A Evolução da Política Cultural dos Bolcheviques e a Pintura na União Soviética: Da Liberdade ao Monolitismo do Realismo Socialista [1917-1934]

João Lopes

João Lopes, formado em filosofia e autor do livro Adeus ao Stalinismo é membro do CEI- Comitê Executivo da LIT-QI e militante de Ruptura/FER, organização portuguesa que integra o Bloco de Esquerda. Neste artigo, Lopes rebate as acusações, infelizmente hoje freqüentes, de que o chamado realismo socialista da época de Stalin nada seria do que uma mera continuação da política bolchevique desde 1917.

A poderosa campanha das forças ideológicas do capitalismo contra a Revolução Russa a os bolcheviques sempre incluiu a questão da arte à guisa de algo que traria gravadas "ab ovo" as marcas da tentação totalitária. Ela estaria logo nas idéias estéticas de Lenine e a política cultural dos bolcheviques apenas teria sofrido mudanças de quantidade até ao aparecimento do realismo socialista em 1934 (1).

Ainda há poucos anos uma monumental exposição de pintura sobre "A arte e a ditadura" tinha lugar em Viena a dava uma linha de continuidade à pintura soviética dos anos 20 a 30 à luz do realismo socialista, ignorando intencionalmente o importante papel das diferentes correntes da vanguarda russa no quadro da política libertária de Lunatcharsky.

O historiador de arte Lionel Richard comentava então lucidamente a manobra dos organizadores dessa exposição: "Por ser provar a todo o custo que há traços permanentes durante todo o período de Stalin entre 1924 e 1953, não se deforma acenas a história deforma-se também a história da pintura..Com efeito, a aurificação das associações de artistas e a reorganização da vida artística. Implicando as palavras de ordem impostas e adequadas [pelo poder] data apenas de 1932. A intenção do realismo socialista dá-se em 1934. Portanto, teria sido mais compreensível mostrar o tipo de pintura que ainda era possível em 1925 e 1934 e, a seguir, aquilo (isto é, o tipo de pintura acadêmica oficial do realismo socialista) que iria se impor. Um dogmatismo cego decidiu organizar a exposição de outra forma” (2)

No princípio da década de 30, a liberdade e a pluralidade de correntes pictóricas ainda se fazia sentir na União Soviética. O predomínio dos realistas do AkhRR (Associação dos Artistas da Rússia Revolucionária) ainda comportava, por um lado, cisões internas como o grupo Outubro e a RAPKh (Associação Russa de Artistas Proletários) mais propensas à variedade estilística da arte proletária, e, por outro lado, um amplo arco de grupos que se lhe opunha, corno o OST e o Círculo (admissão do tratamento formal das temáticas hodiernas a revolucionárias), como a Sociedade das 4 Artes e a Sociedade dos Artistas de Moscou (refratários à "ideiinost" - arte de tendência - e aos temas do realismo comprometido, a cultores das variantes formalistas do modernismo ocidental a russo) ou como Filonov a os seus discípulos (comprometimento integral com o refinado esteticismo da vanguarda russa) (3).

Todavia, o espaço já estava a encerrar-se perigosamente. Lunatcharsky, cabeça da política artística dos bolcheviques desde a Revolução de Outubro, demite-se em 1929 na seqüência da pressão dos dogmáticos da AkhRR a dos quadros culturais do Partido Bolchevique. Os VkulTelns (Alto Instituto Artístico-Técnicos) de Moscou e Leningrado onde se concentrava a maior parte da vanguarda com Tatline a Malevitch à frente, são fechados em 1930.

Malevitch, regressado recentemente de uma "tournée" a Berlim a Varsóvia, é detido durante três messes a interrogado sobre o formalismo da sua arte em 1930. A dissolução das correntes artísticas e o monolitismo do realismo socialista estavam prestes a sufocar as liberdades artísticas dos anos 20.

Conscientes de que, tal como o ser de Aristóteles, também a reescrita da revolução Russa se diz de muitas maneiras (desde o "Livro Negro do Comunismo" a exposições de pintura aparentemente inocentes e a livros sobre a política cultural dos bolcheviques), procuremos dar um pequeno a introdutório contributo para esclarecer a evolução dessa política cultural, sobretudo na sua relação com a pintura.

A Revolução de Outubro ou pintura em liberdade

Embora obrigados a restringir as liberdades democráticas e o pluripartidarismo soviético devido à guerra civil e à intervenção de vários exércitos dos países imperialistas em solo russo, os bolcheviques promoveram logo a liberdade cultural. Neste campo, a sua política foi essencialmente desenvolvida por Lunatcharsky, figura bastante querida nos meios revolucionários, ideologicamente eclética a dotada de uma formação artística que ia desde o realismo novecentista dos "itinerantes" ao radicalismo do "Proletkult" e ao modernismo europeu (impressionismo-cubismo). futurismo...).

A sua orientação foi pautada pela liberdade de criação a pela pluralidade de correntes, o que, ainda assim, lhe valeu ataques dos mais variados quadrantes ideológico-artísticos. Contra os futuristas, o "Proletkult" e o próprio Malevitch, Lunatcharsky põe em prática a proteção da herança artística do passado e recruta mesmo figuras conservadoras como Benois para lugares destacados. Contra os "comunistas-futuristas" e o "Proletkult" que furiosamente se digladiavam a chamavam a si a orientação autoritária da vida artística do país, Lunatcharsky apoiava as mais variadas correntes a nem sequer discriminava os "itinerantes" (ala do realismo acadêmico que chocara com a Revolução de Outubro, que iria progressivamente recuperar o seu papel a partir de 1922 a estará na origem do realismo socialista).

Contra o conservadorismo artístico do próprio Lenine e os ataques de Zinoviev, Lunatcharsky defendeu o futurismo a outras tendências modernistas, colocando à frente da IZO (a secção de artes visuais do NARKOMPROS, ou seja, do Comissariado do Povo para a Educação) vanguardistas como Shterenherg a permitindo que iconoclastas como Malevitch, Tadine, Rodchenko ou Maiakovsky apresentassem as suas ousadas inovações às massas através dos posters a das decorações das grandes festas públicas. O próprio Lunatcharsky resumiu assim a política cultural dos bolcheviques: ”Declarei dezenas de vezes que o Comissariado Popular da Educação deve ser imparcial no que respeita às orientações particulares da vida artística [...] O gosto do comissariado e de todos os representantes do regime não deve ser tomado em consideração.

Há que facilitar o livre desenvolvimento de todos os indivíduos e grupos artísticos. Não se deve permitir que uma tendência artística elimine outra valendo-se da glória tradicional adquirida, quer da moda (4)

Neste contexto, a pintura vivia finalmente em liberdade. A vanguarda modernista vira a Escola de Pintura, de Escultura a de Arquitetura de Moscou expulsar artistas como Tadline (futuro chefe-de-fila do construtivismo) ou Falk (grande mestre do cézannismo russo). Vira igualmente a sua ostracização pelos círculos artísticos da Rússia czarista. Agora a Revolução de Outubro trazia lhe a desforra Malevitch e a sua pintura suprematista "não pertenciam à terra", mas ele lá estava à frente do Instituto de Arte de Vitebsk (1918-1921) a do InKhuk de Leningrado (1922-1926); Tatline a Rodchenko afirmavam-se como os grandes obreiros do construtivismo (abandono da pintura de cavalete, cruzamento da pintura com a arquitetara e a escultura, afirmação da arte como produtivismo a funcionalidade), levando os ensinamentos dos "esquerdistas” ao InKhuk a ao VkuTeMas de Leningrado; Kandinsky, figura de proa da arte abstrata, ajudava a fundar o Museu da Cultura Artística e o InKhuk, presidia à Academia Russa das Ciências Artísticas a estava na direção do IZO; outros artistas como Falk ou Pavel Kuznetsov cultivavam o cézannismo ocidental ou o primitivismo russo, sendo logo selecionados por Shterenberg para a direção do IZO a indo ensinar nos prestigiados VkuTeMas (nos anos 30, ambos os pintores serão tomados como alvos da campanha anti-formalista do realismo socialista).

Neste ambiente de liberdade a pluralismo, os "itinerantes" da AkhRR (1922) também conseguem encontrar o seu lugar, muito embora o seu anterior compromisso com a czarista Academia das Belas-Artes lhes tivesse inscrito posições artístico-políticas conservadoras que os levaram a uma cautelosa neutralidade inicial e o seu chefe-le-fila Répine se auto-exilasse. Deste grupo que começa logo a pregar a imperatividade dos temas da contemporaneidade revolucionária (Exército Vermelho, heróis do trabalho, as grandes obras industriais da construção do socialismo), a necessidade do estilo realista para as massas, a ofensiva contra o formalismo e a sujeição da arte à “partiinosf' - o espírito do partido -, virá a sair o realismo socialista.

A política cultural dos bolcheviques trouxe ainda para a pintura: 1) os primeiros museus de arte moderna do mundo, acolhendo esses centenas de obras compradas à vanguarda russa a as grandes coleções de impressionistas a pós-impressionista europeus justamente expropriadas aos grandes colecionadores capitalistas russos; 2) os Svomas, ateliers livres organizados pelo Estado, que estavam abertos a todos os cidadãos russos acima dos dez anos, que eram gratuitos, que funcionavam recorrentemente sem professores ou com professores eleitos pelos alunos, que acolhiam o ensino de todas as correntes a dos quais nasceriam os VkuTeMas de Moscou a Leningrado após a sua dissolução em 1921; 3) as célebres "exposições dos artistas de todas as tendências" que colocavam lado-a-lado obras dos "itinerantes" a dos suprematistas, dos cézannistas a dos primitivistas, dos construtivistas a dos simbolistas, as quais se prolongaram desde 1919 até à derradeira exposição "Quinze anos de arte russa" em Leningrado no fim de 1932.

Rumo ao monolitisrno do realismo socialista

Nos anos 20, a intervenção autoritária do partido bolchevique a do Estado soviético na vida artística for reduzida ao mínimo. A glosada ação de Lênin contra o "Proletkult" em dezembro de 1920 visava contrariar o absurdo objetivo do grupo na supressão da herança cultural do passado, obviar à sua tendência para guiar monoliticamente a arte do alto do seu ecletismo ideológico a centrar a educação artística dos jovens proletários no plano do marxismo. De modo algum, estava em causa a própria produção artística na sua liberdade a pluralidade. O conhecido decreto do Comitê Central do Partido Bolchevique "Sobre a política do partido em matéria de literatura artística" de 16 de Junho de 1925, comumente considerado pela critica burguesa como totalitário por apelar a uma “forma compreensível e próxima para milhões de trabalhadores'; afirma ainda taxativamente a pluralidade de correntes artísticas na esteira da visão de Lunatcharsky.

Não obstante a saída do libertário Shterenberg da direção do IZO(1921) da primeira vaga de emigração de pintores de vanguarda (em 1921-1922, Kandinsky, o construtivista Nauin Gabo a Marc Chagall rumaram ao Ocidente, sobretudo em resultado das suas querelas com outras figuras da vanguarda russa a da penúria material do país) a do crescente peso do realismo da AkhRR no panorama artístico a na definição da própria política cultural dos bolcheviques, a liberdade ainda marca toda a década de 20. As correntes pictóricas diferenciadas, contraditórias a enfrentadas continuam a sua vida normalmente: fazem exposições públicas, recebem encomendas e digladiam-se em múltiplos manifestos.

Os modernistas do início do século agrupam-se no Mundo da Arte, núcleo que acolhe pane da "direita" artística. Os diferentes matizes da modernidade a do futurismo juntam-se na União da juventude, Malevitch a os seus seguidores suprematistas agrupam-se na UNOVIS, os construtivistas reúnem-se na Obmokhu, estando presentes nestes três grupos a maioria dos "esquerdistas". Certas sociedades constituídas já em plena NEP como a Sociedade das 4 Artes e a OMKh (Sociedade dos Artistas de Moscou) recebem artistas do "centro" a mesmo "direitistas" a "esquerdistas" nos seus trabalhos de cunho impressionista, fauvista, cubista e primitivista. Outras como O Círculo e a OST oscilam entre a linguagem formalista às temáticas realistas hodiernas do país. Outras ainda como o Makovets, o Zorved a os Treze concentram-se essencialmente na pesquisa técnica e na qualidade espiritual da arte.

Entretanto, a AKhRR vai ganhando cada vez mais influência, recebendo a maior parte das encomendas a dos apoios oficiais a chegando mesmo a acolher a chancela informal de Stálin aquando da sua visita a uma exposição do grupo em 1928, mas isso não a impede de conhecer importantes cisões internas com o surgimento dos grupos Outubro (1928) a da RAPKh (1931), ambos virados para a rejeição do estilo realista como norma autoritária, para uma certa pluralidade estilística a para a recuperação de aspectos do "Proletkult" a do construtivismo.

No contexto da brusca viragem econômica de 1928 a da intensificação da luta contra os "kulaks" a os "nepmen", os setores artístico-culturais claramente ligados à burocracia estalinista aproveitam a situação para iniciar o processo de homogeneização e depuração da vida artística. Para além das já mencionadas demissão de Lunatcharsky, dissolução dos principais centros de investigação da vanguarda a da prisão de Malevitch, o decreto do Comitê Central do Partido Bolchevique "Sobre a reorganização dos grupos literários a artísticos" de 23 de Abril de 1932 é que viria determinar a dissolução obrigatória de todas as correntes e a recondução da anterior liberdade a uma arte oficial produzida ao abrigo das necessidades ideológicas do Estado a do partido dominados pelo estalinismo. Essa arte seria o realismo socialista, o qual foi oficialmente consagrado no 1 Congresso dos Escritores Soviéticos em Agosto de 1934.

A sua estética normativa obrigava os artistas ao estilo realista, ao otimismo revolucionário, à redução dos temas a das personagens centrais ao mundo do trabalho a dos heróis da constrição do socialismo, à "partiinost" e à glorificação do estalinismo. Zdhanov, novo homem-forte do partido para a área cultural, proclamava logo nesse I Congresso: "O camarada Stálin chama aos nossos escritores engenheiros de almas. O que é que isso significa?

Que obrigações que isso nos impõem. Antes de mais isso significa que devem conhecer a vida para representá-la fielmente nas nossas obras, não escolarmente como um objeto morto, nem mesmo como uma realidade objetiva, mas representar a realidade em sua dinâmica revolucionária. Depois, em conformidade com o espírito do socialismo, devem combinar fidelidade e representação artística historicamente concreta como trabalho de modelação ideológica e educação dos trabalhadores. É este método de literatura e de crítica literária que constitui aquilo que chamamos método realista socialista (5)

Obviamente, esta nova política cultural passava uma sentença de morte para a liberdade e a pluralidade pictóricas saídas da Revolução de Outubro. Malevitch, Filonov, os constutrivistas e o conjunto das tendências da vanguarda/formalismo estiveram pela última vez representados na exposição comemorativa "Quinze anos de arte soviética" (Leningrado, fins de 1932), sendo explicitamente retirados da apresentação moscovita dessa mesma exposição (junho de 1933) - como referia então o jornal artístico oficial Iskoustvo: "A exposição de Moscou vê o formalismo como qualquer coisa que pertence a um passado sombrio se arrasta mas que já não está vivo no presente [...] e que já não têm nenhuma validade no futuro (6). Culminando uma longa campanha anti-formalistas comandada a partir do Iskoustvo, o próprio Pravda produziria uma série de artigos de janeiro a Março de 1936 contra o pintor Lebedev, o encenador Meyerhold e o compositor Chostakovski, taxando as suas obras de reacionárias a burguesas. Privados de encomendas oficiais, excluídos das exposições a ostracizados pelo "estabelecimento" cultural, a vanguarda eclipsou-se. Tatline a Rodchenko conservam um cauteloso "low profile", Filonov continua a trabalhar clandestinamente nas suas pinturas analíticas, Labas acaba namiséria extrema e Malevitch (que morre logo em 1935) regressa ao figurativo.

Outros são mesmo presos a executados no âmbito de uma infernal dinâmica de repressão que conjuga razões artísticas a políticas: Klutsis, Drevin e Veideman, vanguardistas a velhos bolcheviques lituanos são mortos; o famoso pintor muralista Boichuk a os seus discípulos que enraizavam o seu fazer artístico em elementos folclóricos ucranianos são igualmente executados; Tsirelson, Vyazinenski a Konnov, que se haviam destacado na cisão da AkhRR de 1931 sofreram o mesmo destino; certos membros do grupo Outubro como Gumov foram detidos por supostas ligações residuais ao trotskismo a ao bukarinismo. As obras da vanguarda russa a da modernidade ocidental foram relegadas para os depósitos dos museus, havendo mesmo algumas que foram destruídas ou danificadas (os murais dos boichukistas foram completamente destruídos a até o famoso mural da Casa dos Pioneiros de Moscoso executado por Labas levou a mesma dose).

Este inventário de repressão contra a liberdade de criação artística é bastante sumário, mas, ainda assim, serve para ilustrar o modo como a política cultural do realismo socialista veio impor um monolitismo que acabou com as antigas liberdades a com as utopias vanguardistas que dominaram a cena pictórica do país de 1917 a 1932, mau-grado um certo ritmo declinante começado em meados dos anos 20 e o peso sempre crescente do realismo da AkhRR.

Conclusão

Ao contrário do que muitos estudiosos defendem, a política cultural do estalinismo não entronca no leninismo. Nos anos heróicos da Revolução Russa, a liberdade e a pluralidade trazem inclusive a chancela do NARKOMPROS e do IZO, organismos estatais que as defenderam das investidas autoritárias das próprias vanguardas artísticas em busca da sua entronização como arte oficial.

A subida de Stálin a secretário - geral do PCUS (1924) não altera substancialmente esse rumo até ao fim dos anos 20, não obstante o já assinalado peso crescente da AkhRR em detrimento das correntes de vanguarda. Estas correntes como o suprematismo o construtivismo, o cézannismo e o pós-impressionismo nossos, o primitivismo ou a arte analítica sofriam já acentuada perda de influência sob os golpes da iminência da AkhRR com o aparelho estatal (excelentes relações com os chefes do Exército Vermelho a com outras instituições do mecenato oficial) a do reaparecimento dos mecenas privados ao abrigo da NEP, mas ainda tinham figuras proeminentes no "estabelecimento", artístico, participavam livremente em exposições, recebiam encomendas e davam batalha pública pelas suas posições pictóricas.

Aliás, as próprias cisões internas na AkhRR em 1928 e 1931 em prol da pluralidade estilística no âmbito da arte proletária constituíram ainda uma prova da relativa liberdade então possível. A política artística apenas ganha uma irresistível dinâmica totalitária Com o decreto de Junho de 1932 e coma entronização do realismo socialista como arte oficial em 1934, ecoando assim esteticamente a súbita viragem econômica de 1928 com a sua coletivação forçada e a sua planificação burocrática decididas por cima da cabeça da classe operária e dos camponeses.

Tal como a depuração dos "velhos bolcheviques" do Partido Comunista e cio Exército Vermelho correspondia às necessidades estalinistas ele mando único e de arregimentação político-militar da sociedade soviética, também o monolitisrno do realismo socialista respondia às suas necessidades de enquadramento artístico-cultural em função de uma "partiinost' otimista, ludibriante e dócil ao culto dos chefes.

Mais a reais quando alguns progressos significativos no plano da produção industrial e no acesso das massas soviéticas a índices decentes na educação, na saúde e na habitação, vieram encontrar o reverso da medalha: internamente, nas desastrosas conseqüências da coletivação forçada (milhões de mortos devido ao desabastecimento, queda em flecha da produção agrícola, abate massivo de animais,...), na perda do poder de compra da própria classe operária, na estratificação salarial e no reforço das desigualdades sociais, extremamente, na catastrófica política do Komintern que abriu carrinho para a vitória de Hitler e ao esmagamento do KPD na Alemanha, e que já se revelara um fiasco na derrota da revolução chinesa.. Ao pronunciar-se acerca do realismo socialista e da sua pintura, Trotsky escreveria estas elucidativas palavras: “É impossível contemplar sem uma repulsa física, misturada com horror; a reprodução de quadros esculturas soviéticas onde os funcionários armados com um pincel, sob a vigilância de funcionários armados com “mausers” glorificam os “grandes” e “geniais" chefes, na verdade privados da menor centelha de gênio e de grandeza. A arte da época estalinista entrará na história como expressão mais evidente do profundo declínio da revolução proletária” (7).

Trotsky, que escreveu a sua esquecida Literatura e Revolução logo em 1923-1924, conhecia melhor do que ninguém a vil contradição entre esta ditadura cultural e a anterior política de liberdade cultural dos bolcheviques: “Enquanto a ditadura teve o apoio das massas e diante de si a perspectiva da revolução mundial não temia as experiências, as pesquisas, a luta de escolas, porque compreendia que uma nova fase da cultura não se podia preparar fora dessa via. Todas as fibras do gigante popular tremiam ainda: ele pensava em alta voz, pela primeira vez, desde há milênios. As melhores e as mais jovens forças da arte enchiam-se de vida, [...] Na luta contra a oposição no seio do partido, as escolas literárias, umas após outras, foram abafadas. E não se tratava só da própria literatura” (8)

Notas:

1. “[...] acima ele tudo, uma idéia caracterizava a visão leninista da arte [...] o princípio da "partiinost", a submissão às decisões do partido comunista”, “.[...] as poucas intervenções de Lênin na vida cultural são muito significativas, na medida em que antecipam muito do que iria acontecer após a sua morte [...] A arte estalinista oficial foi um filho legítimo da revolução leninista.." (Marthew Cullerne Bown. Art under Snilin, Oxford, Phaidon 1991 pp. 25 e 20-21).


Igor Golomstock, L'art totalitaire. Union soviétique-III Reich-Italie fasciste-Chine, trad., Paris, Éditions Carré, 1991, também atribui a Lenin a paternidade das concepções totalitárias do estalinismo na arte. Cf. pp. 41-47. Para uma visão contrária e para uma discussão aprofundada cio artigo de Lênin "A organização de partido e a literatura do partido", supostamente a peca fulcral da concepção leninista da rate e fonte da política cultural do estalinismo, cf. Jean-Michel Palmier, Lénine, a arte e a revolução, trad., Lisboa, Morais 1975, 1" Vol., pp. 120-1N).

2. Lionel Richard, -Bric-a-brac totalitaire pour hinalizer le nazisme", Maniére de Voir [trimestral cio Le Monde Diplomatique] 26 (mai 1995), p. 3i..

3. Cf, p. ex., Mikhail Guerman.,“Inircxluction" a Soviet Art. 1920s-1930s. Russian Museum, Leninegrad ed. Vladmir Leniashin, Moscow Sovietsky Khudzolinik, 1988, pp. 13-14.

4. Lunatcharsky As Artes Plásticas e a Política na URSS. trad. Lisboa, Estampa. 1975, pp. 39--4i0.

5. Citado in Golomstock, idem, pp. 80-90,

6. Citado in Golomstock, idem, p. 107.

7. Trotsky, Literatura e Revolução, trad.. Amadora, Editorial Fronteira, 1976, p. 166.

8. Trotsky, A Revolução Traída. trad. Lisboa Antídoto, 1977, pp. 163-164.

Fonte: Marxismo Vivo, n.º 3, maio de 2001

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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