Sobre a vida e obra de padre Antônio Vieira

Antônio Vieira é, certamente, uma figura poliédrica. Aluno do Colégio dos Jesuítas de Salvador – único da cidade, gratuito e aberto a todos – sentiu sua vocação religiosa. Sua consagração, na Ordem, ao ideal de construir um reino universal cristão de justiça e paz, motiva e impregna as mais diversas atividades de sua operosa e conturbada vida, quer no mundo áulico de metrópoles européias, quer na rudeza das florestas amazônicas.

Sete vezes cruzou o Atlântico, sendo as cinco últimas para a Evangelização e defesa dos indígenas. Com os mesmos propósitos navegou, em condições geralmente precárias e perigosas, mais de 1.400 léguas, e andou da Serra do Ibiapaba ao rio Tapajós. Vítima de procelas ou de corsários, chegou a Cabo Verde e aos Açores e neles pregou.

Foi exímio poliglota. Noviço, na Bahia, aprendeu uma língua indígena e outra angolana. Na Amazônia, com suma diligência, veio a dominar cinco idiomas indígenas e em cada um deles compôs um catecismo. Em Roma usou, elegantemente, o italiano em concorridos sermões e em famosas tertúlias literárias promovidas pela rainha Cristina da Suécia. Em ciceroniano latim, língua do mundo acadêmico de seu tempo, redigiu a Clavis Prophetarum (Chave dos Profetas).

Combinando considerações religiosas, econômicas e geopolíticas, advogou o retorno a Portugal, com seus capitais, de judeus e cristãos novos. Criar-se-iam, com eles, uma Companhia das Índias Orientais e outra das Ocidentais, tornando Portugal, favorecido por sua situação na extremidade atlântica da Europa, um próspero empório e império. Isto pressupunha a existência da tolerância religiosa, com sinagogas abertas, como nos territórios pontifícios. O respeito aos direitos dos cristãos novos era a melhor maneira de ganhar as simpatias dos judeus.

Influenciado pelo sebastianismo, expôs na História do Futuro e na Clavis Prophetarum (Chave dos Profetas), obras inconclusas e, provavelmente, componentes de um único projeto, a teoria do Quinto Império, protagonizado por Portugal. Jean Delimeau, em seu clássico Mil Anos de Felicidade. Uma história do Paraíso, mostra que houve aspirações semelhantes, também, em outros países do Velho Mundo. Por denunciar as arbitrariedades da Inquisição de Portugal foi, por ela, processado, encarcerado e silenciado. Em 1675 o Papa Clemente X absolveu-o das acusações e penas e liberou-o da jurisdição dela.

A obra publicada de Vieira abrange escritos proféticos, cerca de 700 cartas e mais de 200 sermões. Estes cativam pela beleza de expressão, pela adequação da forma ao pensamento, pelo rigor da argumentação e pela criatividade. Entre muitos considerados jóias da literatura universal estão: o de "Santo Antônio aos peixes" de 1654, em São Luis, que compara os colonos aos peixes, com vantagens para os últimos; o do "Bom ladrão" de 1655, em Lisboa, contra a improbidade e a corrupção; e o da Epifania, de 1662, na capital lusitana, em defesa dos direitos dos índios. As cartas constituem, para muitos, o maior monumento da epistolografia portuguesa.

Como Horácio, ele poderia dizer: "construí um monumento mais perene que o bronze. Não morrerei totalmente". A história comprova que os frutos de seu trabalho cívico e apostólico não conhecem limites, nem de tempo, nem de espaço. Suas numerosas benemerências são enriquecidas pelo título com que o majestoso Fernando Pessoa o distinguiu para sempre: "Imperador da língua portuguesa".

Pe. José Carlos Brandi Aleixo e escritor e membro da Academia Mineira de Letras

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