Crise geral do capitalismo II – Análise e sugestões

por Carlos A. G. Gomes [*]

Em 1973, e nos anos seguintes, a economia portuguesa esteve exposta ao impacto do rápido aumento, a nível mundial, dos preços dos produtos alimentares, das matérias-primas importadas, principalmente do petróleo, e dos produtos industriais. A aceleração, em 1974, da subida dos preços mundiais chegou a atingir a média de 25 a 30 %. No final do ano ainda não havia qualquer sintoma de redução da pressão inflacionista mundial. As exportações de bens e serviços registaram um fraco movimento explicado pelas condições externas tendo em conta as tendências de recessão dos outros países. (Relatório duma missão do FMI em 06/12/74)


"No período imediatamente anterior à revolução ocorreu ainda, por acréscimo, mas de modo sincronizado relativamente à crise internacional, uma situação de importante crise conjuntural: a taxa de inflação aproximava-se dos 30%; após tempos de intensa especulação, era já evidente a quebra nos mercados de títulos e de valores imobiliários; o défice da balança cambial de Janeiro a Abril de 1973 atingia cerca de 7 milhões de contos; e o sistema bancário debatia-se cada vez mais com graves problemas de liquidez.

Entretanto a baixa económica internacional – com a crise do petróleo e a instabilidade monetária, combinando inflação com estagnação ("estagflação") em termos que se não podem analisar mais aprofundadamente – marcou decisivamente esta fase anterior a 25 de Abril (recordem-se as primeiras altas de preços de gasolina no último trimestre de 1973, como situação emblemática do que iria ser a nova conjuntura), em termos que, aliás, iriam continuar, agravados, durante os anos de 1974 e 1975. Pode, assim, sublinhar-se que o 25 de Abril de 1974 ocorreu num momento em que a economia portuguesa combinava diversos dos factores de deterioração que resultavam, por um lado, da situação interna, e, por outro, da crise económica internacional, que se agravara sobretudo a partir do último trimestre de 1973." (História de Portugal – 20 Anos de Democracia, Coordenação de António Reis, pág.175. Ed. "Círculo de Leitores, Lisboa 1993)


Em Abril de 1974, todos os bancos privados estavam ligados a grandes empresas industriais, comerciais e alguns a latifúndios. Grupos dispondo de meios financeiros poderosos, utilizando abusivamente as poupanças dos depositantes, dirigiam e controlavam os sectores básicos da economia: produção de aço, transportes, construção naval, indústria química, etc.


Os fundos depositados nos bancos resultavam: das poupanças dos cidadãos residentes ou emigrados; dos excedentes de tesouraria das empresas, instituições ou serviços públicos: da acumulação de capital destinada a compensar os accionistas a investir nas próprias empresas ou em operações especulativas.


As taxas de juro eram legalmente fixadas. Porém, os grandes depositantes, empresas e pessoas ligadas aos bancos, ou os seus intermediários, beneficiavam de taxas mais elevadas, sendo os respectivos montantes retirados dos famosos "sacos azuis".


As pessoas ou sociedades relacionadas com os bancos pagavam pelo crédito obtido, sem limite e sem garantias, taxas inferiores ao mínimo legal ou até nulas. Em contrapartida, aos pequenos e médios comerciantes, agricultores e industriais, eram exigidos juros "por fora", debitadas comissões, muitas vezes irregulares, e exigidas hipotecas, penhoras ou avales, como garantias nem sempre justificáveis. Os juros cobrados acima dos máximos legais constituíam receita dos "sacos azuis".


Milhões de contos estavam envolvidas em meras operações especulativas, compra e venda de títulos, contribuindo para a espiral das cotações da Bolsa. Pequenas economias individuais foram absorvidas pela avidez de obtenção de fáceis mas falsos lucros.


Compete ao sistema bancário proceder a uma correcta aplicação dos seus recursos que se traduza na sua contribuição para o desenvolvimento económico e social do País. É da competência do Estado e do Banco Central estabelecer regras, norma técnicas e éticas, que devem ser respeitadas pelos bancos. Porém, a concessão de crédito não correspondia ao interesse nacional, mas sim aos interesses dos grupos monopolistas, em que os bancos se inseriam, e á realização de elevados lucros. Muitas das empresas mais rentáveis acabavam por ficar tuteladas através do crédito ou das garantias prestadas.


Em anos anteriores a 1974, foram constituídas, por intermédio de um dos principais bancos nacionais, perto de uma centena de firmas com o capital mínimo de 50 contos, quase todas domiciliadas na mesma morada, sem qualquer actividade económica, mas dispondo cada uma dum crédito avultado que chegava a atingir cerca de 150 mil contos. Tais sociedades "fantasmas" pertenciam aos administradores, accionistas, colaboradores ou suas famílias. A principal filial deste Banco chegou a absorver mais de 70% dos seus depósitos locais na concessão de crédito às próprias sociedades do grupo em que estava inserido.


Os lucros apresentados nos balanços dos bancos eram previamente fixados pelas respectivas administrações segundo critérios da sua conveniência, tais como: influência na cotação das acções na Bolsa; melhoria dos dividendos a pagar aos accionistas; aumento dos vencimentos ou gratificações aos administradores ou directores. No final do ano de 1973, os resultados dos bancos comerciais, expurgados dos lucros obtidos em aplicações financeiras, em valores mobiliários ou em actividades especulativas, eram negativos.


Em 13 de Setembro foram nacionalizados os Bancos Emissores: Banco de Portugal, Banco Nacional Ultramarino e Banco de Angola. No mês seguinte, o Governo determinou a intervenção estatal no BIP - Banco Intercontinental Português, suspendendo os administradores em exercício e nomeando dois administradores por parte do Estado. Este banco foi posteriormente extinto, em Abril de 1977, absorvido pelo BPSM.
Em 29 de Novembro de 1974, o Governo nomeou delegados em instituições de crédito com funções de exame e apreciação da sua actuação nomeadamente no domínio da política de distribuição de crédito.


A nacionalização bancária, determinada em Março de 1975, travou a anarquia existente no funcionamento e o comportamento dos banqueiros que, uma vez perdido o poder político, enveredaram pela utilização das instituições financeiras como meio de contrariarem a política seguida pelos governos provisórios.


Os critérios de concessão de crédito foram então alterados e baseados fundamentalmente: na finalidade do crédito, segurança, liquidez e rentabilidade. Os sectores, que não podiam prescindir do crédito, foram os mais beneficiados tendo em atenção a sua maior utilidade económica e social. Predominou, como objectivos principais, a estabilização, o relançamento da conjuntura económica, a criação de empregos, a atenuação dos efeitos da crise reflectidos no comércio externo.


Algumas decisões relevantes merecem ser referidas. Em Maio de 1975 foi instituído a CAE – Crédito Agrícola de Emergência, destinado a beneficiar os pequenos e médios agricultores, com o objectivo a apoiar as preparação das culturas, o pagamento dos salários, a aquisição de sementes, rações, fertilizantes, combustíveis, pequenos equipamentos e outros produtos indispensáveis ao bom aproveitamento das explorações agrícolas. A formação no Norte dum grupo de intervenção no sector têxtil – GIEST – que acompanhou algumas empresas têxteis, devedoras à banca de quantias volumosas, manteve as unidades fabris em actividade, evitando o seu encerramento, com todas as suas gravosas consequências, como o desemprego de famílias inteiras, a redução das exportações e prejuízos para os bancos. Em relação às PME's, ainda antes da nacionalização bancária, o Banco Emissor passou a enquadrar um modelo de apoio financeiro destinado a facilitar a compra de matérias-primas, o financiamento de campanhas de produção, a cobertura de necessidades permanentes de tesouraria.


Em Dezembro de 1975, estes benefícios começaram a ser restringidos e as taxas preferenciais praticamente banidas três meses depois. Foi sol de pouca dura! O Banco de Portugal criou uma nova tabela de taxas de juros que vieram beneficiar os grandes agrários. Mês após mês, o CAE foi sistematicamente combatido de forma a perder todo o seu significado, o GIEST rapidamente extinto.


Todas estas medidas tiveram um efeito de contenção das graves consequências da crise de 1974 que afectaram o funcionamento da economia a nível mundial, mas que Portugal conseguiu em certa medida escapar


[*] Economista, autor de Economia do sistema comunitário , [email protected]
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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