Os bons tempos em que ainda tínhamos pecados para confessar

Os bons tempos em que ainda tínhamos pecados para confessar

Minha amiga, Ingrid Schneider, com a sua severa educação luterana, certamente não conhece as delícias da permissividade católica.
Como li em algum lugar que devemos compartilhar experiências, conto a minha, antes de virar ateu, como antigo pecador católico.

Mesmo que cometesse o mais grave dos pecados, qualquer um podia se salvar do fogo do inferno, desde que manifestasse um arrependimento sincero. Nesse caso, teria que passar algum tempo no purgatório, uma espécie de estágio comprobatório, que nos casos mais graves poderia se arrastar até o Juízo Final. Ficava, porém, o consolo que um dia ele iria para o céu.
Mas, o melhor mesmo era a forma mais ortodoxa, uma confissão de todos os pecados diante de um padre no confessionário de uma igreja,quando você saia totalmente limpo e no caso de uma morte inesperada, subiria diretamente para o céu sem qualquer escala.

Garoto de uns 10 anos, em Farroupilha, na preparação para a primeira comunhão, me juntei a outros meninos e meninas da minha idade, para receber um treinamento para a confissão, uma espécie de cursinho de noivos, que parece ainda existir. Era como esses astronautas que simulam situações de voo, sem sair da terra.

Num móvel que parecia um grande armário, com uma cadeira almofadada no meio, o padre Bombardeli, apoplético e suarento naquele mês de dezembro, se fechava nesse cubículo e abria pequenas janelas, tapadas com uma treliça, para ouvir os candidatos a pecadores, um de cada lado.
Havia uma fórmula pronta com diálogos que devíamos seguir

- Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo
- Para sempre seja louvado
- Perdão, padre, porque eu pequei
- Quantas vezes?
Aí cabia a cada um fazer a sua matemática.

A etapa seguinte era lembrar que atos tinham violado basicamente os Dez Mandamentos, embora houvesse outros desvios de conduta que poderiam ser catalogados como pecados venais.
Tinha sido ensinado que podíamos pecar por atos, palavras e pensamentos. Aí é que residia o problema. Desejar a mulher do próximo era um pouco vago. Como passávamos a maior parte do tempo sonhando em finalmente, um dia, encontrar uma mulher de verdade nua, mesmo que fosse uma prima ou até mesmo uma tia, isso seria um pecado? Venal ou mortal? E, cobiçar coisas alheias incluiria o desejo de ter uma coleção de gibis igual a do colega de aula? Isso mereceria ser contado para o Padre Bombardeli?

- Na dúvida era melhor contar, principalmente depois que o padre lembrou aquela história do sujeito que cometeu um pecado grave, não contou no confessionário, foi comungar e na hora em que recebia a hóstia, ela começou a sangrar,obviamente o sangue de Cristo, que sofria novamente porque não queria entrar naquele corpo impuro.

Então se confessava tudo e mais um pouco.
Cada um saía do confessionário com a sua penitência - rezar tantas Aves Marias, Padres Nossos e Creio em Deus Padre - proporcional à gravidade dos seus pecados, numa espécie de dosimetria sagrada.

O Maninho, que minha mãe não considerava uma boa companhia para mim, disse que tinha rezas para o dia inteiro.
Anos mais tarde, quando já não frequentava mais igrejas e confessionários, um amigo que ainda conservava esses hábitos, disse que os padres tinham evoluído em seus questionamentos. Segundo ele, um dos novos padres lhe perguntou de cara - quantas vezes praticastes o abominável coito, meu filho?

Minha amiga, Ingrid Schneider, com a sua severa educação luterana, certamente não conhece as delícias da permissividade católica.
Como li em algum lugar que devemos compartilhar experiências, conto a minha, antes de virar ateu, como antigo pecador católico.

Mesmo que cometesse o mais grave dos pecados, qualquer um podia se salvar do fogo do inferno, desde que manifestasse um arrependimento sincero. Nesse caso, teria que passar algum tempo no purgatório, uma espécie de estágio comprobatório, que nos casos mais graves poderia se arrastar até o Juízo Final. Ficava, porém, o consolo que um dia ele iria para o céu.
Mas, o melhor mesmo era a forma mais ortodoxa, uma confissão de todos os pecados diante de um padre no confessionário de uma igreja,quando você saia totalmente limpo e no caso de uma morte inesperada, subiria diretamente para o céu sem qualquer escala.
Garoto de uns 10 anos, em Farroupilha, na preparação para a primeira comunhão, me juntei a outros meninos e meninas da minha idade, para receber um treinamento para a confissão, uma espécie de cursinho de noivos, que parece ainda existir. Era como esses astronautas que simulam situações de voo, sem sair da terra.

Num móvel que parecia um grande armário, com uma cadeira almofadada no meio, o padre Bombardeli, apoplético e suarento naquele mês de dezembro, se fechava nesse cubículo e abria pequenas janelas, tapadas com uma treliça, para ouvir os candidatos a pecadores, um de cada lado.
Havia uma fórmula pronta com diálogos que devíamos seguir

- Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo
- Para sempre seja louvado
- Perdão, padre, porque eu pequei
- Quantas vezes?
Aí cabia a cada um fazer a sua matemática.

A etapa seguinte era lembrar que atos tinham violado basicamente os Dez Mandamentos, embora houvesse outros desvios de conduta que poderiam ser catalogados como pecados venais.
Tinha sido ensinado que podíamos pecar por atos, palavras e pensamentos. Aí é que residia o problema. Desejar a mulher do próximo era um pouco vago. Como passávamos a maior parte do tempo sonhando em finalmente, um dia, encontrar uma mulher de verdade nua, mesmo que fosse uma prima ou até mesmo uma tia, isso seria um pecado? Venal ou mortal? E, cobiçar coisas alheias incluiria o desejo de ter uma coleção de gibis igual a do colega de aula? Isso mereceria ser contado para o Padre Bombardeli?

- Na dúvida era melhor contar, principalmente depois que o padre lembrou aquela história do sujeito que cometeu um pecado grave, não contou no confessionário, foi comungar e na hora em que recebia a hóstia, ela começou a sangrar,obviamente o sangue de Cristo, que sofria novamente porque não queria entrar naquele corpo impuro.
Então se confessava tudo e mais um pouco.
Cada um saía do confessionário com a sua penitência - rezar tantas Aves Marias, Padres Nossos e Creio em Deus Padre - proporcional à gravidade dos seus pecados, numa espécie de dosimetria sagrada.

O Maninho, que minha mãe não considerava uma boa companhia para mim, disse que tinha rezas para o dia inteiro.
Anos mais tarde, quando já não frequentava mais igrejas e confessionários, um amigo que ainda conservava esses hábitos, disse que os padres tinham evoluído em seus questionamentos. Segundo ele, um dos novos padres lhe perguntou de cara - quantas vezes praticastes o abominável coito, meu filho?

Marino Boeira é jornalista,formado em História pela UFRGS

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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