Generais e patrões: os militares egípcios-norte-americanos

Com a situação em escalada rumo a confronto declarado entre os militares egípcios e apoiadores da Fraternidade Muçulmana, Washington brinca mais uma vez de cabra-cega com estados seus fregueses.
Feliz de ver os islamistas de volta, o governo dos EUA resistiu a chamar de golpe a derrubada do presidente Morsi, nem depois de influentes membros do Congresso a terem identificado como tal.


Marwan Bishara, Al-Jazeera, Qatar

O governo Obama queria que o golpe prosperasse, mas não queria ser apanhado com sangue nas mãos. Mas se contava com conseguir acalmar os militares e manobrá-los, errou. Os generais decididos a conter, se não a quebrar a Fraternidade, viram os problemas políticos que o Egito enfrenta como problemas de segurança a exigirem o uso da força.


Impuseram leis de emergência que permitem maior controle, mas o movimento só fez aumentar a violência. Prepararam-se para atacar violentamente os apoiadores de Morsi. E viram Washington permanecer quase integralmente em silêncio. Os clamores dos EUA por moderação, diálogo e pela volta das urnas pareceram mais retóricos que práticos ou efetivos.


A ansiedade por manter relação íntima com os militares e por continuar relevantes no Egito impediu que os norte-americanos tomassem posição clara.


Investir nos militares egípcios
O Egito é "importante aliado não OTAN", com as ligações de militares com militares no centro de tudo. As relações entre os militares egípcios e o ocidente começaram depois do Tratado de Paz de 1979 entre Israel e Egito. E fizeram do Egito o segundo maior beneficiário de assistência bilateral,[1] atrás só de Israel.


Para tanto, foi necessário um grande investimento financeiro e militar que totalizou $66 bilhões[2] desde a assinatura do Tratado de Paz. A corte que os americanos fazem aos generais egípcios custa aos EUA US$ 1,3 bilhão ao ano, desde 1987.[3]


Presentes caros, como 1.000 tanques[4] e 221 jatos de combate[5] ao custo de bilhões mostram o quanto os EUA comprometeram-se com o Egito.


Em 2011 - ano da revolução -, o Egito recebeu quase 1/4 de todos os fundos do Financiamento Norte-americano para Militares Estrangeiros [orig. America's Foreign Military Financing].[6] A colaboração EUA-Egito resultou, dentre muitas outras coisas, numa força egípcia americanizada de defesa.


Anualmente, mais de 500 oficiais egípcios beneficiam-se do sistema norte-americano de educação militar.[7] Entre esses, altos oficiais egípcios, inclusive o comandante da defesa nacional do país, general Abdel Fattah al-Sisi, que se formou na Academia de Guerra dos EUA na Pennsylvania, e o comandante da Força Aérea, Reda Mahmoud.


A educação e a formação dos oficiais egípcios em academias militares norte-americanas, os programas de treinamento e os exercícios militares conjuntos geraram traços duradouros de ligação entre os establishments dos dois países.


Duas posições que são uma
A questão então é: com os militares egípcios convertidos em parceiros que já causavam tantos embaraços - o que os EUA deveriam ter feito? Um ultimato? Cortar a ajuda, depois de anos durante os quais os EUA foram fonte de fundos tão significativos?


A sabedoria convencional no establishment político no Oriente Médio, especialmente entre os aliados de Israel, reza que Washington precisa manter relacionamento íntimo com os militares egípcios, e sempre.
Há quem diga que os militares egípcios são aliados confiáveis e indispensáveis naquele mar revolto; e apoiá-los serve também aos interesses da segurança nacional dos EUA. Para esses, as forças civis emergentes - populares, se for o caso; islamistas ou seculares - não são nem amistosas nem confiáveis.
Outros dizem que calar qualquer crítica permite que Washington exerça alguma influência na tomada de decisão dos militares.


O recém nomeado "enviado de paz" de Washington para o Oriente Médio, Martin Indyk,[8] diz que os EUA devem comunicar-se por canais privados com os militares do "maior, militarmente mais poderoso, culturalmente mais influente e geoestrategicamente mais importante país do mundo árabe", nunca trabalhar contra eles.
 
Papéis invertidos
Alguns, uma minoria no establishment de Washington, defendem o rompimento de relações com os militares egípcios se não puserem fim à violência. Veem qualquer sinal de cumplicidade entre os EUA e os militares egípcios autoritários como danoso aos interesses dos EUA de longo prazo, sobretudo porque abre caminho para algum tipo de retaliação por islamistas na região.


Mas é ilusório supor que esse tipo de alerta merecerá qualquer atenção em Washington. Que sentido haveria em cortar a ajuda militar, num momento em que os EUA vão rapidamente perdendo a importância na região?


Vendo reduzirem-se o próprio poder de alavancagem e a própria influência, sobretudo se se consideram os eventos dramáticos em curso na Síria, Iraque, Irã, Líbano e em toda a região de modo geral, Washington absolutamente não poderá abrir mão de um dos poucos pilares estratégicos que lhe restam no Oriente Médio.


Os militares egípcios sabem perfeitamente disso tudo e compreendem muito bem a utilidade que têm para os EUA na região. Por exemplo: e se o próprio Egito decidir 'separar-se' dos EUA? Com certeza haveria pânico em Washington e não menos pânico em Israel.


Afinal de contas, não é o Egito quem ajuda os EUA a manter a estabilidade[9] por ali e a preservar a segurança de Israel?


O caminho adiante...
Washington muito apreciaria que os generais pusessem fim à violência, que entregassem o país a governo civil, que admitissem um retorno rápido ao processo democrático e até, talvez, que se recolhessem de volta à caserna.


Mas, se dizem tal coisa, os EUA só o dizem em voz baixa, sem o cuidado de fazer saber aos generais que o fracasso deles terá consequências que lhes serão cobradas. Com a espiral de violência alastrando-se pelas ruas do Egito, os EUA teriam de fazer valer o poder de alavancagem que tenham sobre os militares egípcios.


A declaração da Casa Branca e a fala do secretário de Estado condenando a violência não são, de modo algum, bom começo. Condenar a violência? Mas todos condenaram a violência... Até os generais egípcios!


Não há conversa privada ou com os respectivos botões ou arrependimentos públicos que consiga conter a escalada da violência. Se têm real poder sobre o seu estado-freguês, os EUA têm de começar por dizer aos generais egípcios: acabem com a lei de emergência e reponham em cena as urnas. Não há terceira via. É isso ou isso.
 
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[1] http://www.fas.org/sgp/crs/mideast/RL33003.pdf
[2] http://www.theatlantic.com/international/archive/2012/09/the-us-and-egypt-sure-look-like-allies-at-least-on-military-matters/262411/
[3] http://www.fas.org/sgp/crs/mideast/RL33003.pdf
[4] http://www.npr.org/blogs/money/2013/08/08/209878158/egypt-may-not-need-fighter-jets-but-u-s-keeps-sending-them-anyway
[5] Idem.
[6] http://www.fas.org/sgp/crs/mideast/RL33003.pdf
[7] http://killerapps.foreignpolicy.com/posts/2013/07/02/soldiers_trained_by_us_threatening_to_overthow_egypt
[8] http://www.foreignpolicy.com/articles/2013/07/04/its_time_to_embrace_egypts_generals
[9] http://globalpublicsquare.blogs.cnn.com/2013/08/12/no-dont-cut-military-aid-to-egypt/
Traduzido por Vila Vudu
http://www.iranews.com.br/noticia/10629/generais-e-patroes-os-militares-egipcios-norte-americanos%3E

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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