A árvore genealógica da economia

Marcus Eduardo de Oliveira

Introdução

Ninguém pode ignorar a economia por dois únicos e singelos motivos: o primeiro é que não há recursos suficientes para todos, visto que os desejos são ilimitados. A escassez, entendida como falha de mercado, é uma verdade inconteste. O segundo motivo é que todos nós fazemos parte da economia. E os mais diversos assuntos que envolve a economia também nos envolvem a cada momento. Assim, independentemente do estágio evolutivo de cada sociedade, sempre nos afetará situações que envolvem a geração de emprego, de renda, o combate à pobreza, a fome, as transferências de recursos, a tributação, a compra e a venda de mercadorias.

Ao comprarmos um ingresso de cinema, ao abastecermos o carro, ao viajarmos em férias, ao matricularmos um filho na escola, ao embarcarmos numa condução pública, ao pagarmos impostos e taxas, ao procurarmos os serviços de um dentista, médico, detetive ou advogado, estamos participando do comércio e das finanças; estamos consumindo, gastando e, assim, fazendo o dinheiro circular. Não é por acaso que a crença popular vaticina que é o dinheiro que move o mundo. E move justamente porque com o dinheiro ativa-se o comércio de bens e serviços. Dessa forma, as economias são “controladas” pela sua base monetária (a quantidade de dinheiro em circulação). É a base monetária de um país que determina a rapidez (Time is money, diz o adágio frequentemente proferido em países de língua inglesa) com que uma economia pode crescer. Razão pela qual quando seca a “torneira financeira” das empresas, dos indivíduos e do governo a atividade econômica desacelera. Para evitar que ocorra uma desaceleração da atividade econômica, o banco central (guardião do dinheiro de um país) precisar controlar essa base monetária de forma equilibrada.

 Qualquer desequilíbrio, tanto para cima, quanto para baixo, acarreta sérias consequências para todos. Se o banco central permite a expansão da base monetária (excesso de dinheiro em circulação), certamente isso levará a um processo inflacionário. Caso contrário, se a base monetária for restringida (“enxugamento” de dinheiro em circulação), a recessão se avizinha, provocando então o aparecimento da indesejada situação de desemprego crônico.

No entanto, para um controle do comércio de bens e serviços, para que a produção possa acontecer de maneira a atender o mercado interno, recomenda-se que esta seja otimizada, alocando, para isso, de forma eficiente, os recursos disponíveis. É essa a tarefa precípua que compete aos organizadores da economia moderna. Cabe a esses organizadores, estejam eles respondendo aos ditames das leis do mercado ou aos princípios de uma economia planejada, atingir em primeira instância aquilo que James Edward Meade (1907-95), laureado com o prêmio Nobel em 1977, destaca como sendo os três principais objetivos da economia: 1) A LIBERDADE – garantir a livre escolha por parte de cada cidadão; 2) A IGUALDADE – evitar a brutal diferença entre a riqueza e a pobreza; e, 3) A EFICIÊNCIA – praticar o melhor uso dos recursos disponíveis de modo a garantir um melhor padrão de vida.

Se for verdadeira a afirmação corrente de que olhando para o passado encontramos algumas respostas para as questões presentes, as ciências econômicas, desde que esteja realmente a serviço de ser útil para a compreensão do ambiente econômico e social que a cerca, se coloca, nesse pormenor, como anfitriã das outras ciências sociais para o completo entendimento do que ocorre atualmente nas diversas sociedades, visto que essa ciência jamais poderá ser negada, uma vez que a todo instante, até mesmo sem percebermos, estamos fazendo parte da “economia”, ora comprando, vendendo, trocando ou distribuindo. Nesse sentido, a economia se enquadra de forma precisa naquilo que o personagem de Sherlock Holmes disse: tudo é uma questão de “observação e dedução”.

Na figura de consumidores ou produtores, de patrão ou empregado, de provedor ou beneficiário, todos estamos inseridos nessa ciência social que é também definida como a “ciências das escolhas”. Longe da frieza dos gráficos, das equações, dos modelos matemáticos e estatísticos, e das taxas diversas, a economia é, antes de tudo, o estudo do comportamento humano, interagindo num mesmo espaço chamado mercado que é, por sua vez, repleto de fatos e acontecimentos. Como diz o professor Robert Solow (1924), fígura ímpar das ciências econômicas, “os fatos pedem explicações, e as explicações pedem novos fatos”. Portanto, tentar compreender esse “comportamento” que está em nosso dia a dia é a tarefa que cabe aos economistas modernos.

No entanto, nas palavras de Tim Harford, autor de O Economista Clandestino, “o fato de que a economia é uma ferramenta para uma análise objetiva não quer dizer que os economistas sejam sempre objetivos. Os economistas estudam o poder, a pobreza, o crescimento e o desenvolvimento. É difícil gerar modelos que descrevam esses assuntos sem se sensibilizar com o contexto real onde eles se encontram”.

De toda sorte, este texto pretende apenas e tão somente fazer um rápido “passeio” pela história econômica, não se curvando a linha do tempo, muito menos se prendendo a analisar, pormenorizadamente, o “comportamento humano”. Evidentemente, não temos aqui a pretensão em abarcar todos os fatos e personagens importantes da história econômica. Tal tarefa, de difícil realização, deve ficar a cargo dos mais devotados historiadores econômicos.

Os que fizeram (e ainda fazem) as ciências econômicas

Para tentar compreender os fenômenos econômicos atuais, é preciso, antes, “mergulhar” no espaço e no tempo daqueles que fizeram e contribuíram (tanto na teoria quanto na prática) para a história do pensamento econômico. Dos mais singelos aos mais ilustres pensadores, as ciências econômicas, filha legítima da Teologia, do Direito e da Filosofia, é a ciência que foi “desenvolvida” por um francês médico da corte de Luís XV, por um professor de Anatomia em Oxford, pelo filósofo grego que cunhou o termo Economia, pelo escocês que dava aulas de Filosofia Moral, pelo britânico que fez fortuna operando na bolsa de valores de Londres, pelo professor universitário inglês que assessorou o governo dos Estados Unidos, pelo austríaco que chegou ao cargo de Ministro das Finanças em seu país, pelo pastor protestante preocupado com o excesso populacional, por aquele que foi considerado o chefe da chamada “escola neoclássica de Cambridge”, pelo professor norte-americano que acreditava “não existir almoço grátis”, pelo advogado e filósofo alemão repleto de idéias revolucionárias que recomendava a união dos proletários do mundo como saída para a construção de um mundo melhor.

Segundo a “Árvore Genealógica da Economia”, descrita pelo professor Paul Samuelson (1915), a economia tem em “Adam Smith o gênio tutelar da escola clássica que gerou David Ricardo, o 'pai de todos', que gerou duas correntes opostas: uma, ortodoxa, personificada em John Stuart Mill e nos neoclássicos Léon Walras, William Stanley Jevons e Alfred Marshall, a qual gerou John Maynard Keynes, de quem provieram, por sua vez, os 'neo' e os 'pós-keynesianos' dos nossos dias; outra, heterodoxa, representada por Karl Marx e seus descendentes 'socialistas científicos' matizados de hoje”. (ver Ottolmy Strauch, na parte Introdução, ao livro sobre Marshall, São Paulo, Nova Cultural, 1996).

O fato é que a economia esteve ou no centro propriamente dito ou nos bastidores dos principais eventos da Humanidade. Assim se fez presente nos escritos dos “pais fundadores” do pensamento econômico ocidental: Platão (428/427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 A.C.). Segundo Platão, cada ser humano nasce com uma determinada vocação para exercer um ofício. Aristóteles via nisso uma ordem natural, chegando a defender a escravidão como um “fator natural” que não devia ser mudado. A economia se fez presente no surgimento, formação e desenvolvimento dos mercados ocorrido nas cidades européias no final da Idade Média; no sistema de formação de preços, nos problemas da filosofia social; no Individualismo (doutrina segundo a qual o centro da vida humana se encontra na ação do indivíduo); no excesso populacional; no liberalismo intervencionista. Esteve ainda no pensamento dos revolucionários utópicos, na visão marxista do desenvolvimento e colapso do capitalismo, no movimento ludista que começou em 1811 no interior da Inglaterra e no aço, carvão e na manufatura que foram a base da Revolução Industrial.

As ciências econômicas encontrou representantes e representados no mercantilismo (Petty), na fisiocracia (Quesnay), na escola clássica (Smith, Malthus, Stuart Mill, Ricardo), na crítica ao capitalismo (Marx, Weblen e Hobson), no marginalismo (Pareto, Jevons e Walras), no neoclassicismo (Marshall), no keynesianismo (Keynes e Kalecki), no historicismo (Weber) e no pensamento econômico contemporâneo (Schumpeter, Samuelson, Myrdal, Sraffa, Robinson e Galbraith).

Quando os neoclássicos se apresentaram ao mundo, as ciências econômicas lá estava representada no conceito de utilidade marginal e na busca do bem-estar individual. Quando a crise econômica resolveu “abalar” os alicerces do capitalismo mundial, a economia se fez presente no programa New Deal e, com John M. Keynes, voltou a “abalar” o mundo, só que agora em forma de “revolução científica”, fundando os conteúdos teóricos da atual macroeconomia.

As ciências econômicas esteve junto a teoria política que inaugurou a planificação na União Soviética, assim como esteve presente no primeiro plano quinquenal desse país. A economia esteve nos custos e nas consequências da Segunda Guerra Mundial e na Guerra Fria, assim como se fez presente com Joseph Alois Schumpeter (1883-1950) na “sobrevivência” do capitalismo, pelas mãos dos “revolucionários da economia”: os empreendedores.

A atividade econômica esteve, está e sempre estará nas grandes empresas, nos grandes sindicatos, nos grandes governos, assim como também está, acima de tudo, na grande sociedade, ávida por vivenciar dias melhores; principalmente quando se trata de consumir mais bens e serviços, de preferência a custos mais baixos para que grande parte da população tenha acesso as benesses que essa atividade econômica pode proporcionar. A economia está nos custos e benefícios marginais que são o que realmente interessa para a eficiência de uma economia.

A economia está em tudo e tudo parece gravitar ao redor da economia

Como a economia está em tudo e quase tudo parece gravitar ao redor da economia, o professor Roger E. Backhouse, renomado historiador econômico, afirma que até mesmo nos textos do Velho Testamento ou na poesia de Homero encontram-se excertos econômicos. Não nos esqueçamos, nesse pormenor, que a sociedade descrita na Ilíada e na Odisséia, obras atribuídas a Homero (ainda que haja dúvidas quanto a sua existência), reflete o mundo micênico (Idade do Bronze) e eram sociedades organizadas fora dos padrões do mercado, baseadas na pilhagem, no roubo e nos tributos pagos por sociedades derrotadas como maneiras de distribuir riquezas. Portanto, foram sociedades em que a atividade econômica marcou sua presença.

Hesíodo que viveu no final do século VIII a.C. é outro poeta do Mundo Antigo que também parece guardar uma relação próxima com a economia. Um dos poemas atribuídos a esse autor – Os trabalhos e os dias – tem forte conteúdo econômico. De acordo com Backhouse, Hesíodo pode ser lido como alguém que via o problema econômico básico como de escassez de recursos. A razão para os homens trabalharem é que “os deuses mantêm o alimento escondido dos homens: caso contrário se trabalharia facilmente em um dia o suficiente para se prover para o resto do ano sem trabalhar”. Hesíodo, além de ter sido o primeiro poeta individualista, foi também o primeiro a se queixar publicamente da opressão dos humildes, da injustiça crescente a da supremacia dos ricos.

A economia presente no Mundo Antigo

A atividade econômica está fortemente “registrada” no século 12 a.C., quando os hebreus que viviam nos desertos do Norte da Arábia, organizados em famílias e tribos, conquistaram novos territórios (Canaã) e neles se instalaram. De igual maneira, ao exigirem justiça social, os primeiros profetas de que temos notícias Elias, Eliseu e, depois, Amós, Isaías e Jeremias estavam praticando o que hoje denominamos de economia social.

A atividade econômica também é registrada pela história no período que vai do sétimo ao quarto século a.C., principalmente com Anaximandro de Mileto (610–547 a.C.) que desenhou o primeiro mapa do mundo conhecido; certamente atendendo a interesses de alguém que vislumbrava alcançar novos espaços. Já com o historiador grego Xenofonte (cerca de 430–355 a.C.), vem o conceito Oikonomikos – referindo-se a administração patrimonial. A prática econômica esteve arraigada no comércio e no poderio naval (as forças de Atenas) e na agricultura e no exército (as forças de Esparta), assim como esteve presente no grande período de prosperidade que marcou a época de Péricles, de 461 a 430 a.C.. De igual modo esteve na pirataria que foi eliminada do Mediterrâneo oriental, fazendo florescer, a partir disso, o comércio, a agricultura e a manufatura comercial. Verificou-se intensa atividade econômica nos grandes projetos de construção da época de ouro ateniense, como o Parthenon e nos ensinamentos dos sofistas – os primeiros intelectuais a cobrar pelos seus ensinamentos, dentre eles o maior de todos – Protágoras (500 ou 480 a.C. - Aprox. 410 a.C.).

A economia se fez enraizar na Constituição romana que vinculava o poder político à propriedade da terra e ao serviço militar. Nesse período, guerras e conquistas eram as principais fontes de riqueza, e os soldados eram frequentemente recompensados com concessões de terras. É possível ainda encontrar “pensamentos econômicos” nos escritos teológicos sob diferentes aspectos, isso muito antes das ciências econômicas surgir de fato. Nesse pormenor, o pensamento escolástico “uniu” as idéias econômicas aos ensinamentos morais contidos na Bíblia. Santo Agostinho (354-430), por exemplo, o mais douto dentre os doutores da Igreja Católica, vislumbrava uma sociedade perfeita a partir do progresso e entendia que “o supérfluo dos ricos é o necessário dos pobres”. Santo Tomás de Aquino (1225-1274), em Suma Teológica, obra escrita quinhentos anos antes de A Riqueza das Nações, de Smith, já alertava para a prática dos preços de forma justa, longe da usura e dos ganhos fáceis. São Malaquias (1094-1148), por sua vez, gritando contra a opressão e a injustiça social indagava: “Não somos todos filhos de um único Pai? Não fomos todos criados pelo mesmo Deus? Por que, então, vivemos nos desprezando uns aos outros?”. Na Carta Encíclica, Rerum Novarum, do Papa Leão XIII (1810-1903), de 1891, a economia está presente pelo lado social, na intensa defesa sobre a condição dos operários, no aspecto da riqueza, destacando a diferença entre a posse e o uso. “A posse é particular, o uso é universal” escreve Leão XIII.

A economia presente no Mundo Moderno

No Renascimento e no surgimento do mundo moderno (século XV) a economia, como não poderia deixar de ser, também lá se fez presente. Na segunda metade desse século, os portugueses começam a explorar as costas africanas e chegam à Índia, em 1498. As Índias ocidentais foram alcançadas seis anos antes, em 1492 e, poucos anos depois, os continentes da América do Norte e do Sul foram descobertos. Tempos depois, a atividade econômica esteve presente nas conquistas espanholas na América que forneceram para a Europa imensas quantidades de ouro e prata. Em todo o período do fim da Idade Média ao Iluminismo – do século XV ao XVIII – o pensamento que dominou foi de forte cunho econômico - o Mercantilismo, termo esse “inventado” por Victor Riqueti (1715-1789), conhecido como marquês de Mirabeau, e popularizado por Adam Smith.

No entanto, foi somente a partir de 1756, apenas duas décadas antes do lançamento de A Riqueza das Nações, que se constituiu o primeiro grupo organizado de economistas – Les Économistes (os Fisiocratas), que teve na figura de François Quesnay (1694-1774) seu principal idealizador. Apesar de ser médico da corte francesa, mais precisamente de Madame de Pompadour – a amante de Luís XV – Quesnay com a publicação do seu Tableau Économique (1758) se voltou para a economia analisando a circulação do dinheiro – certamente fazendo analogia com a circulação do sangue dentro do corpo descoberta por Harvey em 1628. Outro nome proeminente desse grupo é sir William Petty (1623-1687), professor de Anatomia em Oxford, em 1650. Nascia assim os primeiros economistas, embora ainda não exerciam essa função de forma profissional.

O nascimento das Ciências Econômicas

Depois de um lento desenvolvimento, a economia foi fortemente influenciada por teorias científicas como as de Newton e Darwin, pelo pensamento de Aristóteles e Platão, por movimentos filosóficos (Iluminismo, Positivismo), por métodos matemáticos, por técnicas estatísticas e sempre esteve confrontada por questões práticas como bem-estar, conflitos armados, colonialismo, desenvolvimento, comunismo, socialismo e a transição para o mundo capitalista. Em todas essas situações não há espaço para a seguinte dúvida: o comportamento humano sempre se fez presente. Talvez seja por isso que Lionel Robbins (1898-1984) definiu Economia como “a ciência que estuda o comportamento humano como relação entre fins e meios escassos que têm usos alternativos” (An Essay on the Nature and Significance of Economic Science - 1932).

Regressando no tempo, cumpre inicialmente apontar que de 1729 a 1746 a cátedra de Filosofia Moral na Universidade de Edimburgo foi ocupada por Francis Hutcheson (1660-1739). Tido como o iniciador do Iluminismo escocês, Hutcheson que cunhou o termo “divisão do trabalho”, embora Platão já fizesse referência a isso, teve entre seus alunos o formidável Adam Smith (1723-1790). Com Smith, a economia, enquanto ciência, ganhou corpo teórico pela primeira vez. E, com ele, o crescimento econômico de uma nação foi visto a partir da divisão do trabalho (que aumenta a eficiência do fator trabalho, isto é, sua produtividade) e da acumulação de capital, rejeitando as teses mercantilistas que consideravam como fonte de riqueza apenas a posse de metais preciosos.

Ao todo, os cinco “livros-capítulos” que formam A Riqueza das Nações, obra seminal de teoria econômica, publicado em 1776, pode ser entendido como um vasto compêndio de teoria, história econômica e recomedações políticas. É com essa obra que se convencionou inaugurar a economia vista pelo prisma de ciência social. A partir dos escritos de Smith, a filosofia moral dava lugar à economia política. Figura-chave nessa transição foi Thomas Robert Malthus (1766-1834), um clérigo da Igreja da Inglaterra que entendia que um auxílio por parte do governo aos mais pobres somente causaria maior dependência destes em relação ao poder público.

Nesse mesmo período, ganhou relevância o “princípio do utilitarismo” - a maximização da soma da felicidade dos indivíduos. Jeremy Benthan (1748-1832), intelectual que puxava à frente essa linha de pensamento foi, sem dúvida, depois de Smith e junto a David Ricardo (1772-1823), a principal influência sobre os economistas clássicos.

Com Ricardo, a economia sofreu a reformulação da teoria do valor-trabalho (teoria de que os preços da mercadorias serão proporcionais ao trabalho necessário para produzi-las) levando em conta a utilização do capital técnico e foi aprofundado o conceito das vantagens comparativas (um país pode preferir importar certos produtos que poderia fazer a custos mais baixos do que os do estrangeiro, se, com isso, tiver a perspectiva de conquistar uma posição dominante em outras produções exportáveis).

Fora do Reino Unido que abrigava os economistas acima citados, vamos encontrar em França duas figuras proeminentes que exerceram grande influência nos economistas no final do século XVIII e início do século XIX. O primeiro foi um acadêmico de nome Jean-Baptiste Say (1767-1832) que profetizou a inexistência de escassez de procura, afinal, “a oferta cria sua própria procura” nas palavras de Say. O segundo foi um professor de matemática em Lyon, Antoine-Augustin Cournot (1801-1877). Esse professor é considerado o primeiro economista a usar um diagrama para explicar como oferta e procura determinam o preço num mercado competitivo.

O século XIX ainda viu surgir a figura proeminente de Karl Marx (1818-1883). Nascido na Alemanha, Marx, cujo nome recebido na pia batismal foi Moses Mordechai Levi, estudou Direito e Filosofia e somente mais tarde se dedicou a economia. Leitor dos clássicos ingleses, especialmente de Smith e Ricardo, Marx partiu para a economia inicialmente criticando a divisão do trabalho proposta por Smith. No entanto, foi ao ler Ricardo que Marx chegou ao termo “Mais Valia”, depois de retomar a teoria do valor-trabalho. Para Marx, a noção de “mais-valia” fica clara ao perceber que há uma diferença entre o valor criado pela força de trabalho na forma de produtos vendáveis e a compra dessa mesma força de trabalho por seu valor de troca gerando um trabalho excedente. Partindo dessa idéia, da exploração do trabalho, Marx vislumbrava que o sistema capitalista, repleto de contradições cederia, mais cedo ou mais tarde, seu lugar ao socialismo, uma vez que o conflito inerente na sociedade capitalista levaria esse sistema a sua iminente queda. Transformação por meio de conflito é o “processo dialético” mediante o qual o socialismo substituiria o capitalismo, na visão marxista.

A matemática na economia: as contribuições de Jevons, Menger e Walras

O uso intenso de métodos matemáticos na economia se deve a três teóricos: o primeiro foi meteorologista e químico de nome William Stanley Jevons (1835-1882) que em The Theory of Political Economy argumentou que a economia era inerentemente matemática porque lidava com quantidades. O segundo exerceu a função de jornalista: Marie-Esprit Léon Walras (1834-1910) e, o terceiro, vem da Escola de Viena, sir Carl Menger (1840-1921).

A contribuição de mais destaque desses teóricos se refere ao abandono da visão clássica do valor-trabalho em favor do valor-utilidade, entendendo que as coisas são úteis quando podem responder a uma necessidade qualquer e, assim, permitir sua satisfação. Sem que um conhecesse o trabalho do outro, esses três teóricos chegaram a mesma conclusão: o valor de um bem decorre não da utilidade total do bem, e sim da utilidade marginal, isto é, a utilidade da última unidade consumida. Devemos ainda, a Walras, em especial, o modelo de concorrência pura e perfeita.

A revolução keynesiana e a macroeconomia

Depois de alguns longos anos de prosperidade econômica, o final dos anos 1920, do século XX, viu abalar as estruturas do sistema capitalista com o surgimento de elevadas taxas de desemprego e de quebradeira de empresas. Para dar respostas a essa situação até então inusitada (a Grande Depressão), um membro da elite intelectual e cultural de Londres se apresentava à cena econômica. Nascido em Cambridge, Inglaterra, em 1883, no mesmo ano da morte de Marx, John Maynard Keynes estudou Filosofia e Economia, e teve como professor o neoclássico Alfred Marshall. Antes de se tornar o principal economista do século XX, Keynes trabalhou como executivo em companhias seguradoras, além de especular nos mercados de câmbio, de ações e de commodities, e a exemplo de Ricardo, acumulou considerável fortuna com essas especulações. Keynes tornou-se ainda ferrenho ativista do Partido Liberal e casou-se com uma bailarina ruusa do Balé Diaghilev. No entanto, Keynes fez algo muito proeminente para a ciência econômica: redefiniu essa ciência, fazendo surgir a teoria macroeconômica.

Com a Teoria Geral do Emprego, do Juros e da Moeda, obra magna publicada em 1936, a questão do emprego se fazia presente e a espinha dorsal do pensamento keynesiano passava a ser o princípio da demanda agregada. Segundo a teoria de Keynes, o emprego depende da demanda agregada, cujos componentes, no setor privado, são os gastos de consumo e o investimento das empresas, enquanto o nível de gastos de investimento depende da taxa de juros e da taxa de retorno esperado dos novos investimentos.

Keynes contestou enfaticamente a abordagem clássica e inverteu a Lei de Say, dizendo que não é a oferta que gera, por ajuste, a demanda dos produtos criados, mas sim a demanda que gera a produção. Pronunciou-se ainda contrário a teoria quantitativa da moeda, como havia sido enunciado por Irving Fisher (1867-1947). Keynes insistentemente afirmava que cabia ao governo gerar empregos aos desempregados e olhou atentamente para a demanda, e não para a oferta, como faziam os clássicos. As políticas por ele sugeridas fundaram um novo relacionamento de intervenção entre o Estado e a atividade econômica. No ano seguinte ao término da Segunda Guerra Mundial, em 1946, depois de ter assumido a presidência do FMI (Fundo Monetário Internacional), quando contava 62 anos, morreu, saindo da vida para entrar, de forma definitiva, junto com A Teoria Geral, na história dos grandes nomes e das obras de Economia, ao lado de Smith, com A Riqueza das Nações e, de Marx, com O Capital.

Considerações Finais

Indiscutivelmente a Economia (ciência e atividade econômica) atingiu um patamar em que, tanto nos países desenvolvidos, quanto nos que estão em desenvolvimento, bilhões de pessoas ao redor do mundo podem ser beneficiadas por boas e adequadas políticas econômicas, assim como também podem ser prejudicadas e terem seu futuro comprometidos, caso essas políticas estejam distorcidas. Minha conclusão, a esse respeito, é única: a economia possibilita a cada pessoa, independente da atuação do poder público, a chance de mudar seu destino e, por meio das conhecidas externalidades positivas – termo caro aos economistas – interferir de maneira benéfica no futuro de terceiros.

Quando digo independente da atuação do poder público, quero aqui acentuar o caráter de cooperação, de ajuda mútua, que marca o comportamento de determinadas pessoas. O caminho a ser trilhado rumo a uma sociedade mais justa e menos desigual, passa, em nosso entendimento, pela prática de um ajudar ao outro, tal qual acontece diante de algumas catástrofes que ganham repercussão nacional ou mesmo internacional. O modelo de sociedade ideal precisa percorrer o caminho que leva à cooperação, capaz de somar esforços, em troca do atual modelo centralizado de competição, que apenas divide e expurga os não vencedores. Esse último modelo já deu provas mais do que razoáveis de que é absolutamente segregador e individualista e, em nada contribui nos esforços da prática do bem comum e coletivo. Os agentes econômicos precisam identificar qual é o melhor modelo de sociedade e começar a pôr em prática a cooperação. As ciências econômicas possui essa peculiaridade de identificar a melhor saída. Ao economista moderno, cada vez mais, diante da brutal diferença existente entre o mundo rico e o mundo miserável, fica impossível estar indiferente a determinados acontecimentos; principalmente àqueles que se referem a morte de milhões de pessoas que são vitimadas diariamente pela fome, pelas doenças, pela pobreza, pela miséria e suas nefandas consequências por conta de políticas econômicas insensíveis ao sofrimento humano. Ainda que os economistas, não raras vezes, não concordam uns com os outros, a economia precisa aguçar seu lado social, afinal, a Economia está “classificada” como ciências humanas.

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Obras consultadas e recomendadas para aprofundamento teórico

BACKHOUSE, Roger E. História da Economia Mundial. São Paulo, Estação Liberdade, 2007.

BROCKWAY, George P. Economist Can Be Bad For Your Health. New York. W.W Norton and Company, 1995

DASGUPTA, Partha. Economia. São Paulo, Ática, 2008

DOBB, Maurice. Introduccion a la Economia. Ciudad de Mexico, Fondo de Cultura Economica, 1986

DROUIN, Jean-Claude. Os Grandes Economistas . São Paulo, Martins Fontes, 2008

FUSFELD, Daniel R. A Era do Economista, São Paulo, Saraiva, 2001

HARFORD, Tim. O Economista Clandestino. Rio de Janeiro, Record, 2007

SILK, Leonard. The Economists, New York, Discus Book, 1978

VERCESI, Alberto J. Historia del Pensamiento Economico. Bahía Blanca, Argentina, Editorial de la Universidad Nacional del Sur, 1999

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O autor:

Economista, professor da FAC-FITO (Economia) e do UNIFIEO (Depto. Comércio Exterior). Mestre pela USP e Especialista em Política Internacional (FESP).

Autor do livro “Conversando sobre Economia” (ed. Alínea).

Contato: [email protected]

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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