Padre Antônio Vieira

* Murilo Badaró – Presidente da Academia Mineira de Letras

A primeira vez que, ainda estudante, o nome do Padre Antônio Vieira (l608-1697) despertou minha atenção, foi ao ouvir meu pai dizer num discurso “que toda altura é um precipício”, frase atribuída ao notável orador português e extraída do Sermão da Primeira Dominga do Advento, pregado na Capela Real no ano de 1650.

A expressão exata de Vieira, de onde foi retirada a bela lição contida no apotegma, é “. . . e muitos outros varões santos e sisudos, que quando lhes ofereceram as mitras, não quiseram subir à alteza da dignidade, porque reconheceram a do precipício”.

O inesgotável manancial de ensinamentos contido na palavra exuberante do sacerdote, cujas palavras encheram de luminosidade o século 17, levam-me a prestar-lhe esta reverência após a semana saturnal vivida pelo Brasil, na lembrança do 400º aniversário de seu nascimento no dia 06 de fevereiro de 1608. A Academia Mineira de Letras iniciará seu ano literário com uma conferência sobre Vieira no dia 6 de março, a ser proferida pelo jesuíta José Carlos Brandi Aleixo, ilustre acadêmico, organizador da republicação da História do Futuro, importante obra do notável pregador.

Adquiri quando universitário os 15 volumes dos Sermões, editados pela Lello&Irmão da cidade do Porto, em Portugal, e passei a percorrê-los em busca das palavras repassadas de sabedoria daquele que se glorificou como o maior orador da língua portuguesa. O prestígio de Vieira decorre de que a eloqüência é uma sublime e divina arte, e nela alcançou as cumeadas da glória, tornando-se uma das águias da eloqüência cristã. Se nos dias de hoje os oradores vão perdendo gradativamente sua força de persuasão, devorados pelos modernos instrumentos de divulgação e ausência de preparo, não menos verdade é que a eloqüência será sempre bem recebida por se constituir no ideal supremo do ofício da palavra de dominar o ânimo alheio.

Quando o orador transfunde sua própria alma no verbo, realiza o milagre de que só ela é capaz de produzir ao criar o belo e o sublime. Por esta razão os Sermões são considerados obras primas do estilo de Vieira, exemplo do barroco mais puro em que o orador joga com idéias e conceitos com a mais ampla liberdade, usando de metáforas e exemplos aparentemente contraditórios a se constituírem no mais perfeito e acabado modelo de oratória.

O caso do precipício citado antes e mais tantos outros que se vão desenrolando à medida que o orador assume o comando do espetáculo, as apóstrofes irrompendo em meio às invectivas carregadas de sublimidade, fazem da palavra de Vieira lampejos fulgurantes do gênio incomparável. O essencial nos Sermões é que as palavras, que brotam encachoeiradas para aprisionar os ouvintes, saem com naturalidade sem prejuízo da forma, que é delas inseparável.

Lê-los a tão longa distância em que foram proferidos, não enseja imaginar o espetáculo extraordinário da figura, da voz, da dicção, do frêmito, do aplauso, da tensão, do entusiasmo comunicativo provocado pela torrente de imagens calcadas na realidade, muitas delas destinadas a condenar, a inflamar e a despertar a multidão indignada. Suas alegorias eram incomparáveis: “palavras sem obras são como tiros sem bala. Atroam, mas não ferem”.

Quando voltou ao Brasil para colocar paradeiro à dissolução dos costumes e acabar com a mancha negra da escravidão, produziu sobre o Maranhão este imortal rondó no “domingo das verdades” : “M Maranhão, M murmurar, M motejar, M maldizer, M malsinar e, sobretudo M: mentir com as palavras, mentir com as obras, mentir com os pensamentos, de que todos e por todos os modos aqui se mente” .

No Sermão da Sexagésima, pregado na Capela Real no ano de 1655, indicando que “cada homem para se ver a si mesmo são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz”, Vieira atinge a sublimidade da eloqüência quando pede a “Deus que nos livre de vontades endurecidas, que ainda são piores que as pedras”, para arrematar: “a vara de Moisés abrandou as pedras e não pode abrandar uma vontade endurecida. Nesta nesga de espaço, é bom lembrar deste notável pregador como homenagem a um dos maiores vultos da cultura luso-brasileira, cuja memória é justo seja destacada para, mesmo timidamente, transmitirmos ao notável orador nossa vassalagem cultural e retórica. (e-mail: [email protected] /murilobadaro.blogspot.com)

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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