Brasil: Deficientes, culturalmente excluídos

Nas duas últimas décadas, algumas medidas para melhorar as condições de acesso dos deficientes a locais públicos, embora muito tímidas, foram tomadas. A falta de acessibilidade é algo pouco notado por quem não tem necessidades especiais. Embora a inclusão no mercado de trabalho tenha sido incentivada pela legislação, os meios para o desenvolvimento destas atividades foram, em boa parte, esquecidos.

O relato de um deficiente visual, pessoa ativa e trabalhadora, dá a medida dos obstáculos impostos pela falta de visão de empresários e governantes, que dão pouca atenção a esta parcela da população: “Comprei a apostila para o concurso do Tribunal de Justiça, que minha esposa, também deficiente visual, irá prestar.

A apostila, da Editora Solução, tem dois volumes enormes, e depois que eu comprei, percebi que não seria possível mandar digitalizá-los – para que ela possa ouvir o texto em áudio no computador e estudar em tempo hábil-, pelo que teria ainda de pagar uma quantia razoável, já tendo gasto R$ 55 na compra da apostila. Se vivêssemos numa sociedade onde os direitos e a diversidade fossem respeitados, eu poderia enviar um e-mail para a editora, e receberia a mesma apostila em Word. Desse modo, nós teríamos acesso ao conteúdo da apostila, sem ter de mandar digitalizá-la, gastando no mínimo 10 vezes mais”.

Livros em formato digital podem ser lidos não apenas por cegos, mas por portadores de outras necessidades, pessoas com dislexia, mal de Parkinson, amputadas, com paralisia de membros superiores, catarata. Para todos estes, há programas que convertem os textos em áudio, tanto para quem tem visão prejudicada quanto para os que não podem virar as páginas de um livro convencional. Tudo muito mais prático e barato do que edições em Braille que, evidentemente, não podem ser tão numerosas quanto as impressas.

Mesmo alguns aplicativos para computador são pouco acessíveis para os deficientes visuais, e não é algo tão difícil adaptá-los às suas necessidades.

Não se pode alegar a questão da pirataria e dos direitos autorais para perpetuar esta injusta exclusão; o risco de pirataria, da cópia de textos, CDs ou DVDs é o mesmo, veja-se, a propósito, a facilidade com que se encontram cópias piratas de programas, filmes ou músicas para não-deficientes. Além disso, se é prática corriqueira a compra de músicas online, o mesmo pode ser feito com livros, mantendo-se a proibição legal de venda não autorizada. Eventualmente, o leitor cederá uma cópia a um conhecido, da mesma forma que é hábito o empréstimo de livros.

Tudo conspira a favor da adoção desta facilidade, desde o fato de os originais das publicações atualmente já serem escritos em editores de texto até o baixíssimo custo da distribuição e venda pela internet, sem emprego de papel, transporte, etc.

É tempo de os legisladores cuidarem do problema, não se justifica a exclusão cultural dos deficientes. Seria ideal a propositura, ouvindo-se os representantes desta parcela da população, de um projeto de lei que torne obrigatória a publicação de livros e apostilas também em formato digital, que possibilita a conversão em áudio de qualquer texto.

Para que se veja a capacidade de adaptação humana, especialmente com o emprego da tecnologia, citamos aqui o caso do piloto cego que viajou cerca de 20.000 km no comando de um ultraleve: Charles Milton-Barber, cego aos 30 anos por uma doença degenerativa, após atravessar 21 países da Europa, pousou em Sydney, Austrália, em 1º de março de 2007, ao final de um vôo iniciado em sete de março, em Londres. Através de suas aventuras, Charles arrecada fundos para um projeto que busca devolver a visão a crianças cegas.

O que os deficientes pedem é pouco diante do que podem retribuir, basta que se lhes dêem os meios para tanto.

Luiz Leitão

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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