Jornalismo vagabundíssimo? Na gaveta de quem?

Na 5ª-feira, 8 de janeiro, o canal France 3, o segundo maior canal público de televisão da França, noticiou a morte, naquela manhã, de um comissário de Polícia que estava investigando os ataques do dia 7 de janeiro contra a revista satírica francesa Charlie Hebdo


O comissário, Helric Fredou, 45, foi encontrado morto em seu escritório em Limoges, capital administrativa da região do Limousin, região centro-oeste da França, à 1h da madrugada, tendo aparentemente usado a própria pistola de serviço para tirar a própria vida. Sabia-se que, antes, ele havia informado que estivera com a família de uma das vítimas do ataque contra Charlie Hebdo - e morreu antes de completar o relatório que estava preparando.
16/1/2015, Equipe de Asia Times Online 
http://www.atimes.com/atimes/World/WOR-03-160115.html
Até aí, interessante. Quase tão interessante quanto o total desinteresse da imprensa-empresa ocidental por mais essa tragédia que se soma ao affair Charlie Hebdo - desinteresse que um repórter resumiu como "blecaute no noticiário mainstream" - e foco pronto para mais uma teoria conspiracionista.

O contraponto daquelas primeiras notícias que emergiram dizia que o comissário sofrera de depressão e passara por um surto de esgotamento. A morte dele, imediatamente depois de ser incluído na investigação do equivalente francês do "11/9" teria sido, aparentemente, simples coincidência, ou consequência de mais um grande peso que lhe foi posto às costas, pesado demais para ele. Ainda assim, o atraso ou a total ausência de qualquer cobertura na imprensa-empresa de língua inglesa é, no mínimo, intrigante.

Teria havido blecaute? Ou apenas jornalismo vagabundíssimo? E onde, então, encontrar notícias e noticiário atualizado? Nas grandes redes e veículos de notícias (CNNFoxNew York Times, oGuardian etc. etc. etc.), ou em veículos obscuros os quais, pelo menos, dão sinal de que já acordaram e saíram da cama-quente - literalmente ou metaforicamente? Observe a grade de horários que aí vai, para ajudá-lo a responder.

5ª-feira, 8/1, 1h da manhã: Fredou é encontrado morto.

5ª-feira, 8/1, 11h24, o canal France 3, segundo maior canal francês de televisão pública, noticia em primeira mão.

Domingo, 11/1, 1h da manhã, Sputnik, que em novembro de 2014 substituiu a agência de notícias russa RIA Novosti e Voice of Russia, parece ter sido o primeiro veículo "mainstream" a noticiar a morte do comissário Fredou.

Mas Sputnik não foi o primeiro veículo a recolher o relato de France 3, que se pode considerar razoavelmente acurado, no que tenha a ver com os fatos: que o comissário estava morto, que morrera por tiro, que fora encontrado naquela manhã e que, de algum modo, investigava o ataque contra Charlie Hebdo.

Mas poucos leitores algum dia ouviram falar dos demais veículos que repercutiram o resto da história.

Na 6ª-feira, 9/1, Medha News na Índia, publicou a história.

Na mesma 6ª-feira, 9/1, UprootedPalestinians publicou a história.

Na mesma 6ª-feira, 9/1, Free Radio Revolution estava acordada e alerta nos EUA.

No sábado, 10/10, 21st Century Wire tampouco perdia tempo.

Dia 11/1, Epoch Times (edição em alemão de site que se dedica à China, muito preocupado com e sempre disposto a apoiar os perseguidos da seita Falung Gong) também publicou a matéria.

Àquela altura, já começavam as perguntas sobre por que a 'grande-mídia' nada noticiava do que bem podia ser matéria importante, de grande interesse público - ou talvez nem fosse, mas... se ninguém noticia, quem afinal decidirá se é notícia importante ou não?! - como Global Research perguntava, dia 11/1

Se alguém argumentar que são veículos pequenos, dados a material muitas vezes duvidoso, não há nesse caso, motivo para preocupação, porque a fonte, nesse caso é boa (France 3) - e não há dúvida quanto aos fatos.

Pois só no dia 12/1 a imprensa-empresa britânica começou a acordar: o Mirror noticiou logo depois do meio-dia; três horas mais tarde, foi a vez do Daily Mail.

Afundado cada vez mais, também naquela 2ª-feira, 12/1, às 7h37 da noite, o britânico Daily Telegraphafinal noticiou evento ocorrido quatro dias antes, e à distância de apenas uma rápida viagem de trem da redação londrina do Telegraph, e ainda muito mais perto do escritório parisiense do mesmo jornal.

(Os jornalistas muito apreciarão a ambígua urgência do bordão "it has emerged" [apr. "segundo notícias recém-recebidas" (NTs)] - "Um chefe de alto escalão da polícia judiciária em Limoges cometeu suicídio na 4ª-feira, horas depois de ser encarregado de redigir relatório sobre as mortes em Charlie Hebdo,segundo notícias recém-recebidas." Em outras palavras: dormimos no ponto (ou pior que isso, mas, uau!, aí está a 'notícia'.)

Só na 3ª-feira seguinte, 13/1, é que a imprensa acordou nos EUA, sob o formato do Washington Times. E quando afinal acordaram, já não havia dúvida quanto a direção a imprimir à manchete: "Helric Fredou, chefe de polícia francês, suicidou-se sob intensa pressão do terror em Paris".

Quando escrevemos agora, dia 15/1, já há matérias na imprensa-empresa de língua inglesa, mas procure pelo Google e logo verá que absolutamente não houve cobertura para essa morte. É suficientemente estranho, para merecer pesquisa mais detalhada: nada na CNN, nada no New York Times, nada no Washington Post, nada no Guardian, etc. etc. etc. (Um artigo, publicado pelo Ron Paul Institute dia 14/1, que faz referência à morte daquele comissário de Polícia, atraiu algumas críticas por levantar essa e outras questões mais amplas.)

Ninguém precisa de teoria conspiracionista: basta(ria) um relatório sério de autópsia para pôr fim às elucubrações. Mas ninguém perderia coisa alguma se houvesse melhor trabalho de reportagem e melhor jornalismo. Afinal de contas, grande parte da reação contra o massacre no Charlie Hebdo teve a ver com liberdade de imprensa - e liberdade de imprensa exige livre trabalho de repórter, para começar.

A ausência de qualquer reportagem sobre a morte de um alto oficial da Polícia francesa, Helric Fredou, envolvido de algum modo na investigação do massacre na redação de Charlie Hebdo que acontecera praticamente na véspera, muito rapidamente pode passar a significar ausência de liberdade para noticiar. - Nesse caso, surge a questão de verificar-se quem está acordado para noticiar eventos importantes, e quem está na cama [no Brasil, se diz "na gaveta" (NTs)]. E, no caso de haver jornalistas na cama [ou na gaveta], cama de quem? [Gaveta de quem?] ******

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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