principais decisões de política econômica, detido ilegitimamente pelo Banco Central - apenas um órgão auxiliar da administração, e que, na busca de isenção, deveria ter sua diretoria composta apenas de especialistas dos quadros governamentais.

*Economista e professor universitário. Foi Membro do Conselho Federal de Economia de 1984 a 1986, e seu Presidente em 1986.

Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter

Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
X