Pelo socialismo, contra o neofatalismo

 

Tendo em vista a derrocada do socialismo real, a globalização e a preeminência da perspectiva econômica neoliberal, a visão fatalista quanto ao futuro da sociabilidade humana conheceu, a contar do final do século passado, uma nova faceta, qual seja a da crença na dominância absoluta e imorredoura do capitalismo e, consequentemente, de seu alicerce máximo, vale dizer, da economia de mercado.

Iraci del Nero da Costa *

José Flávio Motta **

Um analista chegou mesmo a acreditar que havíamos chegado ao fim da história; afirmação logo reconhecida como incorreta e que representou, efetivamente, a superação da tese aceita por alguns adeptos afoitos do modo de produção ainda dominante. Lembremos que o próprio proponente de tal ideia, Francis Fukuyama a reconsiderou em trabalho publicado em 2012 (FUKUYAMA, Francis. The Future of History. Foreign Affairs. Volume 91, n. 1. Jan/Fev 2012). Sobre o pensamento desse autor indicamos a leitura do texto de  MARQUES, Danilo Araújo, Do fim ao futuro da história: uma análise acerca do percurso da teoria de Francis Fukuyama de 1989 a 2012. Revista Historiador, número 6, ano 6, janeiro de 2014. Disponível em: http://www.historialivre.com/revistahistoriador. Todavia, independentemente deste caso extremado, muitos pensadores bem intencionados foram engolfados pela ideia segundo a qual deveríamos nos vergar à perenidade da economia de mercado.

Com respeito a este último conjunto é ilustrativo o artigo de Robert Kurz intitulado Para além de Estado e mercado.

Insucesso de realizar a emancipação social

Nele, o autor explicita, antes do mais, o insucesso, tanto da instituição estatal - seja o Estado social keynesiano, seja o Estado socialista - como do mercado, em realizar "o sonho da emancipação social, da autodeterminação do homem, de uma produção autônoma da vida". A partir daí, discute a emergência de um terceiro setor, quiçá possuidor de uma "força histórica renovadora", apto a superar os problemas que não se resolveram mediante a ação daquelas duas instituições que têm ocupado boa parte do espaço social (Cf. KURZ, Robert. Para além de Estado e mercado. Folha de S. Paulo, Caderno Mais!, 3 de dezembro de 1995, p. 14). Este terceiro setor - que em certa medida encontra seu precursor no cooperativismo - é composto por instituições que têm sido denominadas Organizações Não-Governamentais (ONGs) e Non-Profit Organizations. Estaríamos, pois, em face de "novas formas de reprodução social, para além do Estado e do mercado".

Nesse contexto, Kurz discute as propostas do sociólogo André Gorz e do economista Jeremy Rifkin, e aí vêm à tona os aspectos que aqui nos interessa salientar: "Salta aos olhos o fato de autores como Gorz ou Rifkin ainda descreverem o problema de acordo com as categorias impostas pela economia de mercado. ... Em ambos os casos, ... o terceiro setor é visto como o irmão caçula do mercado, pois as fontes de 'financiamento' são necessariamente as migalhas de caridade deixadas pela produção que visa ao lucro. ... Os pontos de vista de Gorz e Rifkin ameaçam permanecer um simples modelo de subvenção para países ricos, uma espécie de passatempo altruísta para os campeões do mercado" (Idem, ibidem).

A reflexão sobre o futuro da sociabilidade humana também está presente no artigo intitulado Lógica da emancipação, de José Arthur Giannotti. Os vínculos com o mercado são encarados de forma não tão negativa como em Kurz, o que decorre provavelmente de uma aceitação mais tranqüila da inexorabilidade de tais vínculos: "... parece-me evidente que não existem hoje meios de criar riqueza social totalmente desvinculados de uma forma ou outra de mercado. Nada impede Robert Kurz de anunciar, em altos brados, a crise do modo de produção de mercadorias. Nem ele nem ninguém foi até agora capaz de nos dizer como um futuro modo de produção se organizará para evitar a violência da competição capitalista e o estigma do mercado, sem cair na regulamentação autoritária e no fundo ineficaz do sistema produtivo. Qualquer projeto de produção cientificamente planejada, que fosse capaz de ajustar oferta e demanda na base de um cálculo racional prévio, foi irremediavelmente refutado pelos fatos" (GIANNOTTI, José Arthur. Lógica da emancipação. Folha de S. Paulo, Caderno Mais!, 17 de dezembro de 1995, p. 8-9). Ver-nos-íamos encerrados, portanto, no âmbito do mercado.

Futuro pouco promissor

Não obstante, isto não acarreta a perspectiva de um futuro pouco promissor. Ao contrário, lembrando a "... observação de Marx de que o capitalismo gera simultaneamente a maior riqueza e a maior pobreza", Giannotti estabelece seu diagnóstico: "Ora, os instrumentos que nos oferecem as ciências econômicas e a crítica filosófica da alienação bastam para desenhar instituições compensatórias que, sem pretender ser inteiramente transparentes, cuidem para que o todo tenda a ser justo e racionável. Carecemos de instituições capazes de intervir na política econômica mundial. E, como desde logo se descarta a idéia de que se tenha uma única política correta, justa e racionável, essas instituições só podem ser representativas, vale dizer, permeáveis à diversidade dos interesses e da luta pelo poder. Noutras palavras, para que se conviva com as alienações da produção mercantil, para que seus efeitos sejam cada vez mais circunscritos e podados, é preciso aprofundar o sistema político representativo, em escala regional e mundial, a fim de que ele democratize as decisões de política econômica" (Idem, ibidem). Conforme nos sugere o autor em questão, provavelmente não será mais capitalista a forma de sociabilidade humana que emergiria da ação dessas instituições compensatórias.

Da posição de Giannotti parece aproximar-se Alain Touraine. De um lado, este último autor salienta que, "se quisermos evitar a catástrofe de conhecer hoje, em escala mundial, o equivalente da proletarização e da miséria urbana na Europa de Dickens e de Victor Hugo, temos de resistir aos encantos do hiperliberalismo". De outro, porém, escreve Touraine: "... temos de conferir uma importância central ao próprio sistema político, em vez de acalentar esperanças por movimentos sociais ainda dominados e paralisados por ideologias vindas do século passado. Digo sistema político, e não Estado, pois não se trata de atribuir a esse último um papel condutor na modernização agora internacionalizada, mas de exigir que o sistema político combine de forma razoável as transformações econômicas e a integração social, de modo a realizar esse desenvolvimento com a equidade tão bem pregada pelos pesquisadores do Prealc e da Cepal. O que nos falta, portanto, são debates e intervenções políticas. ... É preciso agora ingressar urgentemente num período pós-liberal, ou seja, de reconstrução dos controles legais, administrativos e sociais, a fim de impedir a selvageria econômica, o aumento da exclusão e a difusão da violência em sociedades que perderam o controle de sua própria transformação" (TOURAINE, Alain. A longa crise de transição do liberalismo. Folha de S. Paulo, Caderno Mais!, 21 de janeiro de 1996, p. 10).

Ethos fukuyamiano

Outro pensador a ser lembrado é Slavoj Zizek que afirma: "É fácil rir da noção de fim da história de Fukuyama, mas o ethos dominante hoje é 'fukuyamiano': o capitalismo democrático-liberal é aceito como a fórmula da melhor sociedade possível que finalmente se encontrou - só resta torná-lo mais justo, mais tolerante etc. A única pergunta verdadeira hoje é: endossamos essa "naturalização" do capitalismo ou o capitalismo global contemporâneo contém antagonismos suficientemente fortes para impedir sua reprodução indefinida?" (ZIZEK, Slavoj. Em defesa das causas perdidas. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 416).

Críticos todos - com maior ou menor veemência - da desigualdade, da exclusão próprias do capitalismo, esses pensadores - num comportamento irrepreensivelmente racional, digamos de passagem - refletem sobre o devir da humanidade ocorrendo em meio a um processo que, aparadas inevitáveis mas superáveis arestas, apresenta-se como eminentemente natural. De fato, este "aparar de arestas" põe-se como marco a delimitar a extensão das críticas que se têm multiplicado, as quais assumem afinal um caráter "conciliatório". Ilustrativas desse caráter são as considerações seguintes, de Paul Singer: "A globalização resultante da contra-revolução liberal do último quarto de século não precisa ser irreversível. Se houver vontade política por parte de alguns governos, a globalização poderá ser reorientada, deixando de estar submetida à hegemonia do capital privado. Sempre será possível reinstaurar algum controle intergovernamental do movimento internacional do capital financeiro e produtivo, seja pela ação de um agrupamento informal de economias nacionais poderosas, como o G-7, por exemplo, ou de algum organismo multilateral, como o FMI ou o Banco Mundial" (SINGER, Paul. O fim forçado das contradições. Folha de S. Paulo, Caderno Mais!, 11 de fevereiro de 1996, p. 3).

As marcantes disparidades

Em suma, em que pesem as marcantes disparidades que apartam algumas das opiniões acima arroladas, elas se aproximam em um aspecto crucial. De forma mais ou menos relevante, "por bem ou por mal", todas integram em seu bojo soluções ditas de mercado, as quais se acham contempladas, invariavelmente, a partir de um evidente traço fatalista; ao assumirem tal "inevitabilidade" como que condimentam os cenários antevistos com uma pitada de concessão ao neoliberalismo. Ora, a nosso ver, há que pôr em questão esse traço fatalista que induz, entre outros, os estudiosos citados a aceitarem uma espécie de "mercado light", com respeito ao qual é muito difícil distinguir a efetiva superação do capitalismo da mera expressão da extrema flexibilidade característica desse modo de produção.

Segundo nosso entendimento o capitalismo representa a forma superior e derradeira da existência natural da sociabilidade humana. Esta existência é denominada natural porque até então a postura dos homens viu-se essencialmente ditada pela passividade frente às circunstâncias com as quais se defrontaram. De outra parte, enquanto a sociabilidade humana mantiver-se restrita a essa expressão natural, vale dizer, enquanto estiverem os homens relegados à condição de portadores de relações, colocar-se-á, aí sim inevitavelmente, a re-produção automática e autônoma do capitalismo.

Contudo, a ação da consciência - tornada possível como demonstrado por Karl Marx pela própria sociedade capitalista - tem, por sua vez, o poder de acarretar a ruptura do aludido movimento de re-produção. A partir daí, abrir-se-ia a possibilidade para uma etapa distinta, diríamos mesmo antinatural, em que a sociabilidade humana ver-se-ia moldada conscientemente pelo homem: é o fim da história natural, o início da história posta pelo homem. É evidente que nada garante, a priori, que se efetive essa sociedade fruto da ação consciente do ser humano. Exatamente porque ela não se porá "naturalmente" é que ela se apresenta como mera possibilidade. Todavia, das enormes dificuldades que ante ela se erguem não decorre a necessidade de descartar essa possibilidade in limine, mediante a adoção de soluções mais fáceis, "de mercado", com o que o ponto culminante da história "natural" do homem tende a tornar-se, de fato, o ponto final de sua história.

Experimento do socialismo real

Saliente-se, por fim, que não estamos a advogar, teimosamente, a volta ao experimento do socialismo real. Estamos afirmando ser possível a ação consciente, "não natural", do homem enquanto sujeito da história. A alternativa a isto parece-nos ser o triste perfilhar da inexorabilidade do neoliberalismo, a "entrega dos pontos" dada a onipotência do mercado e, junto com isso, a assunção do mesmo pessimismo presente, por exemplo, em artigo de João Sayad: "O início do próximo século que já começou é muito difícil. ... Temos que aguardar que o tempo e o sofrimento de tantos excluídos produzam crises, guerras e uma nova solução" (SAYAD, João. As notas do século 21. Folha de S. Paulo, Caderno Negócios, 29 de janeiro de 1996, p. 2). Vale dizer, seremos obrigados a esperar cabisbaixos o término das crises e das guerras que hão de vir, no íntimo reconfortados por pensarmo-nos de antemão entre os sobreviventes do mais pífio darwinismo social. Como adverte Lester Thurow: "Ninguém jamais experimentou o capitalismo de sobrevivência do mais apto por muito tempo, na era moderna. Para os cientistas sociais, essa experiência será interessante. Para os que serão objeto da experiência, será muito doloroso. Para os interessados na estabilidade social, os riscos serão grandes" (THUROW, Lester. Capitalismo de sobrevivência do mais apto. O Estado de S. Paulo. Primeiro Caderno, p. 2). Serão mesmo estes os riscos que quereremos correr? Por outro lado, a configuração de uma eventual trajetória alternativa apontaria para o que, exatamente? Vejamos.

Antes do mais, como sabido, uma vez superado o capitalismo a mercadoria deixa de existir como a conhecemos hoje. Os bens deixarão, pois, de ser valores de troca e limitar-se-ão à condição de valores para o uso. Apesar disso, permanecerão problemas econômicos afetos à alocação dos recursos e dos fatores de produção às técnicas produtivas e à produtividade, assim como os vinculados à distribuição dos resultados da produção. Trata-se, pois, de uma situação na qual a vida econômica ver-se-á absolutamente imersa (esgotar-se-á) na produção física de bens e serviços e na distribuição dos seus resultados. Para dar conta de tais problemas necessitar-se-á, portanto, de uma "engenharia econômica" que não se confunde com a(s) engenharia(s) de hoje, nem com a administração como a conhecemos, nem com a economia como a praticamos nos dias correntes. A essa nova engenharia cumprirá estabelecer as relações que vincularão a produção física com os recursos e as técnicas disponíveis e com as demandas de caráter  individual e social.

Soluções terão de ser formuladas

Tais soluções, frisemos novamente, contrariamente ao que ocorre no âmbito da sociedade capitalista, terão de ser formuladas conscientemente e, necessariamente, sua formulação terá de anteceder sua aplicação efetiva. Ademais, uma vez que estamos a tratar de "uma nova forma de sociabilidade, a primeira a se assentar inteiramente no espírito (consciência) e que, portanto, terá de ser por ele sustentada..." (MOTTA, José Flávio & COSTA, Iraci del Nero da. O pensamento de esquerda: um pensamento em construção. Informações fipe. São Paulo: FIPE, n. 223, p. 24-26, abril/1999), cumpre lembrar que tal sustentação só se verá garantida se forem obedecidas duas condições essenciais e sem as quais, cremos, é impossível pensar-se numa sociedade "pós-capitalista" autossustentável. Em primeiro, considerando que terá de haver livre assentimento com respeito à nova  forma de sociabilidade, é indispensável uma ambiência democrática, vale dizer, a democracia e os direitos que expressam a cidadania têm de prevalecer, absoluta e irrestritamente, e a estes elementos, obviamente, há de estar aliado o maior grau possível de liberdade pessoal e coletiva. De outra parte, as vontades individuais desenvolvidas em tal ambiência devem associar-se livremente de sorte a chegar-se à organização necessária àquela sustentação. Liberdade e associação definem-se, pois, não só como metas desejáveis por si, mas, e sobretudo, como elementos imanentes à assim chamada sociabilidade "pós-capitalista" ou socialista, caso se queira.

Caso não sejam formuladas conscientemente alternativas às soluções derivadas do funcionamento automático do capital, a tentativa de se construir uma sociedade de corte socialista poderá terminar em mera acumulação ampliada de ineficiência econômica, imposições autoritárias e dirigismo burocrático. Descontados os horrores que o cercaram e outros fatores que o condicionaram, não teria sido esta a experiência vivenciada pelo fracassado socialismo real? E a aventura cubana, ainda que se tenha  defrontado com o brutal cerco imposto pelos Estados Unidos, não estaria a conhecer, por causa de suas próprias mazelas, um fim semelhante?

Mas este desenlace melancólico da experiência socialista conduzida de maneira puramente empírica não é o único possível. Poderão, os socialistas, ainda, pretender "parasitar" o capitalismo, cobrando da sociedade, com incidência particularmente forte sobre o  capital, um "tributo" que chamaríamos de "taxa de garantia do direito de existir" cuja destinação seria atender aos menos privilegiados. Não é deste feitio a solução que tentam implementar na Europa alguns partidos de extração social-democrata ou comunista? Como é patente não se pode falar, neste caso, em sociedade "pós-capitalista", pois, a  "solução" aventada e os intentos aludidos não pretendem alcançá-la e limitam-se, tão somente, a aceitar a perpetuação de um "capitalismo não-raivoso". Quanto a este tópico, escreveu-se já há alguns anos: "Espremida entre uma base social cambiante e um horizonte político em contração, a social-democracia parece ter perdido sua bússola. ... Houve época, nos primeiros anos da Segunda Internacional, em que ela orientou sua ação para a superação do capitalismo. Empenhou-se depois por reformas parciais, consideradas passos gradativos rumo ao socialismo. Finalmente, contentou-se com o bem-estar social e o pleno emprego dentro do capitalismo. Se ela admitir agora uma diminuição do bem-estar e desistir do pleno emprego, em que tipo de movimento vai se transformar?" (ANDERSON, Perry. Introdução. In: ANDERSON, Perry & CAMILLER, Patrick. Um mapa da esquerda na Europa Ocidental. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996, p. 9-31).

Bolsões controlados de capitalismo

Outra possibilidade colocada no mesmo plano consubstanciar-se-ia na geração de bolsões controlados de capitalismo que serviriam para complementar uma "produção de tipo socialista" não muito bem definida. Neste caso gerar-se-ia, em verdadeiros "enclaves socioeconômicos", uma espécie de capitalismo enclausurado, "enjaulado" ou domado e manipulável de sorte a conformar-se às necessidades políticas e econômicas de uma sociedade "socialista" inclusiva. Seria este o caso da China dos dias correntes? Aparentemente sim, embora as atitudes e resoluções de caráter econômico e político adotadas pelos dirigentes chineses aproximem-se da instituição de uma forma de capitalismo capitaneado por um partido político único. De toda sorte, para nós, observadores externos e distantes que somos, o rumo  tomado pelos dirigentes chineses parece decorrer de três fatores: um externo, a globalização, e dois outros de cunho interno intimamente relacionados quais sejam, a necessidade de ser gerado o número necessário de postos de trabalho para garantir o prometido pleno emprego de sua imensa força de trabalho e, por fim, o receio das reações políticas da massa de sua população caso o compromisso supracitado venha a ser descumprido. Assim, as práticas acima delineadas aproximam-se, pois, de uma acomodação às condições internas e de uma concessão à globalização e não de uma solução desejada, planejada e perseguida.

Em suma, e voltando ao eixo central deste artigo, ao proporem uma nova forma de sociabilidade, os socialistas e comunistas clássicos prenderam-se, basicamente, à questão da distribuição do produto deixando de lado a discussão das formas a adotar para se efetuar a alocação de recursos e fatores e para se promover a produção. Neste sentido pode-se afirmar que as propostas das esquerdas cingiram-se à apresentação de formas mais equânimes de se distribuir a produção efetuada, não podendo ser vistas, portanto, como soluções econômicas integradas e orgânicas, pois lhes faltou, justamente, uma vertente essencial, qual seja a concernente à produção propriamente dita, a qual, como tudo o mais, é automática e imediatamente resolvida, no capitalismo, pelo funcionamento da "lei do valor". Na eventual sociedade "pós-capitalista" não se dará o mesmo. Ademais, os paradigmas empiricamente adotados pelas nações do Leste Europeu que conheceram o socialismo real e que se encontravam calcados, sobretudo, na experiência proporcionada pela Revolução Industrial e nas técnicas e métodos adotados pelos países ocidentais na primeira metade do século XX mostraram-se absolutamente insuficientes para promover um crescimento econômico harmônico, consistente e autossustentável. Por outro lado, o asfixiante e totalitário sistema político então vigente tornou o assim chamado socialismo real absolutamente inaceitável pelas populações e nações por ele alcançadas. Destarte, de "positivo", as aludidas sociedades do Leste Europeu conheceram, tão só, uma política de pleno emprego que esboroou e práticas assistencialistas que foram descontinuadas.

Ora, se pensarmos uma sociedade na qual se deseje ver promovida, sem nenhuma mediação, a distribuição da produção de acordo com as necessidades de cada um de seus integrantes (e é isto que os socialistas e comunistas alegam querer), seremos obrigados a admitir que seus pressupostos são: 1) tal sociedade tem de se erigir com base na negação da propriedade privada sobre os meios de produção, já que não pode haver, por hipótese, qualquer mediação entre a produção de bens e serviços e sua distribuição; 2) essa sociedade tem de ser "pensada", projetada, antes de existir concretamente, pois, como vimos, a  natureza é incapaz de instituí-la, de produzi-la; aliás, pelo contrário, o que se produziu "naturalmente" foi justamente a propriedade privada sobre os meios de produção, óbice maior à instituição da aludida sociedade almejada pelos socialistas e comunistas; 3) como visto, tal sociedade não é um produto da natureza, mas algo antinatural, decorrente da vontade dos homens (da consciência); não traz em si, portanto, os elementos necessários à sua reprodução (re-posição), pois, "colocada" (posta) pela consciência, por ela terá de ser re-colocada, cabendo a ela, portanto, sustentá-la. Destarte, tanto sua existência como sua persistência (subsistência) derivarão da vontade dos homens, de sua tensão em mantê-la. Não há, portanto, repisemos, nenhuma razão de ordem natural para que ela venha a existir ou permaneça existindo.

Cumpre notar por fim que, na ausência de controles automáticos, a vida econômica de tal sociedade terá de ser gerida pela anunciada "engenharia econômica" a qual, até o momento, não se acha sequer esboçada.

* Professor Livre-docente aposentado da Universidade de São Paulo.

** Professor Livre-docente da Universidade de São Paulo. 

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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