Grécia para desavisados

Adelto Gonçalves (*)

ATENAS – Quem desembarca por estes dias do inverno europeu de 2010 no Aeroporto Eleftherios Venizelos, em Atenas, não percebe que está chegando a um país falido, às voltas com uma dívida fiscal astronômica, cujos números o governo fraudou à exaustão em suas prestações de contas à União Europeia. O aeroporto, inaugurado em 2001 dentro do plano de modernização do país para a Olimpíada de 2004, se não é grande para quem chega de Barajas, em Madri, ou de Cumbica, em São Paulo, é moderno e bem organizado. E o serviço de informações funciona bem.

Para ir de táxi do aeroporto até um hotel nas proximidades da Praça Omônia, região central de Atenas e próxima aos principais pontos turísticos da cidade, gasta-se em torno de 40 euros ou 43 euros (se a corrida é depois das 24 horas), viajando-se por uma moderna rodovia construída já neste século. Mas, se não for de madrugada, pode-se usufruir de uma viagem de metrô, também ampliado para a Olimpíada de 2004: o isitirio (passagem) custa cinco euros, se o usuário sair do aeroporto para algum ponto da cidade, mais caro do que quando é comprado nas demais estações. Mas, antes de chegar à Praça Omonia, o turista terá de fazer baldeação na estação Syntagma.

É bom lembrar que a linha um do metrô funciona das 5 às 0h15 de domingo a quinta-feira e das 5 às 2h00 sexta e sábado; e a linha dois das 5h30 às 0h20 todos os dias. De metrô, é possível visitar vários museus e ruínas arqueológicas, sem gastar muito. Para orientação, siga um mapa da cidade que é distribuído no aeroporto e nos hotéis e que traz o patrocínio do Hondos Center, o shopping center mais conhecido do país, com 15 unidades em Atenas e Piréus (Piraeus). No último andar do Hondos Center, na Omônia, há uma praça de alimentação onde se pode comer por 15 euros, em média, e ter uma visão global das históricas ruínas da cidade.

Atenas está também bem dotada de trens modernos (são três as linhas), além de um trem suburbano (Proastiakos). O serviço de ônibus é que deixa muito a desejar, embora os veículos sejam confortáveis e quase sempre trafeguem com pouca gente, todos os passageiros sentados: demoram muito para chegar. Além disso, nem sempre é possível comprar o famoso isitirio, que só é vendido em quiosques e lojas próximas aos pontos de embarque e desembarque. É que o funcionário da companhia responsável pelo serviço de ônibus, muitas vezes, deixa de abastecer aqueles pontos-de-venda e a saída, então, é tentar comprar o isitirio de algum usuário, que, prevenido, tenha alguns desses tickets no bolso.

Falar com o motorista não adianta nada porque não é função dele cobrar passagem. A outra opção é fazer a viagem sem pagar, embora correndo o risco de topar com algum fiscal: se o usuário for flagrado viajando sem o isitirio, é levado à delegacia de polícia mais próxima e obrigado a pagar multa de 60 euros. E não adianta reclamar de que a companhia não disponibiliza o isitirio para quem necessita adquiri-lo e está na cidade de passagem. Mas essa possibilidade é bem remota. Parece que os fiscais estão sempre de férias. Mas não convém arriscar.

Se você vai a Atenas pela primeira vez o melhor mesmo é ficar num hotel nas proximidades da Praça Omonia, mas procure evitar algumas espeluncas que constam do serviço on-line das agências de turismo. São pequenos hotéis – que cobram uma diária de 60 euros por um quarto de casal (o que é caro para o que oferecem) – que ficam numa área de prédios degradados transformada em zona de prostituição e venda de drogas, nas imediações das ruas Aristotelous e Averof e da Praça Vathis. Antes de comprar qualquer pacote, entre no Google e procure ler as mensagens (nada favoráveis) que ex-hóspedes deixaram a respeito dos serviços desses hotéis.

Naquela área, à noite, não é recomendável andar: desempregados provenientes de muitos países da região (Albânia, Turquia, Paquistão) e até da África estão sempre de olho na bolsa alheia – especialmente, em busca de passaportes. Mas assalto à mão armada, como ocorre no Brasil, é difícil de acontecer – quase impossível. Seja como for, não se recomenda a mulheres que andem na calçada com a bolsa pendurada ao braço que está virado para a rua: isso facilita a ação dos ladrões-motoqueiros que atuam sempre em dupla. Nos outros pontos da cidade, a movimentação noturna também é intensa porque o grego dorme pouco à noite (talvez porque goste de dormir à tarde) e prefere ficar pelas ruas em busca de diversão e passatempo.

Os melhores hotéis estão na Syntagma, a praça central da capital, situada junto ao Parlamento da Grécia e ao Túmulo do Soldado Desconhecido. A rua Ermou, com cerca de um quilômetro de boulevard, liga a Praça Syntagma a Monastiraki e tem muitas ofertas aos consumidores locais e turistas. É a área do comércio de luxo em que se pode comprar especialmente peças de vestuário, bolsas e sapatos.

VISÃO DA ACRÓPOLE

Ali perto está a Plaka, região localizada na encosta norte e leste da Acrópole, famosa por sua abundante arquitetura neoclássica, suas ruas estreitas de pedras e paralelepípedos e fechadas para o tráfego de veículos. Atrai os turistas por causa de seu cenário para fotografias. Da Plaka, ao cair da noite, tem-se uma visão inesquecível da Acrópole iluminada.

É um local bem sortido de tavernas, que está sempre movimentado a qualquer hora do dia e da noite, especialmente a rua Adrianou. Ali é possível comer um suvlaki, o famoso churrasquinho grego, enrolado no pão-pita, bem diferente do seu primo-pobre vendido na Avenida São João, em São Paulo. Você pode escolher o recheio entre carne de carneiro, de porco, de vitela e de frango. Na Grécia, todos os restaurantes servem água e pão, mesmo que o cliente não os peça. E o vinho é vendido ao quilo (e não ao litro). Na Plaka, as lojas abrem pela manhã e fecham perto da meia noite.

Próximo da Plaka, fica o Monastiraki, onde há uma estação do metrô, zona bem conhecida por suas pequenas lojas, restaurantes típicos e mercados, bem como pela feira ao ar livre, que oferece antiguidades, peças de cerâmica, reproduções de peças gregas famosas, artigos de cobre e pequenas lembranças, especialmente o olho grego que, segundo a tradição, é usado para combater mau-olhado.

Os vendedores, geralmente, anunciam seus produtos aos gritos e gostam de negociar o preço. As grandes lojas de departamento e as do Monastiraki obedecem a um horário diferente das lojas da Plaka: fecham às 14 horas nas segundas, quartas e sábados, mas nas quintas, terças e sextas estendem o horário até as 20 horas.

Outro bairro especialmente famoso pelos seus estudantes, sempre abarrotado e com elegantes cafés, é Theseum ou Thission, situado a oeste de Monastiraki. O destaque em Thission é o antigo Templo de Hefesto, sobre uma pequena colina. Mas para quem prefere um local mais tranqüilo, longe das ruínas, há hotéis de quatro estrelas na região da Glyfada, à beira-mar.

Ainda na região da Omônia está o Mercado Central, na Rua Athinas, onde se pode comprar azeitonas, pistaches, amendoim coberto de pistaches, azeite, ervas e temperos típicos, mel, iogurte e queijos, especialmente o feta (produto típico grego, que não existe no Brasil, feito de leite de cabra e de ovelha. O azeite grego é considerado o mais saudável do mundo e uma salada grega é sempre encharcada de muito azeite. O aspecto das carnes expostas ao ar livre no Mercado Central não é muito recomendável nem o cheiro, mas a visita é obrigatória para se entrar diretamente em contato a cultura popular grega.

DIFICULDADES

O país está quebrado, à beira de uma moratória, mas a vida segue igual. O que muda um pouco a paisagem são as centenas de cartazes distribuídos por Atenas convocando greves ou reclamando da situação econômica. Na Praça Omônia, um palanque está sempre armado à espera de alguma manifestação sindical ao final da tarde.

Associações de trabalhadores públicos e privados ameaçam ir à greve porque não admitem pagar a conta que foi contraída por banqueiros e outros conhecidos especuladores. Mas isso faz parte da cultura grega: quando podem, os gregos não pagam. Que o digam os brasileiros que, no auge da recente diáspora nacional, foram se aventurar por lá: muitos trabalharam e ficaram sem receber. Como são ilegais, não podem reclamar. Além disso, quando tentam legalizar sua situação, têm de enfrentar a famosa burocracia grega, que sempre exige um papel a mais. As filas são intermináveis e, para garantir uma senha, o imigrante precisa chegar de madrugada à porta da repartição pública.

Ninguém na Grécia gosta de pagar imposto. Nem ricos nem pobres. Os ricos defraudam o imposto de renda, acumulam fortunas e investem em propriedades nas muitas ilhas que fazem parte do país, especialmente Mikonos, Rhodes e Hidra. Os pobres nem sempre pagam suas dívidas porque os salários que ganham são baixos – 600 euros por mês, em média. E não conseguem acumular. Isso não quer dizer que o grego seja um povo desonesto: pelo menos no dia-a-dia, dificilmente, um dono de comércio “erra” no troco. Os taxistas estão acostumados a negociar o preço da corrida antes de iniciá-la. E só colocam o taxímetro para funcionar a fim de demonstrar que a corrida não varia muito do preço acertado.

Às vezes, a corrida pode custar um pouco além do previsto. É que as ruas e avenidas de Atenas estão entupidas de automóveis com mais de dez anos de uso, que volta e meia apresentam problemas mecânicos. Estão entulhadas de carros também porque no país não é hábito construir casas e edifícios com garagens. Um terreno baldio logo é transformado pela população em estacionamento, sem cobrança de estadia ou administração por empresa particular.

A maioria dos veículos “dorme” na rua, mas ninguém se queixa de roubos, embora, nos últimos tempos, tenha crescido os arrombamentos de carros à busca de toca-cds que são vendidos no mercado negro em troca de drogas. Os responsáveis, geralmente, são os estrangeiros que vivem no país de modo ilegal. Aliás, há máfias especializadas em trazer clandestinamente gente do Leste Europeu e da Ásia disposta a pagar mais de mil euros por uma vaga num navio que possa atracar nas costas gregas. Em razão da imigração ilegal, nos semáforos já se pode ver uma típica cena brasileira: gente que se oferece para limpar o pára-brisas do automóvel em troca de um euro.

Os brasileiros que lá trabalham – quase sempre de forma ilegal, sem garantias trabalhistas – ganham para sobreviver, pois dificilmente conseguem acumular um pecúlio para comprar um apartamento financiado em 30 ou 40 anos. Têm mesmo de pagar aluguel por anos a fio. Dificilmente, abrem um negócio próprio porque o governo exige uma caução de 60 mil euros de quem pretende seaventurar na iniciativa privada.

Dessa forma, o jeito é continuar empregado. E, de preferência, pelo ano inteiro. É que, nas ilhas que vivem do movimento das férias de verão, geralmente, os trabalhadores – estrangeiros, inclusive – só ganham regularmente por seis meses. No resto do ano, dependem do seguro-desemprego também de 600 euros, em média. Mas, se o trabalhador for flagrado fazendo outro serviço, o seguro-desemprego é cortado.

Todos reclamam do governo do primeiro-ministro Geórgios Papandreou, 57 anos, um grego um tanto diferente porque formado na London School e em Harvard, filho e neto de antigos primeiros-ministros, mas ele está no poder há pouco tempo, desde as eleições de 2009. A responsabilidade pela crise é dos governos anteriores que foram imprevidentes: para organizar a Olimpíada de 2004, empenharam tudo o que o país tinha e, agora, quem tem de pagar é a população.

Além do novo aeroporto e da nova rodovia, ampliaram o metrô e construíram e reformaram estádios. Com tantas despesas no orçamento público, o resultado só podia ser esse mesmo: quebra. Como foram já foram invadidos e dominados por outros povos, os gregos agora temem que, com a quebra, o país possa ficar vulnerável a outras invasões. Ainda que não corra risco de invasões, o Brasil que, guardadas as devidas proporções, tem níveis de corrupção tão alarmantes quanto os da Grécia, deveria colocar as barbas de molho: depois da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e da Olimpíada de 2016, bem que poderá estar em situação semelhante.

Por isso, vivem preocupados com os vizinhos, especialmente com a Turquia, velha desafeta, cujas montanhas se pode ver da Ilha de Rhodes. Talvez por isso é a Grécia o país europeu que, nos últimos tempos, mais investiu em armamentos. Seu exército é um dos mais numerosos e mais bem equipados da Europa, na comparação com sua população (11 milhões de habitantes). Atrai muito os jovens, que não vêem o momento de cumprir o serviço militar obrigatório. Um grego que viveu a infância e boa parte de sua fase adulta em São Paulo, ao retornar ao seu país, teve de servir normalmente ao exército já com mais de 40 anos de idade, para regularizar seus papéis.

A paixão dos gregos por armas é tanta que, desde 1975, em Atenas, há o Museu da Guerra, que guarda uma vasta coleção de armas, aviões, helicópteros, uniformes e documentos. Há armamentos e objetos utilizados pelos soldados gregos na Segunda Guerra Mundial, na Guerra da Coreia e na guerra histórica no Chipre. No exterior do prédio, encontram-se aviões, helicópteros e armamentos antigos e mais recentes. O Museu guarda um espólio de mais de vinte mil fotografias da história das forças armadas gregas.

PONTOS TURÍSTICOS

Fundada há mais de três mil anos, Atenas tem mais de três milhões de habitantes, incluindo os subúrbios, e, embora apresente muitas construções modernas, continua com suas ruínas que remetem a tempos imemoriais. A cidade é um dos principais pontos turísticos da Europa, mas está bastante desfigurada por causa de construções feitas sem muita ordem, especialmente no centro.

Nos bairros, a situação é outra: há áreas modernas e muito bem organizadas, prédios com três andares no máximo, sem elevadores, em razão da possibilidade de ocorrência de terremotos. Na área central, à época do verão, a situação é crítica: há poluição e muita poeira. Por isso, um dos passeios habituais de quem mora em Atenas é andar pela praia e tomar um banho de mar noturno.

Atenas é um dos maiores centros mundiais para a pesquisa arqueológica, mas não são gregos os seus pesquisadores, na maioria. Por falta de dinheiro, o governo loteou tudo, destinando áreas a arqueólogos norte-americanos, ingleses, franceses, italianos e outros. Por isso, Atenas abriga várias instituições nacionais e organismos internacionais voltados para a arqueologia, como a Universidade de Atenas, a Sociedade Arqueológica, o Departamento de Cultura da Grécia e diversos museus de antiguidades, nos quais se destacam o Museu Arqueológico Nacional, o Museu da Acrópole de Atenas, o Museu Benaki e o Museu Bizantino e Cristão.

Além das relíquias arqueológicas, as igrejas ortodoxas – praticamente, uma a cada esquina – são uma atração à parte: algumas são muito antigas, com destaque para a Catedral, a igreja de Omorfoklissia e a de Panaghia Kapnikarea. A Acrópole, o antigo centro sagrado da cidade, é célebre em todo o mundo tanto por sua relevância histórica como pelas ruínas de edifícios clássicos importantes como o Partenon e o Erecteion. Outros locais que não se pode deixar de visitar são o Templo de Zeus Olímpico, o Museu Histórico Nacional de Atenas, a Academia de Artes de Atenas, o Monte Licabeto e o Museu Bizantino e Cristão.

Nas ruas, os gregos nem sempre são afáveis na hora de dar uma informação ao turista, especialmente aqueles que trabalham para entidades públicas, que sempre olham com cara de quem não gosta de ser incomodado. Mas a maioria entende inglês e se esforça para ajudar. Não é correto dizer que são mal-educados. Como em todos os povos, há sempre aqueles que se mostram mais solidários, enquanto outros são menos corteses. Acostumados a atender turistas de todo o mundo, os garçons dos restaurantes de Monastiraki e da Plaka são atenciosos e “caçam” os clientes nas ruas, mostrando as opções de seus cardápios.

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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: [email protected]

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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