Carta aos poderes da República: uma chance aos jovens

*Otávio Luiz Machado


Se a nossa ditadura civil-militar durou vinte e um anos, a direção do PC do B na UNE aproxima-se dos vinte anos. Não é por acaso que ex-líderes estudantis que atuaram com a UNE em 1968 afirmaram em entrevistas agora em 2008. Para Vladimir Palmeira, "O nosso (movimento estudantil) existia. O nosso não era governista: existia". Para Jean Marc, "A UNE virou braço político do governo, quando deveria ter um posicionamento crítico". É também importante a opinião de Clemente Rosas – vice-Presidente da UNE no início dos anos 1960 após a sua participação na "comemoração" dos 70 anos da UNE, em 2007: "Hoje, porém, um único partido – o PCdoB – comanda a instituição, já por dez gestões sucessivas. É natural que a instrumentalize para os seus interesses imediatos e, como compõe a base de sustentação do governo, não deseja desgastá-lo, nem aos outros partidos aliados".


A palavra autonomia está explícita na afirmação de um dos ex-diretores da UNE em 2001 e atual Presidente da Conferência Nacional da Juventude: ''O dinheiro das carteirinhas é nossa maior fonte de renda. É o que garante a autonomia e a organização do movimento estudantil''. O que diria hoje da autonomia da UNE, que além dos recursos das carteirinhas, também ainda são somados milhões de reais através de repasses sistemáticos de recursos públicos?


È opinião também da maioria dos atuais líderes estudantis, e da própria sociedade brasileira, que movimento estudantil não rima com governo. Que a autonomia das entidades estudantis garante uma participação efetiva dos estudantes na vida nacional.


O Estado, como está se dizendo entre os estudantes e jovens que contraceno diariamente, utiliza um argumento partidário para financiar entidades privadas parceiras, a exemplo da Força Sindical do Senhor Paulinho. Ao focar suas políticas de juventude na UNE irá dificultar ainda mais as ações e iniciativas de entidades estudantis de base das universidades que buscam atuar em concomitância com as entidades regionais e nacionais de representação. Será a regulamentação do monopólio, o que na prática significa que os demais setores dos movimentos estudantis ficarão na clandestinidade, pois o Estado não os reconhece e nem os apóia, pois as demais juventudes apenas constroem propostas de políticas de juventude, enquanto a UNE monopoliza os recursos públicos e a ação do Estado no setor.


A construção, a instalação e a manutenção de uma nova sede da UNE com recursos da União nas condições impostas pelo PC do B é injustificável, pois bastariam um monumento e um auditório para dotar o terreno histórico de atividades e de sentido para o movimento estudantil. É urgente, sim, que o Estado pague a dívida com a juventude ao estimular a sociedade (as universidades em especial) a construir formas de registro e de difusão da memória dos movimentos juvenis, pois a falta de registros de depoimentos dos principais líderes estudantis do nosso país (muitos estão em idade avançada) e o risco de perda da documentação histórica estudantil que vai para o lixo todos os dias é o indicativo que precisamos ter pressa e fazer alguma coisa.


É com tais trabalhos que vamos animar a sociedade a apoiar outras iniciativas e a ter de fato o direito à memória e a verdade! E com conhecimento e reflexão que poderemos viver de fato num país mais democrático e soberano. É com apoio efetivo às mais diversas juventudes hoje – e não apenas a do PC do B – que iremos pagar a dívida com a juventude brasileira.

É com base no destino que o PC do B está dando aos mais de R$4,5 milhões obtidos e exigidos do Estado para a reconstituição histórica da UNE por meio do Projeto "História da U.N.E." que apóio os meus argumentos, pois não se produziu nada de significativo para a cultura brasileira. O maior beneficiário foi o PC do B, que centrou o projeto no registro e na sobrevalorização das últimas gestões do grupo no controle da UNE e na propaganda de defesa do Governo Lula e dos seus próprios interesses de arrecadação de recursos públicos eternamente. E o pior: manipulou dados históricos adequando-os aos interesses do PC do B.


Outro exemplo é o comportamento da direção da UNE no caso Renan Calheiros (um profundo silêncio). Ou a rara passeata promovida pela UNE, quando o Presidente da entidade foi se encontrar com o Presidente da República um dia antes da mesma, o que qualquer líder estudantil sensato sabe que o protesto significa marcar uma posição para depois poder sentar e negociar. Tudo se faz para a manutenção das emendas parlamentares e das verbas públicas.


É com a radicalização da democracia – e não o apoio ao autoritarismo, centralismo, burocratismo e patrimonialismo de instâncias estudantis – que honraremos a memória dos que foram torturados e tombaram mortos em defesa de um Brasil mais democrático.


A história do Presidente Lula, de muitos militantes da esquerda brasileira e do próprio Congresso Nacional está em jogo. Valores tão altos repassados a entidades privadas precisam ser debatidos no Legislativo e não devem ser liberados por meio de medida provisória (na ditadura havia a figura do decreto-lei), emendas parlamentares ou decisões políticas de estatais. A UNE é patrimônio do Brasil e não do PC do B. Ela não pode tornar-se uma Diretoria Nacional dos Estudantes que serviu aos ditadores de 1964 no atual estágio da democracia brasileira.


*Pesquisador no Projeto "A Engenharia nacional, os estudantes e a educação superior: a memória reabilitada (1930-85) na UFPE. É co-organizador da coletânea "Movimento Estudantil Brasileiro e a Educação Superior" (Editora UFPE, 2007) e responsável pelo blog http://sejarealistapecaoimpossivel.blogspot.com

Otavio Luiz Machado , Pesquisador no Projeto "A Engenharia Nacional, Os Estudantes e a Educação Superior: a memória reabilitada (1930-1985)" – UFPE

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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