O uso de outros modais

Milton Lourenço (*)

Quem acompanha há quatro décadas a área do comércio exterior, como o responsável por estas linhas, sabe muito bem que o País não estava preparado para a mudança que sofreu rumo a um perfil exportador, depois da aprovação da Lei de Privatização dos Portos em 1993. Até então, a infra-estrutura dos portos brasileiros estava adequada a uma situação que não exigia maiores investimentos, o que resultara no seu sucateamento.

Quem é da época recorda que, nas décadas de 60 e 70, o Rio de Janeiro era um porto eminentemente exportador, enquanto a Santos cabia o papel de importador. Mas, à medida que esse perfil mudou, com cerca de 40% das exportações passando pelo porto santista, as deficiências portuárias apareceram de maneira mais evidente, pois agravadas pelas más condições da infra-estrutura terrestre, ferroviária e rodoviária.

Hoje, a tal ponto chegou esse estrangulamento que de nada adianta a iniciativa privada continuar investindo em ampliações e novos terminais, se a infra-estrutura sofre acréscimos de pouca monta. O resultado é mais do que previsível: os congestionamentos não ocorrerão apenas em épocas de safra, mas com uma periodicidade cada vez mais freqüente.

O governo federal vem investindo em obras no porto de Santos, com a construção da avenida perimetral da margem direita, enquanto o governo estadual promete iniciar em 2010 as obras do trecho Leste do Rodoanel, que atuará como ligação entre as rodovias Ayrton Senna e Dutra com as estradas de rodagem que servem a Baixada Santista. Mas, como se sabe, os investimentos públicos nunca seguem o ritmo dos investimentos privados e os cronogramas são sempre reformulados e os prazos postergados, quase sempre em função de atrasos na liberação de verbas por parte da União ou na concessão de licenças ambientais.

É de assinalar que uma das primeiras medidas do atual governo do Estado foi paralisar a construção do Rodoanel, que já estava muito atrasada, quando uma obra tão importante como essa deveria ter sido concluída no século passado. Por isso, como os atrasos são inevitáveis, é provável que o Rodoanel como obra viária venha a nascer muito atrasado ou obsoleto. E não será difícil que, em breves anos, alcance um estágio de saturação, pois constitui obra que foi baseada em médias históricas de há 20 anos, quando deveria ter sido idealizado em projeções de demanda futura, com um horizonte de meio século.

Seja como for, o certo é que a Baixada Santista hoje não está preparada para receber o fluxo de caminhões e automóveis que será gerado com a facilidade de escoamento na Capital e o desvio do tráfego pesado das avenidas marginais dos rios Pinheiros e Tietê. Basta ver que a avenida perimetral da margem esquerda, em Guarujá, ainda depende de licença ambiental para que o seu processo de licitação seja iniciado. E que os acessos rodoviários às cidades do Litoral são hoje modestos para o fluxo de tráfego que está previsto.

Não basta, porém, preocupar-se apenas com as novas vias de acesso. É também cada vez mais claro que a saída para o porto passa pela melhoria do sistema ferroviário. À falta de números mais recentes, basta ver que, em 2005, dos 70 milhões de toneladas de carga que chegaram e saíram do porto, apenas 10 milhões seguiram por ferrovia, ou seja, 14%. Ainda foi pouco.

Mas se colocarmos isso no papel, vamos concluir que esse número representa pelo menos 450 mil veículos a menos em circulação durante o ano. Até o final do ano, a previsão é que pelo menos 15 milhões de toneladas cheguem e deixem o porto de Santos por ferrovia. Ou seja, aproximadamente 20% da carga total. E que isso vai significar menos 675 mil caminhões e carretas nas rodovias que servem a Baixada Santista.

Para atender a essa demanda, neste ano, a Portofer, empresa formada por um consórcio de ferrovias, está investindo R$ 35 milhões na região. Já a Cosipa e a MRS Logística estão juntas num projeto de construção de uma grande correia que vai transportar minério de ferro por 18 quilômetros de Paranapiacaba até os pátios da empresa em Cubatão. Segundo a MRS Logística, essa correia vai retirar da via Anchieta 150 caminhões por dia e desafogar o sistema de cremalheira que corta a Serra do Mar com quatro vagões, levando apenas 500 toneladas por viagem.

Também o projeto da Carbocloro que prevê o uso da cabotagem para o sal que vem do Norte deverá contribuir para desafogar o tráfego nas rodovias da Baixada Santista. O produto deixará de vir em caminhões para chegar ao porto de navio, que atracará num píer ainda a ser construído. Depois, será transportado em barcaças até a empresa em Cubatão, cumprindo um trajeto de 30 a 40 quilômetros.

Portanto, a solução para eliminar os congestionamentos nas vias de acesso ao porto passa também pelo aperfeiçoamento de outros modais. Afinal, tanto o uso da ferrovia como de barcaças para o transporte de cargas não é só uma opção mais barata como reduz a utilização de rodovias e diminui o número de acidentes. Sem contar que ajuda a melhorar substancialmente o ar que respiramos.

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(*) Milton Lourenço é diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP (www.fiorde.com.br). E-mail: [email protected]

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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