Liberdade de ensinar do docente no ensino superior

Liberdade de ensinar do docente no ensino superior
Viviane Gonçalves
Paulo Henrique Miotto Donadeli
RESUMO: O presente artigo visa estudar o conceito e a extensão do princípio constitucional da liberdade de ensinar do docente de ensino superior, buscando entender quais são os seus limites, e verificar os limites da intervenção da Instituição na atuação do docente em sala de aula. Quer-se, ainda, analisar, até que ponto o plano pedagógico institucional pode impor concepções didáticas e pedagógicas sem ferir o referido princípio. Como estabelecer um equilíbrio entre o princípio da liberdade de ensinar e o princípio da liberdade de aprender, como forma de que um seja o complemento do outro, sem que haja conflito entre docente e aluno.
“Quem sabe, ensina. Quem ensina com liberdade, educa. Quem sabe ensinar com liberdade e amor, desenvolve integralmente o educando.” (Vicente Martins)
1 Conceito e abrangência do princípio da liberdade de ensinar
A adoção da ordem constitucional sobre a educação mostra a relevante importância dada pelo legislador constituinte à cultura e educação do povo brasileiro, elevando a educação à categoria de serviço público essencial, cabendo ao Estado o dever de efetivar esse tão sublime direito de todos.
Os princípios do ensino estão elencados no art. 206 da Constituição Federal.
Art. 206 da CF. O ensino será ministrado com base nos I – igualdade de condições para o acesso e permanência na : seguintes princípios escola. II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino. IV – gratuidade de ensino público em estabelecimentos oficiais. V – valorização dos profissionais do ensino garantidos na forma da lei, planos de carreira para o magistério publico, com piso salarial e profissional e ingresso exclusivamente por concurso publico de provas e títulos. VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei. VII – garantia de padrão de qualidade.
Estes princípios têm como missão orientar a condução do ensino no país, nas diversas esferas do sistema de ensino, inclusive no que se refere à elaboração e aplicação da legislação educacional. Os princípios da educação são, portanto, parâmetros que devem constituir a base de qualquer planejamento que se faça na área de educação, visando à concretização das finalidades da educação. Veja o que diz José Afonso da Silva (2000, p. 814):
A consecução prática dos objetivos da educação consoante o art. 205 – pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho – só se realizará num sistema educacional democrático, em que a organização da educação formal (via escola) concretize o direito ao ensino, informado por princípios com eles coerentes, que realmente foram acolhidos pela constituição.
Os princípios do ensino podem ser melhores conceituados como enunciados básicos, “que compreendem e contemplam uma série de situações e demandas no âmbito educacional”, constituindo, em substância: “uma espécie de cimento de toda a estrutura jurídico-normativa da educação nacional.” (MARTINS, 2005).
Dentre eles, vamos nos ater ao estudo em específico do inciso II, que consagra o princípio da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.
Este princípio guarda estrita relação com o inciso IX, do art. 5 da Constituição Federal, que declara ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. A liberdade de ensino e de aprender, portanto, insere-se no âmbito genérico da liberdade de expressão do pensamento, como um direito individual.
Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (1998, p. 435) ressaltam a importância desse princípio, nos seguintes termos:
A liberdade de ensino possibilita e garante um desenvolvimento amplo da ciência e da pesquisa no país. Essa liberdade, frisamos, visa a exterminar qualquer tipo de autoritarismo e de manipulação que a educação possa sofrer. A liberdade de ensino pressupõe, antes de tudo, a idéia de que os professores podem trabalhar segundo suas convicções, não estando obrigados a ensinar o que os outros impõem.
No mesmo sentido esclarece Elias de Oliveira Motta (1997, : p. 172)
Ao definir a liberdade de ensino como princípio constitucional, os elaboradores da Constituição garantiram sua conseqüência lógica, a autonomia da escola e dos profissionais (liberdade de cátedra) e a livre atuação na área da educacional para as instituições privadas.
O constituinte de 1988 ao consagrar este princípio do ensino, quis por um fim em todas as formas de autoritarismo que se verificou em diferentes fases da história da educação no Brasil, em que muitos movimentos foram contidos, e vários foram os desrespeitos cometidos contra a livre manifestação e liberdade do ensino por parte do Estado. No Estado totalitário existe ordem imposta pela força ou medo da força, tendo o indivíduo pouca, ou quase nenhuma, oportunidade para emitir seu julgamento ou expressar suas opiniões sobre a política ou contra a ideologia adotada. Hoje, atitudes como essas são inaceitáveis e incabíveis, pois, o povo começou a conhecer a verdadeira democracia, e a cadadia torna-se mais seu ferrenho defensor.
O Estado Democrático é uma associação de indivíduos organizados para conquistar e dirigir objetivos comuns, visando estabelecer e manter as condições necessárias ao pleno desenvolvimento de cada indivíduo e de toda a sociedade. Assim, a democracia é mais do que um conceito político, que permite ao povo participar das decisões do Estado, mas pressupõe a garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana, fundados nos princípios da liberdade e da igualdade (SILVA, 2000, p. 121). O princípio da igualdade individual é aqui entendido no sentido de igualdade perante a lei e de garantia ao acesso aos bens sociais e às condições básicas necessárias a uma vida digna para todos. A liberdade é algo inerente à condição de ser humano, em termos da liberdade de expressão, de pensamento, de ir e vir, de participar e de intervir na construção do projeto de sociedade em que o indivíduo está inserido (DONADELI, 2004).
O Estado Democrático é pluralístico e incentiva uma variedade de opiniões e de expressões, tendo o cidadão o direito de manifestar e de discordar dentro da legalidade. A força do Estado Democrático repousa na livre troca de idéias, onde os homens são livres para pensar, livres para expressar suas opiniões, livres para dirigir suas vidas como cidadãos independentes, apenas limitados pelo sentimento de responsabilidade para com os seus concidadãos. A função do Estado não consiste impor ponto de vista ao indivíduo, mas em criar condições que lhe permita desenvolver seus próprios raciocínios. “O Estado democrático repousa na inteligência de seus cidadãos e não no medo de seus súditos.” (SILVA, 2000, p. 43).
O princípio do pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, nos termos do inc. III do art. 206 da Constituição Federal vem reforçar o princípio da liberdade de ensinar e aprender, comprovando o intuito democrático que se reveste nossa Lei Maior. Não cabe a um Estado que pretende ser democrático (MONTEIRO, 2005):
[...] impor modelos únicos e autoritários de idéias a serem aplicadas no processo ensino-aprendizagem, nem tampouco ditar as concepções pedagógicas a nortear o mesmo processo. Ao contrário, tais idéias e concepções devem ser construídas dialeticamente, no cotidiano das atividades educativas, respeitando-se a autonomia das localidades e das unidades escolares, respeitadas as realidades regionais e diferenças ideológicas, não havendo nenhum modelo pronto, acabado e pré-concebido de ministrar o ensino.
Entende-se por pluralismo de concepções pedagógicas a faculdade de adoção do método de ensino mais conveniente para cada escola. Por esse princípio, ainda, buscou assegurar o direito de escolha em relação à educação que o educando deseja receber ou que a família quer oferecer aos seus filhos, tanto sob o ponto de vista confessional, quanto ideológico ou financeiro, bem como, levando em consideração o caráter qualidade de ensino e metodologia aplicada (MOTTA, 1997, p. 172).
É claro, que não se pode esquecer que essa liberdade pressupõe responsabilidade, ou seja, que os ensinamentos não contrariem a ordem jurídica vigente em nosso país. Assim, a liberdade de ensino encontra limites nos próprios princípios constitucionais, que devem ser observados, estando vedada o uso do ensino para fazer apologias político-partidárias, para servir de opressão ou dominação de um povo ou que contrarie os ideais do Estado Democrático de Direito (DONADELI, 2004).
Se a liberdade de ensino deve ser certamente reconhecida com todas as suas conseqüências, torna-se indubitável que, como todas as liberdades, ela deve ser regulamentada pelo estado, que pode e deve opor-lhe certas restrições, que terão os mesmos fundamentos e os limites das outras restrições opostas a outras liberdades. O estado pode e deve restringir a liberdade de ensino na medida em que isto seja necessário para proteger os direitos individuais de todos (...) O estado não pode interditar nem opor na escola, o ensino de qualquer doutrina. O estado não deve ter doutrinas, antes deve respeitar e proteger todas as doutrinas. Então, não pode o estado organizar uma inspeção para vigiar as doutrinas, as tendências, o espírito que inspiram o ensino de uma ou de outra escola. (DUGUIT. Manuel de droit constitutionnel apud PACHECO, Cláudio. Tratado das constituições brasileiras apud MOTTA, 1997, p. 234).
O Estado deve criar parâmetros para nortear o ensino em todo o país, de forma a padronizar os conteúdos das diferentes séries e graus, permitindo uma difusão homogenia e coerente do ensino a todos os alunos. O Ministério da Educação detém normas, regulamentos e planos curriculares que organizam o ensino em todo o país. O que não pode é o Estado quer impor concepções e opiniões que comprometam o livre debate de idéias.
Além da legislação do ensino, cada instituição deve seguir um plano pedagógico, elaborado a partir dos princípios e normas que norteiam o sistema de ensino brasileiro. Os docentes devem ministrar a educação aos alunos levando em conta o referido plano. A palavra “plano” no contexto da expressão significa: um caminho a seguir ou a execução de algo previamente esboçado, esquematizado ou arranjado. O plano pedagógico funciona como um guia, caminho das ações educacionais da instituição de ensino, impondo uma filosofia de ensino, obrigações e metas a serem atingidas, buscando a qualidade da educação ministrada. É, na verdade, um documento que define as intenções da escola, a serem executadas.
Também denominado proposta pedagógica, é a síntese dos princípios, diretrizes e prioridades estabelecidas pela equipe escolar a partir dos objetivos educacionais e da definição dos resultados a serem atingidos, sempre voltados para a melhoria da aprendizagem dos alunos e do desempenho da escola (INTRODUÇÃO: projeto pedagógico, 2005).
A ação pedagógica deve buscar capacitar e desenvolver cada educando para aprender, pesquisar, manifestar suas idéias e aptidões, para posteriormente seguir sua vocação e formar sua própria consciência e personalidade.
Os objetivos do projeto pedagógico devem ser confeccionados com a participação efetiva da comunidade, dos alunos, da equipe escolar, levando em consideração as necessidades, limitações, expectativas e potencialidades dos envolvidos, bem como, as condições, os recursos e instrumentos pedagógicos existentes na Instituição.
Assim, percebe-se que na elaboração do projeto pedagógico, é preciso uma reflexão consistente sobre o trabalho a ser desenvolvido, sempre fundamentada em dados que diagnosticam a situação da instituição. Quando bem estruturado, poderá atingir inúmeras finalidades. Portanto, precisa declinar com clareza os objetivos prioritários.
Deve conter, no mínimo, as seguintes informações: as competências e habilidades que os alunos precisam desenvolver; os conceitos integradores e os conceitos significativos; os contextos significativos; as informações e conhecimentos anteriores que possuem, tanto os alunos quanto os professores; os materiais e procedimentos a serem utilizados; a organização do espaço e as relações na sala de aula; as relações interpessoais; a organização do tempo; os projetos a serem desenvolvidos (INTRODUÇÃO: projeto pedagógico, 2005).
O projeto pedagógico não deve preocupar somente com a formação intelectual do aluno, mas também deve se preocupar em formar cidadãos comprometidos com a responsabilidade social e com a ética, preparando o aluno para enfrentar as incertezas da vida social e profissional, com atitude e seriedade.
Assim, pode afirmar que o projeto pedagógico é resultado de um desejo coletivo dos que integram o universo educacional. “Para a consecução desse desejo coletivo, será preciso que a comunidade docente assuma realmente o seu papel, interagindo para alcançar as metas que estabeleceu e pretende alcançar” (INTRODUÇÃO: projeto pedagógico, 2005). O Projeto Pedagógico deve ser avaliado permanentemente, visando verificar se os objetivos colocados inicialmente, estão sendo alcançados. (ROCHA, 2005).
Por fim, o último princípio da liberdade de ensinar é a garantia de padrão de qualidade. Tem-se que esclarecer que o conceito de padrão de qualidade vai além dos recursos humanos e materiais necessários ao desenvolvimento da atividade educacional, mas, também, compreende um ensino livre e democrático, que respeite as diferenças e difunda a tolerância, voltada para a difusão dos valores humanos e da consciência social, colaborando para que a escola se torne um instrumento de desenvolvimento do país e de redução das desigualdades sociais. Educar, dentro dessa perspectiva, é formar cidadãos críticos e independentes, comprometidos com os ideais democráticos e com as necessidades presentes e futuras da comunidade.
As instituições de ensino podem estabelecer metodologias e diretivas segundo sua própria pedagogia. Mas, o que garante a liberdade de ensinar é o respeito da escola às concepções e atitudes pedagógicas do docente. Assim, cabe ao professor buscar conhecer as diferentes pedagogias e recursos didáticos, para escolher o mais apropriado para o ensino que pretende ministrar (MARTINS, 2005). O professor deve ter o compromisso com a investigação pedagógica, buscando construir um pensamento independente e crítico.
O professor deve ter liberdade de ensinar para poder viabilizar a liberdade de aprender do aluno.
Quem tem liberdade de ensinar transforma suas aulas em muito mais do que lições, mas em artes de ensinar, de tal modo que a liberdade de ensinar revela-se, em muitos professores, como a liberdade de pôr em prática uma idéia, valendo-se, para tanto, de sua competência técnica. (MARTINS, 2005).
A liberdade de ensinar não comporta a decisão unilateral de vontade, a imposição fere a democracia do ensino. O docente deve saber ouvir o aluno. Deve diagnosticar suas limitações ou desinteresse.
A liberdade de ensinar não comporta a acomodação ou descompromisso com a aprendizagem. O docente que quer ser livre para ensinar e ser respeitado pelo aluno deve investir em sua formação e ampliação de seus conhecimentos. Muitos docentes apenas repetem conteúdos de um semestre para outro, imaginando estar sempre com o mesmo grupo, desconsiderando que a cada grupo ou sala de alunos tem uma realidade e uma história peculiar, que deve ser considerada no aprendizado. Além do que as coisas mudam, evoluem, precisando ser atualizadas.
A liberdade de ensinar não comporta na opção de dar qualquer aula, nem ensinar o que bem entender, mas o docente deve pesquisar e preparar a aula. A liberdade de ensinar não comporta desorganização, relaxamento ou irresponsabilidades. O ato de ensinar requer a seriedade em primeiro plano. As aulas devem ser dinâmicas, divertidas, objetivas, claras, de fácil entendimento, sempre buscando correlacionar a teoria com a vida cotidiana do aluno.
A liberdade de ensinar não comporta o direito ao isolamento, nem a arrogância de se achar o dono supremo da verdade, mas o educador deve colocar-se numa posição de humildade e ter receptividade e acessibilidade aos alunos. O docente deve refletir sobre sua metodologia, sua didática, seus conhecimentos, sua relação com o aluno, corrigindo perenemente seus eventuais erros.
A liberdade em ensinar não comporta desestimulo, e nem que o docente seja condescendente com o desinteresse do aluno e desista de incentivá-lo. O docente é o ponto referencial no aprendizado do aluno, se ele não estimular a curiosidade em aprender do aluno, quem fará?
A liberdade de ensinar não comporta aplicação de avaliações com o fim único de prejudicar o aluno. As avaliações devem buscar auferir o máximo possível o grau de aprendizado do aluno, bem como, servir de indicativo para que o docente reavalie seu método de ensino.
A liberdade de ensinar não deve ser confundida com autoritarismo. O docente deve ter autoridade dentro da sala, mas isso não implica poder usar de meios que ferem o bom senso e a dignidade do aluno. A autoridade é uma forma de impor respeito sem ser rude ou grosseiro. O respeito não é algo que se impõe, mas que se conquista dia-a-dia, através de uma relação de confiança e afetividade. O docente deve estabelecer as normas e discutir com os alunos, debatendo um compromisso ético, visando chegar a um ponto comum, bom para as duas partes, docente e discente. Veja a seguinte opinião:
Casos em que o professor assume uma postura autoritária e acredita que distanciamento hierárquico é sinônimo de respeito, não são raros dentro de uma sala de aula. Esse profissional, como um “general”, geralmente intimida os discentes a prestarem atenção, e ministra suas aulas sem se importar que haja alunos que não estão acompanhando o seu raciocínio. Sua atenção está voltada apenas para alguns poucos alunos que, sentados nas primeiras carteiras, olham-no atentamente. Quando algum dos supostamente desinteressados faz alguma pergunta, ou é ignorado, ou recebe como resposta: “Se você estivesse prestando atenção, teria entendido”. Em nosso entender, respeito se conquista não se impõe; e o diálogo é o melhor caminho para a solução de problemas. (SIQUEIRA, 2005).
A boa relação entre professor e aluno é fundamental para o desenvolvimento da aprendizagem. O temor do professor gera um bloqueio nos alunos que os impedem de aprender. Quantas vezes verificamos entre os alunos um sentimento de desânimo ou de aversão a determinadas aulas e a docentes. Muitos docentes se escondem atrás de um autoritarismo exacerbado visando esconder ou mascarar suas deficiências quanto ao domínio do conteúdo ou da disciplina da sala. Eles na verdade, é quem tem medo dos alunos, medo dos alunos o questionarem e ele não saber responder, o que representaria uma desmoralização.
A autoridade, também, não comporta: corrigir de forma humilhante o aluno perante toda a sala; criticar o aluno excessivamente, desrespeitar sua história de vida e seus conhecimentos ou agir com agressividade; responder com descaso ou irritação; ser impaciente com as perguntas ou colocações do aluno; etc. (CURY, 2003, p. 57-100).
Na verdade, o docente que quer ter a liberdade plena de ensinar, deve buscar um comprometimento total com a educação.
Para ensinar não é suficiente conhecer conteúdos, é preciso ter formação de educador, e principalmente, vocação e gosto em ensinar. A formação pedagógica ultrapassa o conhecimento do conteúdo que o docente ensina. A falta dessa preparação pode tolher o compromisso do professor com as ações que ele desenvolve com seus alunos, com a instituição em que trabalha e mesmo com a comunidade. No ensino superior, encontra-se muito a figura do professor transmissor de conhecimento, sem o comprometimento de relacionar o conteúdo específico com o mundo real que aparece fora dos bancos escolares. Acabam desvinculando a teoria da realidade a qual os alunos estão inseridos. O professor deve estimular seus alunos a aprender a aprender. Deve criar um espírito de busca permanente de novas descobertas. Não há dúvidas de que o conhecimento é um processo que deverá estar em constante desenvolvimento. Não se pode dizer que todas as verdades são eternas, pois a realidade se altera e essas mudanças devem ser percebidas pelos professores. O compromisso do professor com os temas educacionais, num sentido muito mais amplo do que a simples transmissão de conhecimentos ou experiências profissionais, é uma questão sobre a qual o docente deveria estar constantemente em processo de reflexão. Educar, no entanto, é ato consciente e intencional que ultrapassa a etapa do instruir. Um professor de ensino superior deve aliar ao conhecimento específico de sua área o domínio da habilidade de educar (OLIVEIRA; DONADELI; BOLDRIN, 2003).
Paulo Freire (1996) traz-nos um rol de aptidões a serem observadas em um educador. Para ele, ensinar exige: a). consciência do inacabamento do ser humano; b). respeito à autonomia do ser do educando; c). bom senso; d). humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores; e). apreensão da realidade; f). alegria e esperança; g). convicção de que a mudança é possível, ainda que, muitas vezes, seja difícil; g). curiosidade.
Além disso, torna-se necessário que o docente seja um intelectual crítico e ético, capaz de apreender e trabalhar as diferenças visualizadas na sala de aula.
Por fim, é importante ressaltar que, a liberdade de ensino garante um maior desenvolvimento da pesquisa e da ciência no país. Assim, não somente o sistema de ensino se fortalece, mas toda a nação ganha com este princípio.
2 A liberdade de aprender do aluno
O processo de formação escolar está ligado, intrinsecamente, a liberdade de aprender.
Ao mesmo tempo em que se consagra a liberdade de ensinar, deve-se também se garantir a liberdade de aprender, ou seja, ninguém pode ser forçado a aceitar certa opinião, pensamento ou doutrina, o que implica dizer que a discordância de idéias não pode afetar ou prejudicar o aluno dentro da escola. O professor deverá respeitar o posicionamento dos alunos de forma democrática e construtiva.
Aprender deve resultar de uma condição de liberdade de escolha e do reconhecimento das potencialidades que caracterizam as pessoas na sua essência. A liberdade de aprender se manifesta pelo reconhecimento de que a aprendizagem resulta de condicionamentos, implicações e conseqüências individuais. (MARTINS, 2005).
Outro reflexo dessa liberdade é a confusão que os alunos fazem quanto à questão da disciplina escolar. Essa é uma questão incomoda bastante o docente.
[...] no entanto, infelizmente, sempre podemos presenciar situações em que muitos professores, em nome da autodisciplina, tomam atitudes, no mínimo, pedagogicamente questionáveis: fazem imposições sem fundamento, ameaçam os alunos e, não raras vezes, chegam a humilhá-los. Outros, simplesmente ignoram tal fato, demonstrando, claramente, que estão mais preocupados em cumprir o conteúdo curricular planejado para aquela aula, do que em descobrir o porquê da falta de interesse e da indisciplina da maioria dos seus alunos (SIQUEIRA, 2005).
Ao tratar deste tema surgem as seguintes questões: O aluno tem o direito de escolher o que quer aprender? Será que o aluno tem a opção em não aprender?
Quanto à liberdade de não aprender, a reposta mais sensata seria que ela não é absoluta. O aluno não tem o direito de fazer tudo, e do modo como bem lhe aprouver. A sua liberdade esbarra no elemento disciplina. No entanto, o que deve ser indagado é o limite da autoridade escolar na relação ensino-aprendizagem.
Se a educação busca a formação do indivíduo como cidadão, sua formação para o trabalho e o desenvolvimento pleno de sua personalidade, permitir que o aluno escolha em não aprender se torna um obstáculo para a consecução dos objetivos da educação, e isto é contrário à lei e a toda sociedade. Por isso, a liberdade em aprender do aluno reside no fato de ter liberdade de pensar, contestar, colocar suas idéias sem qualquer tipo de cerceamento ou prejuízo para sua avaliação, desde que não venha a ferir a lei e o bom senso.
A cola é um ato fraudulento e que não está respaldado pela liberdade de aprender. O docente deve combater esta prática, que desde muito tempo, é muito reinante em todas as escolas, nos diferentes níveis de ensino. A cola não atende os fins globais da educação nacional, e vai contra a implantação de um sistema de ensino de qualidade, bem como, fere as finalidades da educação que é a formação da cidadania e o desenvolvimento das plenas potencialidades do educando. Quem cola não estuda, e sem estudo não tem como aprender. Se não aprende não tem condições de ser um verdadeiro cidadão e não consegue plenamente desenvolver suas potencialidades. Assim, ao repelir esta liberdade de colar, quer-se valorizar o ensino, através da valorização daquilo que lhe é mais importante, o estudante.
Muitos podem defender que os métodos avaliativos não correspondem a uma verificação consistente do aprendizado do aluno. Isto pode estar perfeitamente correto, mas não é motivo para tolerar o uso de colas. O que se deve buscar é uma alternativa pedagógica de avaliação, que respeite a condição do estudante, e que lhe permita auferir o seu grau de aprendizagem. Compactuar com esta situação, permitindo a cola como um evento para promoção do aluno, é um grave erro, pois estaremos formando titulados sem mínimas condições de ensino.
A liberdade de aprender não pode tolerar irresponsabilidades, mas deve pautar-se pelo sentimento de formação da personalidade do aluno, voltada para livre manifestação de idéias, de forma ética e socialmente correta.
CURRICULO DOS AUTORES :
Viviane Gonçalves
Bibliotecária formada pela Universidade Federal de Santa Catarina, Especialista em Docência no Ensino Superior pela Faculdades de Ciências Sociais Aplicadas de Primavera do Leste - MT.
Paulo Henrique Miotto Donadeli
Advogado formado pela UNESP ( Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- Faculdade de História, Direito e Serviço Social)
Mestre em Direito Público pela UNIFRAN - Universidade de Franca.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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OLIVEIRA, Paulo de Tarso; DONADELI, Paulo Henrique Miotto; BODRIN, Maristela. Ensino Jurídico: a contratação de docentes e os desafios da universidade atual. In: CONGRESSO CIENTÍFICO DE PÓS-GRADUAÇÃO, 1., 2003, Franca, SP. Anais eletrônicos...Franca: Universidade de Franca, 2003. 1 CD-ROM.
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ZÓBOLI, G. Práticas de ensino: subsídios para a atividade docente. 7. ed. São Paulo: Ática, 1996.
Fonte: GONÇALVES, Viviane e DONADELI, Paulo Henrique Miotto. O PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE ENSINAR DO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR, EM FACE DO PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE APRENDER DO ACADÊMICO, SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. Disponibilizado na Internet: http://www.portalbibliotecario.com.br/.Última Atualização ( 29 de June de 2006 ). Acesso em 13 de julho de 2006.

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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