De devedor a credor externo

Fernando de Holanda Barbosa*

O Banco Central informou que no mês de janeiro o Brasil se tornou credor líquido internacional, com os ativos nacionais superando a nossa dívida externa. Esta notícia deve ser comemorada? Ou, na verdade, é uma vitória de Pirro?

A crise da dívida externa da década dos anos de 1980 é um exemplo típico de uma falha de mercado. Os bancos internacionais nos emprestaram mais do que deviam e nos endividamos acima da nossa capacidade de pagamento. A solução deste imbróglio somente terminou em 1994 com a securitização da dívida do Plano Brady. Esta não foi a primeira vez que o Brasil se viu obrigado a reestruturar a dívida externa, mas certamente esperamos que tenha sido a última, pois repetir erros do passado não é uma atitude inteligente. Diante destes fatos, qual o argumento que justifica o endividamento de um país?

O mercado financeiro internacional permite que um país descase o fluxo de gastos do fluxo de rendimentos. Os norte-americanos, recentemente, têm gastado mais do que ganham e têm se financiado com endividamento externo. A Noruega quando descobriu petróleo no Mar do Norte, financiou boa parte dos investimentos necessários para colocar em produção os campos com recursos externos. O segundo PND, do Governo Geisel, usou também a estratégia do endividamento externo para financiar investimentos daquele plano, ao invés de aumentar a poupança doméstica com a redução equivalente do consumo da população. A poupança externa pode ser usada para financiar o consumo, no caso norte-americano, o investimento, no exemplo norueguês, ou o gasto do governo, no caso brasileiro. A contrapartida da poupança externa é a dívida externa.

Em princípio, não há nada de errado com a dívida externa, desde que o endividamento obedeça à regra de bom senso que todo agente, família, empresa, governo ou país, deve seguir: não tomar emprestado mais do que a capacidade de pagamento. Caso contrário, a concordata ou a falência bate à porta. A condição de sustentabilidade da dívida externa é que a relação dívida/PIB pode aumentar, mas a uma taxa menor do que a diferença entre a taxa de juros real externa e a taxa de crescimento do produto real. Um país pequeno, como o Brasil, não afeta a taxa de juros externa. Logo, temos que ser bastante conservadores, para não sermos apanhados no contrapé. No final da década de 1970, Paul Volcker, presidente do banco central norte-americano na época, aumentou a taxa de juros, para combater a inflação naquele país, e as dívidas do Brasil, Argentina e México, que pareciam sustentáveis, deixaram de sê-lo. Os três quebraram logo depois. A dívida externa é uma solução, mas pode ser uma armadilha se administrada sem levar em conta os riscos de mudança no cenário externo.

A principal causa da transformação do país em credor líquido tem sido a política agressiva do Banco Central do Brasil de aumento das reservas internacionais. No final de 2002, as reservas brasileiras eram de US$ 16,3 bilhões. Em fevereiro de 2008, as reservas internacionais estavam em US$ 189,4 bilhões, e pelo andar da carruagem elas continuam aumentando.

No sistema de câmbio flexível, diferente do regime de câmbio fixo, a necessidade de reservas é bastante pequena porque o banco central deve intervir no mercado de câmbio apenas para evitar volatilidade excessiva ou quando existir bolha. Um argumento usado pelos defensores da atual política é de que um nível elevado de reservas permitirá ao país atingir o grau de investimento, beneficiando o país por meio da redução da taxa de juros. O grau de investimento depende muito mais da qualidade da política macroeconômica, do que do nível de reservas. Outro argumento é de que esta política tem impedido uma apreciação maior do câmbio. Este argumento é duvidoso, pois se o banco central não tivesse comprado dólares, alguém teria feito.

O custo de carregamento das reservas é dado pela diferença entre a taxa de juros que o governo toma emprestado (digamos 11,25% e a taxa de aplicação das reservas (4% numa hipótese otimista). Alguém faria este tipo de negócio? O governo faz porque acredita que este é um tipo de seguro. Mas, o contribuinte termina pagando a conta. O Brasil, um país pobre, não pode se dar a este tipo de luxo. Um país que precisa criar empregos não pode também se dar ao luxo de ser credor líquido aplicando sua poupança em ativos estrangeiros. A poupança doméstica deve ser aplicada na ampliação da capacidade produtiva do país e na geração de empregos.

*O autor é Professor da Escola de Pós-Graduação em

Economia da FGV

Nota: Publicado na revista Conjuntura Econômica, edição de março de 2008.

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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