O avanço da intermodalidade

Milton Lourenço (*)

SÃO PAULO – Se o Brasil foi um dos primeiros países a sair da crise e pode crescer a um ritmo de 5% nos próximos anos, como prevê o economista Jim O´Neill, do Goldman Sachs, criador da expressão Bric (o grupo dos grandes países emergentes, Brasil, Rússia, Índia e China), vem por aí uma fase de intensificação do comércio exterior em que brasileiros e asiáticos poderão preencher os espaços deixados pela exuberância do consumidor norte-americano.

Diante disso, uma pergunta se impõe: como o País poderá crescer a 5% ou a um ritmo ainda mais forte com a atual infraestrutura logística? É de lembrar que 93% das cargas transportadas no Estado de São Paulo, por onde circulam 40% da economia nacional, continuam a seguir por via rodoviária. E que os acessos rodoviários ao porto de Santos, responsável por 27% do comércio exterior brasileiro, só não alcançaram ainda um estágio de estrangulamento total porque a crise internacional afetou sobremaneira a demanda.

Sem crise, como será?

A resposta para essa pergunta só pode estar no avanço da intermodalidade, ou seja, na restauração e ampliação da malha ferroviária e na adoção de uma política aquaviária de grande alcance. Mas não é assim que enxergam os nossos administradores públicos. Pelo menos é o que se conclui quando se constata que o chamado Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) dirige 60% de seus investimentos para o transporte rodoviário. Quer dizer: num país de dimensões continentais e com mais de oito mil quilômetros de costa marítima, parece que o governo ainda acredita que a saída é abrir (e asfaltar) estradas, deixando de lado modais tão imprescindíveis como o ferroviário, o hidroviário e a cabotagem.

O problema é que o Brasil está atrasado em todos os modais. E nunca há dinheiro que chegue. Afinal, o País não pode deixar de investir no modal rodoviário porque tem apenas 196 mil quilômetros pavimentados de uma malha rodoviária de um milhão de quilômetros. A título de comparação, diga-se que a Austrália dispõe de três milhões de quilômetros asfaltados, enquanto os EUA têm oito milhões. Isso significa que transportar contêineres ou carga geral em cima de caminhões ou carretas é ainda uma aventura, tal o número de obstáculos, como pontes mambembes ou caídas, estradas esburacadas, atoleiros, eixos quebrados, assaltos etc.

A solução, obviamente, seria recorrer à intermodalidade. Acontece, porém, que tanto a ferrovia como a hidrovia e a cabotagem dispõem de estruturas acanhadas, que têm servido, na maior parte das vezes, para transportar granéis. É verdade que, nos últimos tempos, com a privatização da malha ferroviária, esse panorama vem passando por mudanças e muitas indústrias já começaram a optar por enviar seus produtos acabados dentro de uma logística intermodal, que inclui trens e navios em território nacional.

Há quem diga que essa recente procura por vagões e embarcações é resultado da crise internacional, que reduziu a demanda dos grãos e minérios, e que o reaquecimento do consumo global pode levar outra vez as cargas industrializadas a perder espaço nesses modais alternativos para commodities. A percepção que se tem, porém, é que a intermodalidade é hoje um conceito em expansão no País, como provam os investimentos privados na aquisição de novas embarcações e vagões. Em outras palavras: a intermodalidade não está crescendo apenas por conta da crise, mas constitui um conceito e uma tendência que vieram para ficar.

Portanto, o que se espera é que os operadores de transportes venham a construir mais terminais ou plataformas logísticas que permitam a integração dos modais, ou seja, trocas rápidas das cargas entre eles, especialmente fora da região Sudeste, que é a única que dispõe de uma rede de terminais portuários e ferroviários em boas condições para a distribuição de produtos industrializados.

Da parte do governo, o que se percebe é que, apesar de toda a propaganda, os investimentos em projetos de infraestrutura necessários para o escoamento das cargas ainda são extremamente tímidos em comparação com as reais necessidades do País. Basta ver que um estudo da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) estimou que o País deveria investir R$ 280 bilhões em infraestrutura logística – dos quais R$ 127 bilhões só em rodovias. Mas o PAC só destina R$ 65 bilhões para todas as obras de logística. Desse jeito, convenhamos, o Brasil vai continuar a correr atrás do prejuízo por muito tempo.

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(*) Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Centro de Logística de Exportação (Celex), de São Paulo-SP.

E-mail: [email protected] Site: www.fiorde.com.br

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