Mataram a galinha dos ovos de ouro…

Esta Crise Financeira tem semelhanças sinistras com a velha estória da galinha dos ovos de ouro, que resgatamos em versão revista e actualizada.

Rapazes traquinas da cidade de Chicago não descansaram enquanto não descobriram a galinha de ovos de ouro na granja do Tio Sam… de que ouviram falar na escola, por um tal de Milton Friedman. Ansiosos, aguardavam todos os dias a brilhante pepita em forma de ovo gigante que recolhiam e no seu lugar colocavam um ovo normal, daqueles que se saboreia no prato, para enganar outros curiosos… Havia porém um problema… A insólita ave, poedeira do nobre metal, como todas as outras, tinha apenas uma postura por dia, o que evidentemente não satisfazia a insaciável gula daqueles espertos petizes. Resolveram então dar à preciosa galinácea doses industriais de ração, enriquecida com muitas proteínas, pensando assim obter quantidades diárias crescentes, até ao infinito, das ricas “pepitas”. O pobre bicho engordou, engordou tanto, até que morreu de um súbito ataque cardíaco numa manhã nebulosa e fria… com o oveiro obstruído de intensa gordura amarela… Tristes, resolveram abrir o jogo ao bondoso tio que de pronto, invés de os castigar como mereciam, recompensou-os com farta omeleta… à custa dos ovos normais de todas as galinhas normais que existiam no reino anormal da granja…

Um problema não se resolve sem conhecer primeiro as suas causas. Por estes dias, tivemos o privilégio de ser obsequiados pelo testemunho de um ex-emigrante açoriano nos USA, onde trabalhou como pequeno empreiteiro. Na sua linguagem de homem simples, com forte sotaque micaelense, à mistura com vocabulário dos “américas”, demonstrando todavia a sabedoria de uma vida de trabalho árduo no campo e na construção, ficámos a saber que tudo começou com os preços exorbitantes das casas, várias vezes inflacionados para atender à especulação sobre o valor das hipotecas.

Disse-nos que nos anos sessenta uma moradia de médio porte custava à volta de 30 000 a 40 000 dólares e a gasolina era uma pechincha, cerca de 1/4 de uma “dóla” por galão (3,785 litros). Qualquer “gato-pingado” que chegava aos “States”, em pouco tempo podia realizar o seu “sonho americano”… Comprava uma casa com uma grande “cela” (Salão de festas, habitualmente na cave.) a milhas da cidade e uma “banheira” chevrolet com um consumo de 17 litros aos cem…

O crédito era facilitado e viajar 200 a 300 km por dia (ida e volta) para chegar ao trabalho ou a casa não era problema… Rodaram os anos e, depois do estoiro da “bolha do mercado electrónico”, proporcionada pela bolsa da NASDAQ, os especuladores financeiros, que vivem de bolha em bolha, viraram-se para uma nova modalidade especulativa: o imobiliário. As hipotecas transformaram-se num novo tipo de investimento, cotado na bolsa como qualquer acção.

O sistema alimentava-se a si próprio pela alavancagem especulativa das taxas de rendibilidade, baseada na super valorização do preço das casas, que chegou a atingir preços astronómicos de 10 a 15 vezes mais, relativamente à época acima referida. Os bancos especializados no mercado imobiliário, por sua vez, estimulavam o endividamento familiar com facilidades de crédito, incluindo planos de refinanciamento das dívidas. O cidadão, incauto, entrou no jogo acreditando que o objecto da sua dívida podia a qualquer momento ser resgatado graças à procura, e resgatado com grande vantagem financeira para ele. Deu-se porém o inesperado. O “Pico do Petróleo” inverteu o curso evolutivo dos preços especulativos do imobiliário e em consequência a gasolina é hoje mais cara cerca de 15 vezes em relação aos anos “doirados” dos anos sessenta.

É claro, com os rendimentos do trabalho a perder poder de compra, sobretudo na era de Bush, não há orçamento familiar que chegue e logo há que refazer as contas e deixar de “sonhar” com impossível… De uma situação de grande procura, passou-se ao oposto, de excessiva oferta. De uma hora para a outra milhões de proprietários ficaram insolventes. Contabilizam-se cerca de 10 milhões de famílias em situação critica. E os bancos e as casas financeiras que entraram na especulação imobiliária têm agora milhões de papéis sem qualquer valor comercial. É certo que têm as casas, contudo o valor destas, muito depreciado, não dá nem para mandar cantar um ceguinho, caso pudessem ser vendidas… De activos super-valorizados, passaram a activos negativos que ferem de morte a saúde económica dessas instituições.

A crise financeira desencadeada pela especulação no imobiliário dos USA, independentemente das suas consequências económicas, tem porém uma virtude… Mostra à exaustão os limites da ganância. Além do limite moral, que deve se impor a toda actividade humana, tem o material, por maior que seja a criatividade dos “Chicago-boys” em matéria de produtos financeiros. Se os homens quiserem, esta é a melhor oportunidade para uma mudança no actual paradigma económico, que está obsessivamente centrado na maximização do lucro e na concentração de riqueza, raiz de todos os nossos males económicos e sociais.

Artur Rosa Teixeira

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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